Raimundos – Cantigas de Roda [2014]

Raimundos – Cantigas de Roda [2014]

Por Micael Machado

No último dia 13 de março, o grande baixista Canisso nos deixou, aos 57 anos. Um daqueles dias que como diz Raul Seixas “é um escorregão idiota num dia de Sol” levou ao reino do paraíso da música uma das pessoas mais queridas e admiradas na música, por conta de uma parada cardíaca após uma queda em sua casa. O rapaz, casado e pai de quatro filhos, foi fundador e fez parte de uma das maiores bandas brasileiras nos anos 90, o Raimundos. Em sua homenagem, lembrei de Cantigas de Roda, um disco inovador para a época de seu lançamento, 2014.

Naquele ano, se completavam treze anos desde que o vocalista Rodolfo Abrantes deixara o grupo brasiliense. O grupo seguiu em frente, lançando um disco que era pouco mais que um amontoado de covers dos Ramones gravados com a participação do ex-baterista do grupo, Marky Ramone (Éramos Quatro, de 2001), um disco de inéditas que não teve tanta repercussão quanto os anteriores (Kavookavala, de 2002), um EP virtual que rendeu menos ainda (Pt Qq cOisAh, de 2005), um CD e DVD ao vivo que mostrava o quanto a ausência do ex-vocalista ainda era sentida (Roda Viva, de 2011) e um split ao lado do Ultraje A Rigor, onde o grupo de Brasília interpretava músicas registradas originalmente pelos paulistas, e vice-versa (Ultraje a Rigor X Raimundos, de 2012). O guitarrista Digão assumiu também os vocais, Marquinho (ex-Peter Perfeito, agora atendendo por Marquim) chegou para dar uma força nas guitarras, o baixista Canisso saiu e voltou, o baterista Fred foi embora de vez, sendo substituído pelo ex-Dr. Madeira Caio, e o grupo, bem ou mal, nunca deixou de fazer shows e lotar os locais por onde passou, apesar das reclamações das “viúvas” de Rodolfo (como eu, admito), que pareciam não aceitar que o grupo continuasse sem seu carismático cantor.

Então, em 2013, o grupo foi inovador ao lançar pela internet um crowd funding (projeto de arrecadação de fundos através da rede mundial) para a gravação de um novo disco em Los Angeles, nos Estados Unidos, com produção de Billy Graziadei, líder do grupo nova-iorquino Biohazard. Pelo projeto, apenas aqueles que colaborassem financeiramente antes da gravação do álbum teriam direito ao mesmo, sendo oferecidas várias opções de participação, com “recompensas” diferentes de acordo com o valor investido. Quase cinquenta dias antes do prazo final estimado, o quarteto já havia arrecadado o valor necessário para as gravações, e terminaria o dead line com mais que o dobro do valor estipulado!

O baixista Canisso, recém-falecido, em cena do vídeo de anúncio do crowd funding 

Com a grana no bolso, os brasilienses se mandaram para Los Angeles (não sem antes terem de conviver com um problema na liberação para o visto de entrada nos EUA de Canisso, o que atrasou o início dos trabalhos), e, no dia cinco de fevereiro deste ano, os colaboradores finalmente receberam um link para download antecipado do aguardado oitavo disco de estúdio dos Raimundos, intitulado Cantigas de Roda. Apesar do e-mail enviado deixar claro um pedido de não compartilhamento do álbum com aqueles que não participaram do crowd funding (está lá: “… este álbum é de vocês por direito, vocês que o financiaram. Então, pedimos que não disponibilizem o álbum para terceiros…”), no dia seguinte já era possível baixar o mesmo em diversos sites da internet, e, na data de 21 de fevereiro, já era possível encontrar na rede vídeos para cada uma das canções do álbum, aparentemente feitos com a participação de pessoas que contribuíram com o processo de arrecadação de fundos para o disco.

Cantigas de Roda é um discaço, recuperando plenamente a tradição e o estilo que o grupo ostentava na época de seu ex-vocalista, e, apesar de não trazer muita coisa de novo ao universo musical do quarteto (quase todas as canções lembram algo já feito pelos brasilienses, e não serei eu quem vai deixar de apontar estas semelhanças aqui), mostra em pouco mais de trinta e sete minutos que os Raimundos ainda têm força e qualidade para honrar o posto de uma das melhores bandas surgidas no Brasil durante a década de 1990!

Canisso, Digão, Marquim e Caio

O hardcore rápido e pesado de “Cachorrinha” (com sua letra quase escatológica, e participação de Frango, vocalista do grupo brasiliense Galinha Preta) abre os trabalhos mostrando que o pessoal não está nada a fim de minimizar a porradaria de suas composições, algo que também fica claro em “Rafael” (com um refrão um pouco mais cadenciado, e que me lembra “Nêga Jurema”, do disco de estreia do grupo), “Descendo na Banguela” (um pouco menos veloz) e “Nó Suíno” (uma das mais “pegadas”). “Importada do Interior” já tem uma pegada mais metal, mesmo com o refrão bem acessível, e “Baculejo” é um poppy punk típico da banda, meio na linha de “Mato Véio” (do disco Só no Forévis), porém sem tanta velocidade.

Pesada e mais lenta, “BOP” lembra “Andar na Pedra” (de Lapadas do Povo), e tem em seu refrão algo que parece uma declaração de intenções de Digão e sua turma: “Enquanto os doido pedir, vamos continuar”, peso este que também aparece em “Politics”, que já havia sido disponibilizada nas redes sociais e na rádio 89FM a oito de junho do ano passado, e que, na versão do novo disco, ganha participação especial do rapper Marcio Cipriano e do próprio produtor Billy Graziadei. Já “Gato da Rosinha” é uma típica composição do sanfoneiro Zenilton, lembrando assim o disco de estreia do quarteto (que possui algumas músicas escritas por ele, assim como o segundo álbum, Lavô Tá Novo), e tendo o formato de um forró-core pegado (com direito até à volta do triângulo no meio da porradaria do grupo!), com a esperada letra de duplo sentido das composições do nordestino.

Com cara de hit, “Cera Quente” vem naquela linha de “A Mais Pedida” (também de Só no Forévis), sendo capaz de agradar aos roqueiros menos “radicais” que sejam fãs do grupo, além de muitas das meninas que gostam de suas músicas mais “calmas”, e de refrões fáceis como o desta faixa (que gruda nos ouvidos logo nas primeiras audições), além de sua letra sacana parecer ser dedicada especialmente para as fãs dos brasilienses. Já “Dubmundos” (com participação de Sen Dog, do Cypress Hill, nos vocais, e Stu Ranier, do Urban Classics, no baixo) e “Gordelícia” (que lembra “Opa! Peraí, Caceta”, de Lavô Tá Novo) adotam o estilo ska, que já havia aparecido em outras composições dos brasilienses, sendo que ambas têm participação especial nos metais de Ulises Bella (do Ozomatli) e de Sheffer Bruton.

Digão e Sen Dog, que participa de Cantigas de Roda

Para os que nunca curtiram muito os Raimundos, ou para aqueles que não desistem de chorar pela ausência de Rodolfo, este pode ser considerado um disco “mais do mesmo”, mas, para mim, como fã e apoiador do projeto de crowd funding, é a comprovação de que o quarteto de Brasília possui uma relevância e importância além dos anos 90 no cenário do rock nacional, tão ameaçado por bandinhas insignificantes que não têm competência para sequer segurar os instrumentos destes veteranos.

“De altos e baixos, tem mal que vem para uma evolução… seguindo firme nessa roda até os dedo queimar”

Track List:

1. Cachorrinha

2. BOP

3. Baculejo

4. Gato da Rosinha

5. Cera Quente

6. Rafael

7. Descendo na Banguela

8. Dubmundos

9. Nó Suíno

10. Importada do Interior

11. Gordelícia

12. Politics

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