As discografias britânica e americana das bandas dos anos 60: Por que as diferenças?

As discografias britânica e americana das bandas dos anos 60: Por que as diferenças?

Por Marcello Zapelini

Parte III

Encerro hoje esta série com mais alguns lançamentos e curiosidades nas diferentes versões de discos relativos à importantes bandas britânicas lançados nos anos 60, tanto nos Estados Unidos quanto no Reino Unido.


The Yardbirds

Únicos lançamentos britânicos do The Yardbirds nos anos 60

O que seria a discografia em LP do The Yardbirds, por sua vez, é sobretudo formado pelos álbuns americanos. No entanto, Five Live Yardbirds, primeiro LP do quinteto (gravado ao vivo, sem dúvida uma ideia bastante ousada do produtor e empresário Giorgio Gomelski), não teve edição americana à época – suspeito que o fato de não ter conseguido figurar nem na parada inglesa deve ter pesado. O primeiro LP americano foi For Your Love, lançado em junho de 1965, trazendo músicas que só tinham saído em compacto na Inglaterra e algumas novidades, e mesclando faixas com Eric Clapton e Jeff Beck na guitarra solo. A faixa-título é a mais antiga, gravada em fevereiro de 1964, e as mais recentes, de março de 1965, com Beck na guitarra (“I’m Not Talking” e “My Girl Sloopy”). Nenhuma música de Five Live apareceu nesse lançamento, mas em novembro desse ano os americanos receberam Having a Rave-Up With The Yardbirds, que incluía no lado B quatro músicas do LP ao vivo inglês (“Smokestack Lightning, “Respectable”, “Here ‘Tis” e “I”m a Man”).

No lado A, quase todas as músicas foram gravadas por Beck – e curiosamente uma versão de estúdio de “I’m a Man” está no meio, gravada ainda com Clapton. Em 1966, sairia Yardbirds, também conhecido como Roger The Engineer, com a mesma capa (ainda que com cores alternativas, dependendo da edição) nos dois países e várias diferenças:

 “Lost Woman”, “Over Under Sideways Down”, “Farewell”, “Jeff’s Boogie”, “What Do You Want” e “Ever Since the World has Begun” são idênticas nos dois discos;
 “I Can’t Make it Your Way”, “Hot House of Omagarashid”, “He’s Always There” e “Turn Into Earth” aparecem em versões diferentes nos discos dos dois países;
 “The Nazz Are Blue” e “Rack My Mind” constam do LP britânico, mas não do americano (que só tem dez músicas).

Os quatro lançamentos norte-americanos do grupo nos anos 60

Por fim, Little Games saiu em 1967 nos EUA, mas não na Inglaterra; fãs de Jimmy Page não podem deixar passar este disco, gravado quando Jeff Beck tinha saído do grupo e Chris Dreja passara para o baixo. Tudo considerado, a discografia britânica consta de dois LPs (Five Live e Roger The Engineer), ao passo que a americana possui quatro. O ideal para quem quer ter apenas os discos originais seria misturar as duas discografias, especialmente porque todos os álbuns estão disponíveis em CD com uma grande quantidade de bônus. Mas eu sugeriria a box set Train Kept A-Rollin’ (4 CDs) e as versões com bônus de Roger The Engineer e Little Games para quem quiser ter (quase) tudo o que The Yardbirds gravaram.


The Zombies

Primeiro disco do Zombies nos EUA (esquerda) e no Reino Unido (direita)

The Zombies foi uma banda que, na sua existência, baseou seus lançamentos em compactos e EPs. Nos anos 60, a discografia da banda se limitou a dois LPs britânicos, com um terceiro lançado exclusivamente nos EUA (no lugar do disco de estreia britânico). O segundo LP, Odessey and Oracle, foi lançado nos dois países com o mesmo repertório e não será abordado aqui. The Zombies Begin Here saiu em abril de 1965 na Inglaterra, ao passo que The Zombies já tinha saído em janeiro do mesmo ano nos EUA. As diferenças, além da capa, são significativas: nove músicas são idênticas nos dois álbuns, “Summertime”, (pensou que Janis tinha sido a primeira artista de rock a gravar?), “Work’n’Play”, o medley “You Really Got a Hold on me/Bring it on Home to Me”, “She’s Not There”, “Can’t Nobody Love You”, “Woman”, “What More Can I Do”, “I Don’t Want to Know” e “I Got My Mojo Working”. No caso do disco inglês, ainda se tem mais cinco músicas, “Road Runner”, “I Can’t Make Up My Mind”, “The Way I Feel Inside”, “Sticks and Stones” e “I Remember When I Loved Her”. No americano, apenas três: “It’s Alright With me”, “Sometimes”, “Tell Her No”.

O clássico Odessey and Oracle é um dos raros lançamentos a ter a mesma capa e o mesmo track list em ambos os países

Sobre preferências, em primeiro lugar o fã precisa ter ao menos Odessey and Oracle, um ótimo álbum do final dos anos 60, e se for possível, a ótima box set Zombie Heaven (que inclui Odessey… na íntegra). Não sendo possível investir nela, Singles A’s and B’s é uma boa opção. Infelizmente, a excelente coletânea Time of the Zombies, lançada nos EUA em 1973-74 (as datas variam), seria ideal, até porque Odessey… está disponível na íntegra como o segundo LP, mas, até onde sei, não saiu em CD nem mesmo no Japão.


The Kinks

A edição norte-americana (direita) da estreia do Kinks tem três músicas a menos que a edição britânica (esquerda), além de outro título

The Kinks também sofreram com as mutilações dos seus discos, bem como com as várias mudanças. O primeiro LP da banda (lançado em outubro de 64) recebeu, nos EUA, o título You Really Got Me, mas saiu com apenas 11 das 14 músicas do britânico, perdendo “I Took My Baby Home”, “I’m a Lover Not a Fighter” e “Revenge”. Kinda Kinks, o segundo disco (março de 1965), também perdeu três de suas doze músicas (“Naggin’ Woman”, “Tired of Waiting for You” e “Come On Now”), ganhando duas no lugar (“Set Me Free” e “Everybody’s Gonna Be Happy”). No entanto, Kinda Kinks foi o terceiro LP americano, pois quatro das seis músicas cortadas (as exceções eram “I Took My Baby Home” e “Naggin’ Woman”) foram juntadas a “All Day and All of the Night”, “Louie Louie”, “I’ve Got the Feeling”, “I Gotta Move”, “I Gotta Go Now” e “Things Are Getting Better” para formar Kinks-Size, lançado antes de Kinda Kinks. Ainda em 1965, The Kinks Kontroversy saiu com a mesma track list nos dois países (embora com capas diferentes), mas como uma edição exclusiva para o mercado americano tem-se Kinks Kinkdom, que finalmente lançou “Naggin’ Woman” nos EUA, reprisou “Louie Louie” e acrescentou nove músicas, a maioria de compactos e EPs ingleses. Assim, dois LPs britânicos se tornaram quatro LPs americanos, ainda que Kontroversy só tenha saído nos EUA em 1966.

Edições britânicas (esquerda) e norte-americanas (direita) de álbuns do Kinks com mesmo nome, mas capas diferentes

No ano de 1966, cada mercado teve sua própria coletânea, Well Respected Kinks na Inglaterra, Greatest Hits! nos EUA, com repertórios bem diferentes. Face to Face, ainda nesse mesmo ano, saiu com as mesmas 14 músicas nos dois países e capa idêntica. O passo seguinte seria o lançamento, nos EUA, de The Live Kinks em 1967 – que só sairia como Live at the Kelvin Hall em 1968 na Inglaterra, com capa diferente, mas o mesmo repertório (e a mesma baixa qualidade de gravação). O álbum de estúdio seguinte, Something Else by The Kinks, saiu em setembro de 1967 na Inglaterra e janeiro de 1968 nos EUA, mas as versões são idênticas. Os ingleses ainda teriam a coletânea Sunny Afternoon lançada em novembro de 1967, sem contrapartida americana.

Aqui além dos títulos, as capas são diferentes, mas os track lists são iguais (versão britânica à esquerda)

E depois de The Kinks Are The Village Green Preservation Society (1968), as diferenças entre as discografias se concentrariam nas coletâneas. Duas se destacam: The Kinks Kronikles era um álbum duplo norte-americano que nunca foi superado por nenhuma outra coletânea em vinil, ao passo que The Great Lost Kinks Album foi outro álbum americano que incluía sobras de estúdio e faixas de compactos que não tinham sido lançadas antes em LP nos EUA. A discografia britânica do The Kinks é preferível à americana, mas ainda assim convém buscar uma boa coletânea para complementar.


Spencer Davis Group

A Spencer Davis Group com lançamentos exclusivos do mercado britânico (acima); Algumas coletâneas norte-americanas (abaixo)

Não poderia deixar de mencionar o curioso caso do Spencer Davis Group. A banda que revelou Steve Winwood teve vários compactos de sucesso na Inglaterra, e entre junho de 1965 e agosto de 1966 lançou três LPs nesse país, Their First LP, Second Album e Autumn 66, nenhum dos quais saiu nos EUA. Quase todas as músicas desses discos, bem como os compactos, acabaram sendo lançadas nos Estados Unidos nas coletâneas Gimme Some Lovin’, I’m a Man, Greatest Hits e Heavies entre 1967 e 1969, a última trazendo também material das encarnações subsequentes da banda, quando os irmãos Winwood tinham saído do grupo. No caso do Spencer Davis Group tem-se uma discografia britânica muito mais interessante do que a americana – a menos, é claro, que se queira uma coletânea.


The Moody Blues

Nomes, capas e track lists bem diferentes nas estreias britânicas (esquerda) e nore-americana (direita) do Moody Blues

The Moody Blues, em sua configuração original (Denny Laine, Mike Pinder, Ray Thomas, Clint Warwick e Graeme Edge), lançou um punhado de compactos e um LP, intitulado The Magnificent Moodies (GB) ou Go Now! (EUA), em julho de 1965. Ambos os discos saíram com doze faixas, mas há várias diferenças: “I’ll Go Crazy”, “Go Now”, “Can’t Nobody Love You”, “I’ve Got a Dream”, “Let Me Go”, “I Ain’t Necessarily So”, “True Story” e “Bye Bye Bird” são as únicas músicas repetidas nos dois LPs. O britânico traz “Something You Got”, “I Don’t Mind”, “Stop” e “Thank You Baby”, o americano, “And My Baby’s Gone”, “It’s Easy Child”, ”I Don’t Want to Go On Without You” e “From the Bottom of my Heart”. É difícil escolher uma das duas versões, por isso sugere-se o CD duplo do 50º aniversário, de 2015, que traz todas as 16 músicas diferentes incluídas nos LPs britânico e americano, e mais 40 (!) músicas gravadas entre 1964 e 1966.


Small Faces

O norte-americano There Are But Four Small Faces (esquerda)  foi lançado em 1968 como uma adaptação para o britânico Small Faces (direita), lançado pela Immediate em 1967

Durante o breve período em que o Small Faces existiu nos anos 60, entre 65 e 68, quatro LPs foram lançados, um deles exclusivo para o mercado americano. Os dois primeiros se intitulavam simplesmente Small Faces e saíram pela Decca (1966) e pela Immediate (1967), que ainda iria lançar os dois primeiros discos do Humble Pie futuramente. Esses discos não tiveram edição nos EUA, que só teria um LP da banda em fevereiro de 1968, quando There Are But Four Small Faces saiu pela Columbia como uma versão modificada do álbum da Immediate. Nada menos que sete das 14 músicas do disco britânico foram limadas: “Something I Want to Tell You”, “Feeling Lonely”, “Happy Boys Happy”, “Things Are Going to Get Better”, “Become Like You”, All Our Yesterdays” e “Eddie’s Dreaming” foram substituídas pelos compactos “Here Comes the Nice”, “Itchycoo Park” e “Tin Soldier”. Completando o LP, os lados B dos dois compactos com essas duas últimas músicas, “I’m Only Dreaming” e “I Feel Much Better”, foram incluídos. Se fosse pelo lançamento original, o álbum americano seria preferível ao inglês, mas a edição Deluxe em CD duplo trouxe essas músicas e mais material da época, tornando-a a melhor opção para os fãs.

O lançamento seguinte da banda, o conceitual Ogden’s Nut Gone Flake, saiu idêntico nos dois países. Como curiosidade, depois da saída de Steve Marriott e a entrada de Rod Stewart e Ronnie Wood, o primeiro LP (First Step) saiu creditado a “Small Faces” nos EUA, mas o conteúdo é idêntico ao britânico.

2 comentários sobre “As discografias britânica e americana das bandas dos anos 60: Por que as diferenças?

  1. Aqui já é um pouco diferente. Tenho duas boas coletâneas do Yardbyrds e tá ótimo. O Spencer Davis que me interessa estão num box do Steve Winwood que eu tenho. Nunca fui fã dos Zombies e Kinks tenho discos do Moody Blues e do Small Faces (que eu acho genial)

    1. Aquela box set do Yardbirds que mencionei, trazendo tudo o que o Giorgio Gomelski produziu, é fantástica, mas acho que iria ter muita coisa em comum com as suas coletâneas, então não vale mais a pena… O Spencer Davis Group é outra banda que também vale mais a pena ter coletânea do que ter os originais, Zombies e Kinks é bem aquela famosa questão de gosto (eu pessoalmente gosto!). Moody Blues dessa fase eu acho muito legal, mas o melhor está mesmo com o Hayward e o Lodge na banda.
      Já o Small Faces é genial mesmo! Dá vontade de colecionar tudo.

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