Maravilhas do Mundo Prog: Anacrusa – Homenaje a Waldo [1978]

Maravilhas do Mundo Prog: Anacrusa – Homenaje a Waldo [1978]
Por Mairon Machado
O rock progressivo na Argentina sempre teve forte respeito. Não somente os grupos clássicos fizeram sucesso por lá. O país acabou propiciando dezenas de artistas que, de alguma forma, acabaram chamando a atenção de uma boa parcela de cultuadores do estilo, e hoje em dia são verdadeiros tesouros procurados por colecionadores.

O mais marcante no prog argentino era a influência de elementos folclóricos, como o tango, a milonga e outros estilos, criando um gênero único, chamado pelos hermanos de prog-folk. Um dos principais nomes desse novo gênero foi o Anacrusa.
Formado em 1972, o grupo mesclava os elementos citados acima com uma sonoridade bem distinta de grupos como Nito Miestre Y Los Desconocidos ou Sui Generis. Capitaneado pelo maestro José Luis Castiñera de Dios, que dava as honras como violonista e baixista, o Anacrusa iniciou como um quinteto, tendo ainda Alex Eriich-Oliva (double bass, violões), Rubén “Mono” Izaurralde (flauta), Elias “Chiche” Heger (bateria, percussão) e Susana Lago (piano, órgão, charango e voz).
Primeiro LP do Anacrusa
No ano seguinte, gravaram seu primeiro disco. Anacrusa, mistura bastantes os elementos latinos e do folclore argentino, destacando bastante a flauta, como “Pobre Mi Tierra”, “Marula Sanchez” e “Lo Que Mas Quiero”, além de belas composições instrumentais, como “Rio Limay”, “Viento de Yaví”, “Zamba de Invierno” e “Piedra Y Madera”, essa última a única que pode ser considerada progressiva. A capa é uma pequena homenagem ao Pink Floyd, com o quinteto posando ao lado de todos os instrumentos utilizados na gravação do LP (imitando o que o grupo britânico fez em Ummagumma, de 1969).

Anacrusa II, segundo
LP do grupo argentino
Em 1974, a mesma formação entrou no estúdio Phonalex, onde gravou o segundo álbum. Lançado no mesmo ano, Anacrusa II mantém os temas folcóricos de seu antecessor, destacando as belas instrumentais “Polo Coloriano” e “Zamba de la Despedida” e a (também instrumental) arrepiante “Saqué Mi Corazón de la Tierra Quemada”, outra que poderia facilmente frequentar as casas dos assíduos de um rock progressivo mais experimental, com um espetáculo à parte da flauta e do violão, em um tema emotivo e muito tocante, e da grandiosa “Calfucurá”, uma fantástica canção repleta de temas marcados, com um belíssimo trabalho ao piano e flauta, e que mostra uma leve guinada do Anacrusa para tornar-se um grupo de rock progressivo.
Porém, a ditadura argentina comia solta em 1975, e o grupo resolveu retirar-se do país, buscando exílio na França. Lá, o quinteto ampliou seus conhecimentos musicais. Amigos argentinos e da América Latina em geral, também exilados na França, passaram a frequentar as residências de Susana e Castañera. O Anacrusa voltou forte, trazendo, além dos dois citados, o flautista Júlio Pardo, Bruno Pizzamiglio (oboé), Daniel Sbarra (violões), Jorge Trasante (bateria e percussão), Juan Mosalini (bandoneon) e Phillipe Pages (piano, órgão).

Rara fotografia dos argentinos
É esse octeto que, em 1978, gravou o primeiro disco exilado do Anacrusa, o belíssimo El Sacrifício. Trata-se de um álbum bem diferente do que estamos acostumados a ouvir das terras portenhas. O predomínio de instrumentos de sopro e cordas é gritante, fazendo um som muito inovador, misturando elementos orientais com toques pampeanos (como a milonga e o chamamé) além dos timbres que marcaram o progressivo britânico. A canção de abertura, a fantástica instrumental “El Pozo de los Vientos”, é um bom exemplo da sonoridade que permanece no LP, com passagens repetitivas, sobrepondo-se e renovando-se através dos instrumentos citados. Essa psicodelia segue em “El Sacrificio”, na qual a guitarra de lembra Syd Barret, e a interpretação vocal é arrepiante. Mais uma vez, os instrumentos de sopro, como a flauta andina, e as belas passagens de violino, são uma saborosa novidade ao que estamos acostumados a ouvir no rock.
“Sol de Fuego” e “Quien Bien Quiere” mantêm o pensamento inovativo do Anacrusa, sendo a primeira uma instrumental que faz uso de bumbo leguero (instrumento típico do pampa), piano e violino para criar um dançante jazz rock instrumental, enquanto a segunda parece ter saído de algum país do Oriente Médio, principalmente por seu ritmo cavalgante e pelas hipnotizantes participações vocais e do violino, além das cambiadas agitadas, onde a guitarra se sobressai. 

Entretanto, nada supera a canção que encerra o lado A de El Sacrifício, batizada de “Homenaje a Waldo”. Em pouco mais de cinco minutos, ela coloca todas as novidades no chão, através de um triste e sofrido (como só os argentinos conseguem fazer) tango, mas não um tango qualquer, um tango feito totalmente com inspirações progressivas.
“Homenaje a Waldo” é uma maravilhosa peça instrumental que começa com o piano executando um triste dedilhado, enquanto entoa vagarosamente o tema central da canção, com notas emotivas e muito tocantes. Órgão e violino passam a acompanhar a melodia do piano, fazendo um leve crescendo, junto de um pequeno arranjo para violinos. Um oboé aparece, e pouco a pouco violino, percussão e flauta surgem, encerrando o que seria a primeira estrofe.
O vinil argentino original

O bandoleom passa a fazer o tema central, acompanhado pelo piano e pela flauta, e depois é a vez do oboé repetir este tema, ainda ao lado de flauta e piano. Flautas surgem como pássaros em meio a uma selva de violinos, soltando notas aleatórias, e a canção começa novamente a crescer. Mas é o bandoleom que toma conta novamente, ficando sozinho, solando tristemente sobre a escala do tema central.

Lentamente, a percussão surge e finalmente leva ao verdadeiro crescendo de “Homenaje a Waldo”, ao mesmo tempo em que o oboé sola, duelando com o bandoleom e com o órgão ao fundo. Com várias viradas de bateria, as extravagâncias do baixo e um fabuloso ataque às teclas do piano, a guitarra passa a solar, e assim, bandoleom, violino, órgão e flauta fazem o tema central juntos, arrancando lágrimas de qualquer ser vivo à sua volta, acompanhados pela marcação do baixo e da bateria, com um emocionante arranjo de cordas ao fundo, encerrando a canção com a sobreposição das notas do violino, órgão, piano e bateria, e uma última passagem do oboé, para concluir com um fúnebre acorde “E” feito por órgão e piano. 

El Sacrifício ainda continua com “Los Capiangos”, outra maravilhosa e experimental canção instrumental, cheia de mudanças de andamento, na qual a flauta e o oboé têm papel de destaque junto da percussão e do baixo, chapantes em sua primeira parte, com o violão, o clarinete e o moog sendo as atrações na segunda parte; e a longa suíte “Tema de Anacrusa”, talvez a principal música do que foi convencionado chamar de jazz-prog-pampeano, trazendo na linha de frente baixo e percussão, responsáveis pelos andamentos sinfônicos do violino e dos metais de um épico instrumental com mais de doze minutos de muitos temas marcados, variações e passagens complexas de flauta, órgão, oboé, violino e instrumentos andinos, além dos jazzísticos solos de piano e oboé e das arrepiantes vocalizações. As duas faixas são um complemento mais que satisfatório para que gostemos ainda mais do que já havíamos ouvido no lado A, e principalmente, na maravilhosa “Homenaje a Waldo”.

O ótimo Fuerza

Quatro anos depois, o grupo lançou o segundo disco no exílio. Fuerza é um álbum mais “elétrico”, como comprovam “Vidala de la Tierra”, a fantástica “Calfucura” (merecedora do rótulo “maravilha prog”), “Presion” , “Voz de Agua” (outra maravilha) e “Chaya”, na qual o Anacrusa verdadeiramente soa como um grupo de rock progressivo, mas ainda traz momentos folclóricos, com destaque para a faixa-título, “En Paz”, e com “Montserrat” sendo a mescla de estilos, privilegiando o lado elétrico, apesar das passagens puramente latinas. Fuerza é o melhor disco do Anacrusa, mas não contém algo se quer perto da força de “Homenaje a Waldo”.

O Anacrusa deixou de existir depois disso, e passou a viver de voltas não tão marcantes. Em 1995, lançaram Reencuentro, e somente em 2005, o grupo voltou oficialmente à tona, tendo na formação Castañera, Susana, Víctor Skorupsky (clarinete), Jorge Padín (percussão), Sebastián Prusak (violino), Juan Scaffino (violino), Pablo Fusco (viola) e Roberto Segret (violoncelo), fazendo shows com preços populares (2 pesos em média, cerca de 1 real) e lançando o álbum Encordados, além da coletânea de raridades Documentos, todos lançados naquele ano, mas nada comparáveis à genialidade alcançada em El Sacrifício, que, seguindo as palavras de um vendedor de discos na Rua Corrientes, é o melhor disco do mundo, e um dos melhores da Argentina.

O maestro Castañera

Brincadeiras portenhas à parte, o álbum do Anacrusa é uma obra-prima a ser buscada pelos apreciadores do rock progressivo, principalmente para aqueles que desejam ser surpreendidos por novidades, sendo “Homenaje a Waldo” o ápice da criatividade de uma das principais bandas que a Argentina já ouviu.

Como detalhe final, em 1976 foi lançado o disco Anacrusa III, quando o grupo já estava exilado na França. Infelizmente, não encontrei mais informações a respeito e desconheço seu conteúdo musical. Fica o pedido para que o leitor que conhece esse álbum, e também o Anacrusa, exponha seu conhecimento através dos comentários.

3 comentários sobre “Maravilhas do Mundo Prog: Anacrusa – Homenaje a Waldo [1978]

  1. Maravilha, Mairon!!! Você escapou do óbvio para falar de prog argentino. Esse disco do Anacrusa é fantástico e Homenaje a Waldo é digna de Piazzolla. Ontem mesmo tomei doses maciças de um grupo chileno que considero conceitualmente gêmeo do Anacrusa (dar laços de parentesco para chilenos e argentinos não é nada prudente, mas vamos lá). Como gratidão pelo "Maravilhas" desta semana deixo este regalo que você deve conhecer muito bem: http://www.youtube.com/watch?v=lNe-6O5T6v0&feature=related
    Abração.

  2. Fico feliz toda vez que eu venho neste excelente blog e comprovo o quão sou ignorante ainda em relação a música! Tenho muito o que escutar ainda, e isso me deixa muito feliz! Valewww! 🙂

  3. George, todos nós temos muito a aprender. Obrigado pela visita

    Marquito, mi viejo amigo. Gracias por su regalo, el Congreso sera bienvenido aca con una postaje en el futuro, con precision en el Maravilhas do Mundo Prog

    Abrazo bagualito

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