Maravilhas do Mundo Prog: Yes – Awaken [1977]

Maravilhas do Mundo Prog: Yes – Awaken [1977]
Sempre que alguém chega para mim e diz: “Não consigo entender teu amor pelo Yes, que bandinha bem chata!”, eu coloco uma faixa que resume o que é o Yes para mim e explico para o cidadão/ã a tal faixa, e após os 15’38” de “Awaken”, ou a pessoa já foi embora ou então deu a mão a palmatória e finalmente foi batizado pelo Espírito Prog.

“Awaken” não é apenas uma canção, é uma ode a Deus. O Yes sempre foi uma banda que primou por letras fantásticas, que falavam sobre o ser humano, Deus e contos mirabolantes como poucos. Ao lado da Van der Graaf Generator (onde Peter Hammill comandava letras assombrosas e enormemente enormes para falar sobre a vida como poucos), o Yes possui “n” canções que se encaixam perfeitamente na proposta desta seção. Até mesmo na época mais pop do grupo, canções como “Endless Dream” (do álbum Talk, de 1994) ou “I’m Running” (Big Generator, de 1987) traziam um tema que falava sobre os assuntos citados acimas, mas “Awaken” foi aquela canção onde a ideia da letra se encaixou perfeitamente com a música.

Yes pouco antes da saída de Jon Anderson
Registrada no excepcional Going for the One (1977), que marcou o retorno da segunda formação clássica do Yes, com Jon Anderson (voz, percussão, harpa, flautas), Steve Howe (guitarras, voz), Chris Squire (baixo, voz, harmônica, percussão), Alan White (bateria, piano) e Rick Wakeman (teclados), “Awaken” é dividida em três partes, as quais foram todas construídas no genial cérebro de Anderson, que apesar de ser um ótimo compositor, não tinha o mesmo talento para tocar os instrumentos, e assim, encarregou os demais membros do Yes a darem corpo ao que estava na mente do vocalista.

Anderson sempre foi um entusiasta das religiões orientais, vide o espetacular disco duplo Tales From Topographic Oceans (1973), o qual foi concebido totalmente em cima do livro de mantras Autobiography of Yogi, de Paramahansa Yogananda, e manteve todo o clima viajante em “Awaken”.

Tudo começa com uma introdução apenas ao piano de Wakeman, que prepara o terreno para os minutos seguintes. Teclados surgem como formando um universo de várias dimensões, e a voz celestial de Anderson surge falando sobre as vibrações humanas e o poder que o Sol (como um Deus) tem sobre os seres humanos, que vivem apenas em um mero planeta, a Terra.

Logo após, em uma explosão, a guitarra de Howe surge estourando os alto falantes junto com Squire e White, e entramos na canção em si, onde palavras são jogadas ao vento de forma aleatória, parecendo não fazer nenhum sentido. Mas não! Pegando o encarte e lendo como elas estão disponibilizadas, você ve que a forma como você lê as palavras (seja na horizontal ou na vertical), as frases vão fazendo sentido, que é apresentar o mundo onde a personagem principal da canção está vivendo os fatos que estão sendo narrados.

Jon Anderson, o cérebro por trás de “Awaken”
Essa personagem não tem nome, não tem sexo, não tem idade, mas pelo andar da carruagem se percebe claramente que o objetivo dela é chegar no despertar (“Awaken”), o qual é o tema central da canção. Esse despertar não é explícito dentro da letra, o que torna tudo mais interessante, pois tanto pode ser o despertar de apenas se acordar como pode ser o despertar do tipo “te liga magrão, o mundo não é como parece!”, e principalmente, implícito está o despertar para uma força maior que a da humanidade, ou seja, Deus.

Após essa primeira parte, entramos em uma longa sessão instrumental, onde Anderson assume a harpa junto com o órgão de Wakeman (o qual é realmente o órgão de uma igreja suíça onde Wakeman fez peripécias que quase o levaram a virar o organista oficial da igreja). Aqui a viagem dentro do consciente da personagem é feita de forma única. Lentamente, o tempo passa (percussão e harpa) enquanto a personagem “pensa” sobre a vida (órgão).

À medida que a personagem vai se dando de conta que ela é uma pessoa como toda qualquer, o órgão vai aumentando o ritmo das notas, enquanto o tempo passa de forma igual (mostrando que basta apenas querermos ser conscientes de nossos atos para agir da forma que é correta. O tempo é medido da mesma forma sempre).

Entramos então na terceira e última parte, onde a personagem encontra a Deus, o qual é apresentado como o Mestre das Imagens, Mestre da Luz, Mestre da Alma e Mestre do Tempo, uma rápida referência ao livro Bhagavad Gita (de onde Raul Seixas construiu a clássica canção “Gitâ”, que tem em suas frases a ideia de Deus/Gitâ estar presente em tudo na natureza) tendo ao fundo uma sonoridade grandiosa, quase que como uma orquestra inteira tocando, até chegarmos novamente ao tema inicial.

Ali, a frase “no momento em que fugia, me virei e vi que você estava parado perto de mim“, revela toda a moral da história: o perdão. A personagem cometera um ato falho, abandonando uma pessoa em um momento de dificuldade, e teve que passar por todo um processo divino para se dar conta de que a pessoa era um ser igual a ela, e que não importava onde ela estivesse, essa pessoa iria perdoá-la por que simplesmente a amava e a respeitava como um semelhante!

Chris Squire e seu baixo de três braços
A profundidade de “Awaken” pode ser conferida nas apresentações ao vivo do Yes. Squire utiliza um baixo de três braços para conseguir fazer todas as partes da canção (utiliza mesmo). Fora isso, o desgaste de Howe e Wakeman fazendo os temas para dar o clima da canção, bem como a marcação precisa de White, faziam dessa uma das últimas a serem apresentadas nos shows.

No show de encerramento da turnê Union Tour, tem-se outra grande prova. Todo o show é feito em clima de festa, com Wakeman brincando e debochando o tempo todo do guitarrista Trevor Rabin e com Steve Howe totalmente insatisfeito em cima do palco. Mas na hora de “Awaken”, o clima no palco muda. Seriedade e concentração a mil, e uma execução soberba de mais uma maravilha do mundo prog é assistida pelos presentes.

Como detalhe adicional, e que poucos conhecem, a capa original de Going for the One foi proibida pela gravadora Atlantic, por achar que uma mulher nua pegaria muito mal no mercado americano. Assim, ficou a famosa capa com o homem nu de costas, mas para aqueles que não conhecem a versão original, segue a mesma.

Capa original de Going for the One

38 comentários sobre “Maravilhas do Mundo Prog: Yes – Awaken [1977]

  1. Essa música está no meu Top 5 de melhores músicas de todos os tempos. Maravilhosa é pouco!

    Parabéns pelo texto! Instrutivo e emocionante!

    "High vibrations go on…"

  2. Excelente, Mairon! Li o texto ao som de "Awaken". Confesso que ainda não estou tão habituado ao "Going For the One" tanto quanto estou com a trinca clássica do Yes, mas meu interesse só aumentou. O progressivo sofre muita rejeição mesmo entre os fãs de rock, e se, após a apresentação de uma verdadeira maravilha como essa o cidadão não estiver convertido, acho que nada mais adianta!

  3. Excelente texto Mairon…como sempre.
    Eu sou suspeito para falar do Yes. Acho que foi a melhor formação de uma banda de qualquer estilo de rock. Muito consideram a formação clássica com o Alan White na bateria, mas acho que com o Bill Bruford não tinha para ninguem…pode fazer uma seleção com os músicos que quiserem…mesmo assim essa formação nunca será superada…
    Muito podem até achar a música do Yes chata…(heheh…não é Daniel)…mas ninguem pode negar que assistir essas caras tocando é uma oportunidade única de apreciar e presenciar boa música…

    1. Sensacional texto!
      Ouvi o Yes, a 1ª vez tinha 11anos, amor incondicional na 1a audição.
      Close tô the edge. Minha alma saiu do corpo. Aí vieram tds as outras bandas prog. Universo Fantástico .

  4. Eu concordo com o Fernando. A formação com Howe, Wakeman e Bruford foi a seleção do rock em sua época. Nenhuma banda reunia um conjunto de talentos individuais melhor que eles.

    Hoje em dia qual banda seria a selação? O Rush? O Dream Theater?

  5. Não sei quem seria, mas sei que NÃO é o Dream Theater!!!

    Falando sério, não acredito que hoje em dia haja um grupo que reúna em suas fileiras um número tão grande de talentos quanto o Yes com Wakeman e Bruford.

  6. estava precisando desse batismo , confesso que o mais proximo q já cheguei de prog foi ouvir o The Wall do Floyd . Estou totalmente aberto a buscar novos sons , e a sua postagem acredito que vai ser um ponto inicial nesse sentido .

  7. Por isso escrevi "segunda formação clássica". Igual a q gravou Close to the edge é impossivel de se achar. Talvez, mas bem talvez mesmo, o Asia, mas dai ja viu o q q deu né.

    Fernando essa capa com a loira nunca saiu. Eu descobri isso quando fazia parte do fã-clube oficial do Yes. Em uma das várias coisas q descobrimos lá, o Squire nos contou sobre a capa e enviou ela. Linda não?

  8. Realmente, Mairon, em termos de bandas parecemos concordar bastante, mas em termos de músicas há uma séria divergência! =x
    Dentre as canções 'épicas' do Yes, "Awaken" talvez seja a que eu menos goste. Não que seja ruim, mas não emociona como as demais.
    Do disco Going for the One, minhas favoritas são a faixa-título e a forte candidata a favoritíssima – e super underrated – "Parallels"!
    Quanto às 'melhores formações', não sei dizer qual foi a melhor reunião de músicos no Yes, mas a que conseguiu o melhor resultado foi a seguinte: Jon Anderson, Chris Squire, Steve Howe, Alan White e Patrick Moraz!
    Relayer rulez!

    P.S.: Não podiam ter simplesmente vestido a moça? Comprei esse LP e tive a impressão de tah adquirindo um disco do Bruce Springsteen ou do Jacaré… Esse mercado americano é um despropósito!

  9. Amigo , teu texto foi bacana . Mas nunca ouvi falar dessa historia da capa original . A unica coisa que sei é que não um trabalho de Roger Dean , mas da Hipgnosis , que fez capas para o Pink Floyd .
    Inclusive, essa suposta capa original tá com um jeitão de toque do Photoshop …

  10. Ola Jorge, obrigado pelo comentario. A respeito da capa original, foi o Cris Squire quem contou essa historia em uma das diversas perguntas que participei quando membro do fã-clube latino-americano do Yes. Ele quem nos enviou a foto da capa original. Se ele sabe mexer em photoshop, isso eu não posso afirmar, mas quem divulgou a noticia foi ele.

    Um abraço

  11. Depois do "no doubt, no doubt" era cara molhada, roupa molhada, lagrimaiada pra todo lado e a cara de paisagem no final… ô tempo bão, Master of Images!

    Grande post. Grande disco. E em 2011!

  12. Olha… este é um dos melhores sites de música que já acessei. E acho que já comentei isto aqui em outra ocasião. Awaken é realmente uma obra impressionante… tô ouvindo de novo agora, acompanhando sua análise. Tá sendo uma diversão nova ouvir algumas musicas acompanhando suas analises. Parabéns a todos colaboradores deste blog, que é um dos meus preferidos com certeza.

  13. Muito obrigado, Dave. Em nome de todos, agradeço o elogio. A gente erra, acerta, mas faz porque curte mesmo, e tenho certeza que isso influi muito no resultado. Abraço!

  14. Quem disse yes eh chato?? Eh uma banda gigantesca (musicalmente falando), sua musica tinha uma grande estrutura. Que pena que foram apra o comercial nos anos 80.

  15. O sentimento mais místico que eu tive com a música foi ouvindo o Yes. Realmente a música deles faz a pessoa se sintonizar numa profundidade única. Não é uma música "de fundo" que não leva longe. Leva até um ponto em que a pessoa nem imaginava chegar, aí que está a grandeza desta banda. De repente a pessoa está ligada a uma harmonia universal incrível. É arte, não é religião, mas tem a ver.

  16. Continuando, agora em relação à capa do disco, depois de lembrar muito dela andando na cidade, eu acho que colocar o homem foi uma boa escolha. A mulher ia sensualizar demais a capa. Não é questão de puritanismo, eu acho, é mais a questão da mensagem. "I feel lost in the city." Tem algumas ligações com a letra de Awaken.

    1. Hoje em dia a estrutura do policamente correto se tornou uma paranóia coletiva..não acho que deixar um homem nu na capa torna o disco melhor. E não acho também que usar a imagem de uma mulher torna o disco pior. O importante é a sua essência musical.

  17. Muito legais suas palavras anônimos. Concordo com o que vc diz sobre irmos para uma outra dimensão.

    Apenas acrescentando ao seu texto que "I feel lost in the city" é uma frase que aparece bastante em "Heart of the Sunrise", do álbum Fragile, outro grande ícone do progressivo

    abraço

    1. Eu consigo achar Fragile melhor do que Close to the Edge, e “Heart of the Sunrise” é pra mim a música definitiva do Yes hoje (depois de “The Revealing Science of God [Dance of the Dawn]” do meu amado Topographic Oceans). Todos arrasam em “HOTS”, principalmente o Sr. Bill Bruford, com sua melhor atuação nas baquetas em toda a história do Yes.

  18. Independente das opiniões sobre qual é a melhor formação do Yes, o que importa é que o Yes foi e continua sendo uma excelente banda. Mas eu tenho minha formação preferida: Anderson, Wakeman, Howe, Squire (RIP) e Alan White. Por outro lado, tenho um respeito grande pelo Bill Bruford, tanto que meu disco preferido do Yes com ele é o Fragile (que veio antes do “overrated” Close to the Edge). Aliás, nunca vou entender por que Bruford caiu fora da banda após as gravações de CTTE, uma das razões pelas quais deixei de gostar do mais famoso (e não o melhor) álbum do Yes. Prefiro mil vezes o Fragile…

    1. O que eu li sobre a saída do Brufford é que ele não se sentia desafiado musicalmente no Yes e preferiu ir par0 ao King Crimson. Ele entendeu que junto do Fripp ele faria algo tecnicamente mais apurado.

        1. Agora sim, Fernandão, eu compreendi tudo. Algo que raramente acontece com muitas bandas por aí… Mas é como eu sempre digo: se Bruford fosse mais participativo e menos contraditório dentro do Yes e também se ele não tivesse saído da banda após o CTTE, eu iria gostar do CTTE independente de qualquer circunstância, mesmo com todos aqueles problemas que eu sempre observo nele. Mas infelizmente não foi o que muitos esperavam… porém, uma coisa é certa: se Bruford não tivesse caído fora do Yes, não teríamos o Alan White!

          1. E Close to the Edge ainda tá muito longe de ser o melhor disco do Yes e muito menos do rock progressivo em geral, mesmo há quase 45 anos depois de seu lançamento. Mas considero-o como um dos melhores da banda e do gênero, mesmo não estando no meu top 5 dos melhores discos do Yes.

          2. São estilos diferentes de tocar batera. a técnica do Bruford é ótima. Mas a pegada do Alan White é inconfudivel ..

      1. Sinceramente eu acho que ele foi
        Um cara que com o tempo não se identificou mais com a música do Yes. .mas pra mim foi uma grande burrice que ele fez. Sair de uma banda que já estava estabilizada no mercado musical . Enfim o cara não estava feliz e partiu pra outra estrutura musical.

  19. EVIDENTE QUE NINGUÉM É OBRIGADO A APRECIAR A MÚSICA PROGRESSIVA DO YES; NO ENTANTO IGNORAR O GRANDIOSIDADE MUSICAL E TALENTO DE SEUS MÚSICOS. SINCERAMENTE É UMA GRANDE IGNORÂNCIA ARTÍSTICA. ENFIM, EU SOU SUSPEITO PARA FALAR DO YES, JÁ QUE SOU FÃ DA MAIOR BANDA PROGRESSIVA. POIS PARA MIM TODA MÚSICA DO YES SÃO PEQUENAS E GRANDES PEÇAS DE ARTES MUSICAIS.

  20. Mairon, que texto primoroso! Confesso que fiz exatamente como o colega e li com a audição da música simultaneamente. Talvez eu esteja sendo preconceituoso, mas há progressivos e progressivos…

    Obviamente que há uma dinâmica de virtuosismo em músicas progressivas que remetem ao jazz e à música clássica, mas em outros casos isso fica encaixado numa proposta que une o lance do rock, letras e conceitos e, indiscutivelmente, o trabalho de arte e não meramente um “exibicionismo mecânico” (do grego “mekhane”, que significa “aparelho, arranjo, meios”). O Yes, para mim, é o auge disso, seguido bem de perto pelo Pink Floyd.

    Já quanto aos grandes discos, “Close to the Edge” e “Fragile” são como as seleções de 58 e 62 do Brasil: podemos passar eras discutindo qual foi a melhor, mas ambas foram sublimes em suas formações e execuções. No entanto, confesso que o “Relayer” é imbatível, é a seleção de 70, me emociona mais e me leva a mais paisagens imaginárias, mas é omboro a ombro com os outros dois… Resumindo: quando quero que o tempo passe rápido e eterno, coloco “Relayer” para tocar e mal vejo os ponteiros do relógio girarem. A alquimia entre Jon Anderson, Chris Squire, Steve Howe, Patrick Moraz e Alan White é INEXPLICÁVEL e única – literalmente, pois não repetem outro disco juntos. Alguém aqui já viu a execução do “Relayer” num show na íntegra no YouTube? Aquilo é magia pura, assistam.

    Enfim, mais uma vez, Mairon, muito obrigado pelo seu texto belíssimo. Humildemente, queria te pedir para escrever de modo semelhante sobre “Squonk”, do Genesis, que considero s da arte dos caras… Aquela letra! Aquele instrumental! E o começo?! Bom, é isso, abraços e vida longa ao site de vocês!

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