I Wanna Go Back: Phenomena – Dream Runner [1987]

I Wanna Go Back: Phenomena – Dream Runner [1987]

Por Diogo Bizotto
No decorrer dos anos, desde a fundação do grandioso Cream, em 1966, diversas uniões de músicos receberam a alcunha de “supergrupos”. Na teoria, essas bandas são formadas por artistas que já possuem um histórico anterior de sucesso em sua carreira ou de grande proeficiência em seu(s) instrumento(s). O citado Cream reunia as duas características em seus fantásticos músicos, a saber, Eric Clapton (guitarra, vocal), Jack Bruce (baixo, vocal) e Ginger Baker (bateria), e passou a ser tido como o primeiro entre os supergrupos de rock. A esse se seguiriam tantos outros que reuniriam características semelhantes, como Bad Company, Derek and the Dominos, The Traveling Wilburys, Blind Faith, Asia, Crosby, Stills, Nash and Young, Black Country Communion… a lista é longa.

Na prática o assunto é diferente. Juntar em suas fileiras nomes de peso não necessariamente se traduz em qualidade nem em reconhecimento. Um exemplo é o quarteto The Firm, que apesar de contar com os vocais de Paul Rodgers (Free, Bad Company) e a guitarra de Jimmy Page (Led Zeppelin), não conseguiu chegar perto de reproduzir nem a qualidade nem o sucesso de suas ex-bandas. Os anos 80 foram especialmente prolíficos em oferecer ao mundo supergrupos que tiveram uma curta existência, mas que ofereceram aos apreciadores de hard rock bons momentos e reservaram lugares em suas memórias, como Badlands, Blue Murder, Bad English e Damn Yankees.

Entre estes pode ser citado também o projeto Phenomena. Liderado pelo produtor Tom Galley e pelo diretor criativo e co-produtor Wilfried Rimensberger, fundador da revista Metal Hammer, o grupo reunia diversos nomes conhecidos do rock pesado mundial a cada álbum. Apesar de ter lançado mais discos posteriormente, foi com seus dois primeiros, o auto-intitulado, lançado em 1985, e Dream Runner (1987) que o Phenomena obteve reconhecimento e conseguiu atingir as paradas britânicas, além das sul-americanas, onde, no Brasil, a música “Did It All For Love” se tornou um hollywood hit.

Ray Gillen, grande destaque em Dream Runner

Minha escolha por resenhar o álbum Dream Runner em detrimento do primeiro se deve, especialmente, ao fato de, além deste ter sido mais bem sucedido, atingindo o reconhecimento citado inclusive em nosso país, contar com a presença decisiva de um grande talento que despontava na época, mas que infelizmente teve poucos anos para mostrar ao mundo sua capacidade. Refiro-me ao vocalista Ray Gillen, que na época havia deixado o Black Sabbath, onde realizara a turnê do álbum Seventh Star (1986) e havia gravado os vocais para o disco seguinte, The Eternal Idol (1987), subsequentemente apagados e substituídos pelos de Tony Martin. Ray veio a falecer em 1993 devido a complicações decorrentes do fato de ser HIV positivo, não antes de deixar imortalizada sua voz em outro supergrupo, o Badlands, e em algumas participações especiais, como no refrão da música “Strange Wings”, da banda norte-americana Savatage.

Musicalmente, Dream Runner não tem como ser mais oitentista. A sonoridade que domina o álbum é a variante mais melódica do hard rock típico da época, AOR mesmo, mas com tendências mais europeias que norte-americanas, devido especialmente ao background e à nacionalidade da maioria dos músicos que compõem o projeto. A forte carga de teclados, a bateria cheia de eco, a timbragem dos instrumentos… tudo conspira para desagradar aqueles que têm forte rejeição a essa sonoridade.

Sorte minha que não sou um desses. Em “Stop!”, música que abre o disco, já nota-se de cara o presente uso de teclados, e somos premiados com a primeira participação de Ray Gillen no disco, que canta a faixa em sua integridade. Seu trabalho é com facilidade o destaque, agressivo porém cristalino, mostrando que se encontrava facilmente entre as vozes mais privilegiadas do rock na época. Outro grande vocalista empresta sua performance à canção seguinte, “Surrender”. Trata-se de Glenn Hughes, que já havia sido responsável pelas vozes no álbum predecessor do Phenomena. Impressionante como, mesmo em uma fase mais em baixa de sua carreira, Hughes conseguia soar maravilhosamente bem, cantando em uma linha mais heavy metal, sem tantas influências de funk e soul, tão preciosas em sua formação musical. O baterista Michael Sturgis também merece menção, pois suas linhas são de muito bom gosto e suas viradas precisas.

Capa do single Dit It All For Love, contando
com o cast do projeto

“Did It All For Love” o grande hit do álbum, é lembrado até hoje por muitos que sequer imaginam quem está por trás das vozes e instrumentos da faixa. Cantada por John Wetton, com algumas  preciosas intervenções de Max Bacon, e contando com o ex-Thin Lizzy Scott Gorham dividindo as guitarras com Mel Galley, que toca na maior parte do disco, tornou-se uma canção referência quando o assunto é AOR, em especial no nosso país, onde tornou-se um sucesso, sendo veiculada nas propagandas do cigarro Hollywood. O refrão we shot the dice / played the game / did it all for love / do it all again ecoou forte e traz muitas lembranças da época até para aqueles que pouco a viveram, como este redator. Um belo solo de guitarra executado por Scott Gorham eleva ainda mais a qualidade da gravação.

Outra que conta com a voz de Glenn Hughes, mas dessa vez com uma grande profusão de backing vocals é “Hearts on Fire”, que, não fosse a produção polida e a forte presença de teclados, que permeia todo o álbum, poderia soar bastante próxima ao heavy metal, pois as linhas do guitarrista japonês Kyoji Yamamoto capricham em belos licks, parecidos com aqueles comumente executados pelos guitarristas do Judas Priest. Max Bacon tem sua chance de brilhar individualmente em “Jukebox”, canção iniciada por uma bela melodia executada na guitarra e contando com a forte pegada do baterista Michael Sturgis, que pode parecer desconhecido para muitos, mas que já registrou seu trabalho para artistas como A-ha, Asia, e Wishbone Ash, além do Psycho Motel, grupo formado por Adrian Smith, guitarrista do Iron Maiden. Max, possuidor de uma boa voz para o gênero, assemelhando-se um pouco a Joseph Williams (Toto), executa um belo trabalho, conseguindo dar conta do recado em um disco que contava com os préstimos de três vocalistas não menos que fantásticos.

“Double 6, 55, 44…” é mais uma que, recebendo o tratamento adequado, poderia se configurar em um bom heavy metal se os riffs de Mel Galley e Kyoji Yamamoto estivessem em maior evidência na mixagem. Nessa faixa, o baterista é Toshihiro Niimi, companheiro de Yamamoto no banda japonesa de heavy metal Vow Wow. Ray Gillen retorna ao comando do microfone na marchada “No Retreat, No Surrender”, cantando sobre um sólido groove construído por Michael Sturgis e pelo grande baixista Neil Murray, e pontuado pelas boas intervenções guitarrísticas de Mel e Kyoji. Apesar dessa canção não se tratar de um destaque do álbum, é impossível não citar a sempre excelente performance de Ray Gillen, que também solta a voz nas duas faixas seguintes, “Move-You Lose” e “Emotion Mama”. Na primeira, destaca-se a interessante timbragem das guitarras, além da pequena ponte para o refrão (hold on, hold oooonnnn), onde Ray mostra que, até nos detalhes mais reduzidos, caprichava no uso de sua privilegiadíssima voz. Eu sei que já estou me tornando chato, mas preciso frisar que na segunda, “Emotion Mama”, quem domina também é Ray e seus preciosos vocais, em especial no último verso do refrão (is this loooooveee), conseguindo gritar sem jamais perder o controle de sua voz, denotando uma técnica fantástica.

O disco é encerrado com mais uma participação de Max Bacon, na climática “It Must Be Love”, cheia de sintetizadores imitando instrumentos atípicos. É somente na porção final da música que guitarra, baixo e bateria dão as caras, finalizando de maneira inesperada o álbum, mas em alta.

Dream Runner pode não estar no mesmo nível de outros clássicos do gênero, mas certamente rende muito prazer para o ouvinte que aprecia o hard rock e o AOR tipicamente oitentista e não tem preconceito quanto à profusão de teclados em todas as faixas. Indico especialmente esse álbum para quem quer conferir quatro vocalistas distintos, mas executando um excelente trabalho, em especial o grandioso Ray Gillen, que consegue deixar especial qualquer canção.

Track list:

1. Stop!
2. Surrender
3. Did It All For Love
4. Hearts on Fire
5. Jukebox
6. Double 5, 55, 44…
7. No Retreat, No Surrender
8. Move-You Lose
9. Emotion Mama
10. It Must Be Love

Cast do projeto:

Vocais: Ray Gillen (Badlands, Black Sabbath), Glenn Hughes (solo, Deep Purple, Black Sabbath, Black Country Communion), John Wetton (Asia, King Crimson, UK, Uriah Heep), Max Bacon (GTR, Mike Oldfield)
Guitarras: Mel Galley (Trapeze, Whitesnake), Kyoji Yamamoto (Vow Wow), Scott Gorham (Thin Lizzy, John Thomas
Baixo: Neil Murray (Whitesnake, Black Sabbath, Gary Moore, Colosseum II)
Bateria: Michael Sturgis (A-ha, Asia, Wishbone Ash, Psycho Motel), Toshihiro Niimi (Vow Wow)
Teclado: Leif Johansen

16 comentários sobre “I Wanna Go Back: Phenomena – Dream Runner [1987]

  1. Um disco que conte com Glenn Hughes nos vocais é sempre um disco para ser adquirido. Hughes na pior fase é melhor que muito vocalista metido a piloto de avião que levanta o braço esquerdo em tudo que é musica "para alcançar notas mais altas" ou então outros que cantam descalço e estragam os clássicos que a mesma voz de prata marcaria para sempre na historia do rock, decepcionando aos que ouvem o cara atualmente.

    Até que enfim uma banda que conheço, e conheço até que bem. Gosto muito do primeiro álbum da banda, e acho bem melhor que o segundo, apesar de que como o Diogo citou, "Did It All For Love" trazer muitas lembranças da minha infância brincando com playmobil e jogando enduro no atari enquanto aguardava para ver a Super Vick naqueles maravilhosos anos 80.

    Detesto o vocal do Bacon. Se não fosse ele, o GTR seria bem melhor. Acho que ele canta muito agudo para o meu gosto, e perto do Gillen, do Wetton (o melhor vocalista deste estilo) ou do Hughes é um fracasso, e talvez é por isso que eu não aprecie mais esse disco. Só serve mesmo para fazer os "I Remember" de Did It.

    Outro ponto a se destacar é que Galley tb está tocando muito bem. Do funk do Trapeze a farofice do Whitesnake, o que o Galley toca aqui é mais um estilo que ele domina muito bem, e isso é raro, pois geralmente o guitarrista é bom mas só em um estilo, não em vários.

    Quem aqui lembra daquela morenaça com cabelos oitentistas que aparece no inicio da propaganda do cigarro e depois, no final, esta com os cabelos totalmente molhado por causa da esportiva sessão de rafting que participou (aquelas propagandas que associavam esporte e saude a cigarro, só naquela época mesmo)?

    Baita texto Diogo!

  2. Mairon, valeu pelos comentários… é justamente esse tipo de lembrança que eu quero sucitar com essa coluna, não apenas simplesmente musical, mas remetendo a emoções vividas através da música em questão.

    O Max realmente está abaixo dos outros três, mas gosto de sua performance no disco, não comprometendo em momento algum. Comparar com Hughes é sacanagem, e o Mairon resumiu bem o que ele é. John Wetton pode não ser capaz de tanta ginástica vocal com seu timbre mais grave, mas é perfeito para o gênero, e Gillen, bom… acho que já deixei bem explícito no texto o quanto admiro esse cara, pertencente à mesma escola de vocalistas que deu ao mundo nomes como Paul Rodgers, Ronnie James Dio, David Coverdale e Robert Plant.

  3. Eu sempre achei que quem fazia os "I remember…I remember" na ponte para o refrão fosse uma mulher…hahahahah
    O GTR realmente é uma bomba, mas o The Firm tem seus bons momentos…
    O John Weeton realmente é o cara…ele já esteve em tantas bandas boas que não dá nem para lembrar de todas…
    Diogo, quando vai sair uma matéria com o UK?

  4. Cara, serei honesto… conheço pouco o UK, e a partir do que ouvi, não sei se o grupo se encaixaria nessa seção. Mas vou correr atrás dos discos ao menos em download!

    O The Firm é interessante sim, e até dei uma ouvida ontem no primeiro álbum para confirmar que eu não estaria falando merda, mas minha opinião não mudou: é um bom grupo, mas que não chega aos pés do que fizeram Bad Company, Free e Led Zeppelin.

    Ah, corrigindo meu comentário anterior, o correto é "suscitar".

  5. Adoro esse projeto, principalmente pela presença de Ray Gillen! Exelente álbum…os álbuns com Tony Martin, Pscycho Fantasy e Blind Faith tb são bem legais, valem o investimento. Parabens ao Diogo por escrever tão bem sobre esse clássico dos anos 80 e vida longa a Ray Gillen!

  6. sobre o UK, em breve matéria da banda no bau do mairon.

    Eu acho q o grupo se encaixa no progressivo, e não tem como entrar aqui na sessão I Wanna Go Back

    O primeiro álbum da banda é fundamental!

  7. Eu também acho que o UK é progressivo, mas muita gente considera eles com um pré-AOR. Se um dia eu conseguir comprar os dois discos da banda vou guardá-lo na ala de progressivo logo abaixo dos CDs do King Crimson. Do mesmo modo que faço com os CDs do Asia que ficam abaixo dos do Yes…

  8. Fernando, o UK tem 3 LPs, e não dois. A saber: UK, Danger Money e Night After Night. Eu guardo eles junto com os discos da banda Bruford e também com os discos do Bruford com o Patrick Moraz, ao lado da coleção do Yes!

  9. É claro que eu queri ter todos os discos de todas as bandas que gosto. Mas como não dá me interesso apenas pelos dois primeros do UK…Eu também preciso adquirir o One of a Kind do Bruford…
    Tô ferrado!!!

  10. Que droga! Quer dizer então que a primeira música que ouvi com o MONSTRO John Wetton foi isso?! Paciência…
    Citaram o Bruford, e eu percebi que preciso urgentemente ouvir, e com bastante atenção, esse One of a Kind, pois até hoje só conheço o Feels Good to Me e Gradually Going Tornado, e acho espetaculares!

  11. muito bom seu blog , quanto ao phenomena sem duvida os dois primeiros são superiores a esse, porem não tem como negar a qualidade desse album e de seus musicos. parabens pelo ótimo trabalho continue assim.

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