I Wanna Go Back: Journey – Infinity [1978]

I Wanna Go Back: Journey – Infinity [1978]


Por Diogo Bizotto
Esta edição da coluna “I Wanna Go Back” é muito especial para mim. No momento em que esta postagem está indo ao ar, já me encontro em deslocamento para a cidade de São Paulo, a poucas horas do início da apresentação desta banda que se tornou a maior referência mundial em se tratando do gênero musical abordado por esta coluna, o AOR. Algumas bandas do estilo podem ter galgado vez ou outra posições mais elevadas nas paradas norte-americanas (o Journey, por exemplo, nunca teve um single no primeiro posto), mas nenhuma delas teve a consistência do grupo originário de San Francisco (Califórnia), nem cunhou clássicos tão importantes a ponto de se tornarem presença tão forte na cultura popular dos Estados Unidos.

Mas nem sempre o Journey foi conhecido por criar músicas que uniam técnica, melodia e sensibilidade pop ao mesmo tempo. Datando sua origem em 1973, quando dois membros da banda do guitarrista mexicano Carlos Santana, o jovem Neal Schon (guitarra) e Gregg Rolie (teclado e vocal), deixaram seus postos e criaram um novo grupo, que seria empresariado por Herbie Herbert, então manager do Santana, cujas decisões viriam a influenciar fortemente os rumos tomados pelo Journey. A formação foi completada com a entrada do baixista Ross Valory e do guitarrista base George Tickner, ambos egressos do Frumious Bandersnatch, combo psicodélico de San Francisco, além do baterista Prairie Prince, do satírico grupo The Tubes.

Antes da gravação do primeiro álbum, auto-intitulado, Prince foi substitído pelo baterista inglês Aynsley Dunbar, um experiente músico que já havia tocado com lendas do rock como Jeff Beck, David Bowie, John Mayall e Lou Reed. O disco, lançado em abril de 1975, é guiado em especial pelo magnífico trabalho de guitarra de Neal Schon, que com apenas 21 anos já havia gravado dois discos com o Santana e recusado um convite para integrar o Derek and the Dominos de Eric Clapton, substituindo ninguém menos que Duane Allman (The Allman Brothers Band). O direcionamento do disco, embora um tanto variado, aborda uma faceta mais progressiva com nuances de fusion, herança da instrumentação desenvolvida por Schon e Rolie com o Santana. Apesar de já existirem algumas faixas de teor mais comercial em Journey, como “To Play Some Music” e “In the Morning Day”, é nas instrumentais “Kohoutek” e “Topaz”, além da abertura com “Of a Lifetime”, que residem os maiores destaques, mostrando toda a competência dos músicos em seus instrumentos.

O álbum seguinte, Look Into the Future (1976), já sem George Tickner, seguiu em uma linha semelhante, mas ainda mais variada, denunciando a falta de um foco mais explícito para o grupo, que mesmo cunhando boas faixas que serviam de portfólio para as habilidades do quarteto, tinha como grande fragilidade o vocal, função exercida por Gregg Rolie (e às vezes por Neal Schon). Possuidor de uma voz um tanto fanhosa e sem um grande alcance, o tecladista apresentou evolução no disco posterior, o ótimo Next (1977), onde também utilizou uma variedade maior de sintetizadores, fugindo um pouco do  orgão hammond, forte presença nos álbuns anteriores. Os músicos seguiram fazendo bonito, mas esforçaram-se na criação de músicas mais curtas e objetivas, sem sacrificar suas habilidades. No entanto, apesar de boas canções como “Spaceman” (talvez a tentativa mais explícita de conquistar um público amplo até então) e “Hustler” (quase um heavy metal, com fantástica performance de Dunbar), o Journey seguiu sem fazer muito barulho nas paradas norte-americanas, frustrando a expectativa do empresário Herbie Herbert e da gravadora Columbia, que esperavam uma repercussão semelhante à obtida na época do Santana.

Journey em 1978: Neal Schon, Ross Valory, Aynsley Dunbar, Steve Perry e Gregg Rolie

Dessa maneira, foi tomada a decisão de trazer um frontman para o grupo. A escolha recaiu sobre Robert Fleischmann, que, durante nove meses, fez shows ao lado do Journey e inclusive contribuiu no processo de composição daquele que viria a ser o álbum posterior da banda. No entanto, diferenças empresariais afastaram o vocalista, culminando na escolha do então desconhecido Steve Perry, um descendente de açorianos que adicionou dimensões completamente diferentes à sonoridade do Journey através de sua incrível voz e de seu talento para a composição de músicas carregadas de melodias cativantes.

É difícil precisar o quanto das diferenças explicitadas em Infinity foram propositais ou naturais, repercutindo a entrada de Perry e o direcionamento voltado à composição de músicas mais concisas, algo que já vinha desde Next. O que fica mais evidente ao ouvir o disco é que, ao invés de ter como primeira preocupação a criação da base instrumental, o quinteto colocou os vocais em primeiro plano, pensando as melodias a partir deles.

O resultado foi devastador, no melhor dos sentidos. Quem estava habituado ao antigo Journey deve ter sofrido um choque ao se deparar com “Lights”, faixa que abre Infinity, lançado em janeiro de 1978. Uma balada explicitamente pop, iniciada pela guitarra de Neal Schon soando melódica como nunca e abrindo espaço para a pureza da voz de Steve Perry, possuidora de um extenso alcance, de influências soul e de um feeling poucas vezes observado na música popular. Apesar de ter alcançado a modesta posição de número 68 na parada de singles da Billboard, a canção penetrou no imaginário de milhões de ouvintes e hoje em dia é muito mais representativa que diversas músicas que estiveram no topo das listas. Um belíssimo e melódico solo de Neal Schon confirma mais ainda a transformação operada no Journey.

“Feeling That Way” é outra balada, e traz Gregg Rolie dividindo os vocais com Perry. Parece que a entrada de um cantor de semelhante talento fez com que o tecladista se aperfeiçoasse mais ainda, pois aqui soa melhor do que nunca, assim como em “Anytime”, onde tem a exclusividade dos vocais, sendo auxiliado por backing vocals apenas no refrão. Nessas duas faixas fica evidente o trabalho vocal bem engendrado pelo grupo, incentivado pelo produtor Roy Thomas Baker (conhecido por produzir o Queen), onde todos os membros, exceto o baterista Aynsley Dunbar, registraram vocais de apoio harmonizados.

A primeira a contar com um trabalho de guitarra mais próxima do “antigo” Journey é “La Do Da”, mas de uma maneira mais polida. Mesmo assim, o destaque da faixa é Schon, com bons licks e um veloz solo. “Patiently”, a primeira música composta por Perry em parceria com o guitarrista, é iniciada apenas com violão e piano acompanhando o vocalista e transforma-se após a entrada da guitarra, em especial de mais um entre os vários excelentes solos de Schon, até retornar para o andamento inicial.

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Uma das faixas que futuramente se tornaria um grande clássico da banda é “Wheel in the Sky”, possuidora de maravilhosas linhas vocais, destacando todo o talento de Perry e os bem executados backing vocals, culminando no memorável refrão, perfeito para ser entoado em apresentações ao vivo. Não à toa, o grupo a executa até os dias de hoje, garantindo sempre uma excelente recepção. A extensão vocal e as inflexões de Perry também estão explícitas em “Somethin’ to Hide”, demonstrando como nunca o benefício que a sua entrada proporcionou ao grupo, adicionando o elemento que faltava para que o grupo despontasse e tivesse seu talento reconhecido.

Minha favorita, não apenas do álbum mas de toda a carreira do Journey é “Winds of March”, que, iniciada como uma balada dramática, conduzida por belíssimos arranjos de piano e trazendo uma magnífica interpretação de Perry, toma contornos de power ballad através da entrada com força total de todo o grupo, em especial da pesada guitarra de Schon, até cerca de 2:55, quando torna-se um hard rock conduzido pelo hammond de Rolie e elevado ao ápice com dois solos de guitarra distintos em seguida.

Dona de um andamento mais rock ‘n’ roll, “Can Do” traz a guitarra em primeiro plano, e, não fossem as fortes harmonizações vocais e a produção mais polida, soaria bastante próxima do material mais direto apresentado em Next. “Opened the Door” é mais uma (sim, de novo) que destaca o vocal de Perry em detrimento do instrumental, que definitivamente trabalha aqui a fim de privilegiar seu talento.

Como escrevi anteriormente, apenas os músicos do Journey podem precisar quanto da mudança iniciada em Infinity foi cuidadosamente pensada e quanto dela foi natural, mas o fato é que, apesar de existirem muitos apreciadores que preferem o que o grupo apresentou em seus três primeiros álbuns, a evolução foi muito bem vinda, com a entrada de Perry adicionando o elemento que faltava para trazer o foco na composição de canções memoráveis que renderam um sucesso mais que merecido para a banda. Infinity alcançou seu objetivo e chegou à vigésima primeira posição da parada norte-americana, além de registrar quatro hits, na época moderados (“Lights”, “Wheel in the Sky”, “Feeling That Way” e “Anytime”), mas que cresceram com o passar do tempo, assim como o status do grupo, que culminaria anos mais tarde com o lançamento do magnífico Escape (1981), onde estão presentes seus dois maiores sucessos, “Don’t Stop Believin'” e “Open Arms”. The journey still continues…


Track list:

1. Lights
2. Feeling That Way
3. Anytime
4. La Do Da
5. Patiently
6. Wheel in the Sky
7. Somethin’ to Hide
8. Winds of March
9. Can Do
10. Opened the Door

7 comentários sobre “I Wanna Go Back: Journey – Infinity [1978]

  1. O Journey nunca foi minha praia. Aliás, não entendo essa história de AOR (e parece que poucos entendem). Mas verdade seja dita: qualquer banda que tenha em sua formação Gregg Rolie, Neal Schom e Aynsley Dumbar é, no mínimo, do caralho. Goste-se ou não do tipo de som que façam.

  2. Eu acho Journey e Next otimos discos, sendo que Look into the future é um baita album, mas como o Diogo bem desacou, eu tomei um choque quando comecei a ouvir Infinity. Hoje já estou mais acostumado, mas assim como o Kansas (em proporções diferentes, já que o Kansas sempre foi mais prog no inicio), o Journey mudou a vida e fez dinheiro, só que eu prefiro a fase "pobre".

    Enfim, como foi o show? Cade a resenha?? Parabens pelo texto!!

  3. Vi alguns dizendo que o show foi "decepcionante", que o Arnel Piñeda tem carisma zero… estou até agora esperando a argumentação desses. Sei que sou suspeitíssimo para dizer, pois a expectativa era enorme, mas o show foi ótimo e correu perfeitamente. Além do mais, consegui ficar quase na grade, a dois metros do palco. O set list, por mais previsível que fosse, foi bom, não dá pra esperar pouco quando se vê meia dúzia de músicas do álbum "Escape".

  4. O Diogo, não sei se tu sabes e conheces a série Glee, algo como a High School Musical, mas mais divertida e não tão adolescente. Enfim, eles homenageiam o Journey no último capítulo da primeira temporada. É com o Journey que eles defendem a chance de serem campeões regionais de grupos de corais, cantando 3 canções do grupo (Faithfully & Any Way You Want It/Lovin' Touchin' Squeezin' & Don't Stop Believin), sendo que Don't Stop Believin' era uma das principais musicas do programa. Não vou dizer o que acontece com eles, mas os rivais mais poderosos fazem uma versão para "Bohemian Rhapsody" …

    Apesar dos pesares e de todos os preconceitos contra a série, esse é um dos melhores capítulos da série justamente pela "guerra musical" entre os dois grupos. Se tiveres oportunidade, da uma assistida que vale a pena, já que não existe playback nas apresentações, o que torna tudo ainda mais atrativo.

    (Journey Medley) http://www.youtube.com/watch?v=Ymi52UbGEZM&feature=related

    Infelizmente não encontrei uma versão da bohemian rhapsody que rodasse no meu pc, mas tenta essa aqui

    (Bohemian Rhapsody) http://www.youtube.com/watch?v=YaO6wI2qgFA

  5. Opa, Mairon… valeu, cara… eu tomei contato com essa série ao ver a interpretação que eles deram a "Born to Run", do Bruce Springsteen, na abertura do prêmio Emmy. Acho interessante que haja um seriado musical em tanta evidência, revisitando boas músicas, mas em geral as interpretações me soam muito padronizadas, parecidas… as particularidades de cada música se perdem, entende?

  6. Com certeza te entendo, mas tb não da para ser fechado e não perceber a qualidade vocal da Lea Michele por exemplo, que apesar de uns agudos mais ridiculos, canta pacas. Mas eu entendo o que tu diz, eu me decepcionei por exemplo com as versões para as canções da Madonna (só "Vogue" ficou realmente convincente)

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