Discos que Parece que Só Eu Gosto: Mayhem – Grand Declaration of War [2000]
Por Vinícius Moretti
O black metal é provalvemente o gênero que possui a maior rejeição dentro do rock. Nem o hard rock farofa, o AOR, ou até mesmo o rock progressivo possuem tantos detratores. Uns simplesmente não gostam do som, outros das produções de baixa qualidade; há quem critique o corpse-paint, o visual carregado e as letras e temas ocultistas. Mas o estilo também tem seguidores ferrenhos, daqueles que só escutam bandas do gênero e que estão prontos para pular no pescoço de qualquer um que tenha opinião contrária a deles.
Esses seguidores ferrenhos também torcem o nariz para qualquer coisa que suas bandas preferidas façam e que não se encaixe totalmente no rótulo do estilo. Se o heavy metal já é um mundo no qual mudanças não são muito bem vindas, é no black metal que o extremismo se encontra com maior facilidade. O simples fato de mencionar do nome Grand Declaration of War pode causar náuseas em um fã purista do gênero.
Dawn of the Black Hearts |
A carreira do Mayhem sempre foi cercada de polêmicas e controvérsias. Desde a histórica capa do bootleg Dawn of the Black Hearts, que mostra uma foto do ex-vocalista Dead (Per Yngve Ohlin) horas após ter cometido suicídio, até o assassinato do guitarrista Euronymous (Øystein Aarseth), cometido pelo então baixista Count Grishnackh (Varg Vikernes) – hoje também famoso pelo seu projeto Burzum – a trajetória da banda passou por altos e baixos. E chega ao ponto de fãs mais fanáticos nem considerarem o grupo atual como Mayhem e se referirem como fãs somente do “True Mayhem” dos anos 80 e início dos 90.
Lançado em 2000, Grand Declaration of War é apenas o segundo disco de estúdio de um dos pioneiros do gênero, que apareceu para o mundo em 1984. Facilmente, é o álbum mais odiado da banda. Ele não segue uma linha tradicional dentro do estilo e contem faixas com influências de rock progressivo, avant-garde e até música eletrônica, além de vocais limpos, que são usados em praticamente todas as faixas.
O disco começa com a faixa que o dá título e que traz elementos tradicionais do Mayhem, com um riff bem construído e pegajoso que aparece em fade in e a bateria em marcha, uma perfeita introdução. Partes faladas se intercalam com as linhas guturais de Maniac e a letra versa sobre uma declaração de guerra, exatamente como diz o título. O álbum forma um conceito, que trata de um mundo destruído em uma guerra pós-apocalíptica e é dividido em duas partes (na verdade três: a primeira se inicia no EP anterior ao disco, Wolf’s Lair Abyss, sendo Grand Declaration of War as partes dois e três). A segunda faixa, “In The Lies Where Upon You Lay” já contém elementos criticados pela maioria de seus detradores, com Maniac travando um dos muitos monólogos do disco, com voz limpa. É uma das minhas preferidas, com tudo muito bem encaixado em um ritmo cadenciado e bem trabalhado. Vocais guturais aparecem em dueto com vocais limpos, dando um contraste muito interessante. “A Time to Die” é uma faixa curta e rápida, ao melhor estilo do Mayhem antigo e é executada com freqüência nos shows da banda.
Hellhammer (bateria), Blasphemer (guitarra), Maniac (vocais) e Necrobutcher (baixo) |
A primeira parte de “View From Nihil” inicia com uma marcha na bateria e um discurso de vingança de Maniac, que segue com um instrumental típico do Mayhem e vocais guturais, para cair na segunda parte, onde o discurso termina, com vocais limpos e guturais sobrepostos na base do riff principal da música. A primeira parte de “A Bloodsword and a Colder Sun” é somente uma introdução sussurada, que prepara o ouvinte para a subsequente parte, a mais controversa do álbum. “A Bloodsword and a Colder Sun [Part II]” é o ápice do experimentalismo no disco, iniciando com batidas eletrônicas quebradas e sussuros. Logo em seguida aparecem teclados e um riff no fundo, que persiste por toda a faixa. No meio da música os vocais ainda tomam efeitos computadorizados, só para a estranheza ficar um pouco maior. É uma faixa totalmente sombria e complexa para o gênero, uma verdadeira ousadia. Ela abre a terceira parte do grande conceito do álbum, que é ainda mais abstrata.
O clima continua estranho na próxima faixa, “Crystalized Pain in Deconstruction”, apesar do seu início aparentar ser mais ortodoxo dentro do gênero. Maniac continua travando monólogos com vocais limpos e em seguida guturais. No meio da música, vocais computadorizados aparecem de novo. O instrumental é mais tradicional, apesar de conter viradas de baterias e riffs que são um tanto avessos ao black metal. Nessa faixa escutam-se bem as guitarras sobrepostas, que são uma constante em todo o disco e contribuem significativamente para manter o conceito e atmosfera do tema aliado às letras das canções.
A faixa mais longa do álbum, “Completion in Science of Agony [Part I]” se inicia bem cadenciada, com riffs marcantes, e é uma espécie de fusão entre black e doom metal. Vocais cheios de efeito aparecem e dão o tom da música. Também aparecem vocais guturais, mas os destaques são o ritmo quebrado da bateria e os riffs de Blasphemer. Há também as participações de Øyvind Hægeland, do Spiral Architect, nos vocais, e de Tore Ylwizaker, do Ulver, na programação. A faixa se torna bem climática do meio para o final, somente com vocais, batidas e teclado ao fundo e volta com um dos poucos solos encontrados no disco, encerrando com Maniac cantando novamente com guturais.
Maniac ao vivo |
“To Daimonion [Part I]” é pra mim a melhor faixa do disco. Começa com vocais computadorizados e com um riff sensacional e muito grudento. Maniac inicia cantando com voz limpa uma letra muito bem feita (quem diria isso de uma letra de black metal?) e no refrão faz uso de guturais. A bateria também é destaque da faixa; tanto ela como o riff são o carro chefe da canção, que mostra um Mayhem bem rock ‘n’ roll. No final tudo muda e ela fica mais dramática, tanto no instrumental quando no vocal, para voltar de novo ao riff principal e terminar com vocais guturais e limpos sobrepostos. A segunda parte inicia com uma citação e a abstração se mostra ao máximo: o resto é um completo silêncio! A terceira parte, inclusive, coisa de deixar John Cage com orgulho. No total, são quase cinco minutos de silêncio total, o que dá um baque no ouvido mais descuidado, mas se encaixa totalmente no conceito da faixa e do álbum em si. O disco termina com uma outro experimental e curta, que começa em fade in somente com o riff de guitarra. Vocais computadorizados aparecem novamente e a bateria dá as caras com batidas bem frenéticas que vão se acalmando e aos poucos tomando uma cadência para acompanhar a guitarra.
Existe ainda uma faixa escondida, encontrada antes da primeira música, a faixa título, que é basicamente essa mesma outro em uma versão mais crua e menos produzida. Há de se destacar a produção do disco, que não tem nada a ver com o que geralmente se escuta e se espera de bandas de black metal. Tudo é muito claro e nítido, nada de bateria e guitarras abafadas, vocais toscos e mal gravados. Está tudo muito bem encaixado e arranjado, mérito da banda e do produtor Børge Finstad.
Grand Declaration of War é um disco único, que dificilmente gera opiniões plantadas no meio termo. Foi calculado e pensado nos seus mínimos detalhes e merece ser escutado e entendido como uma obra completa e não somente por músicas separadas. Uma tentativa – frustrada para muitos, muito bem-sucedida para mim – de colocar uma nova cara e um ar fresco num gênero cheio de clichês e lugares comuns.
Track list:
1. A Grand Declaration of War
2. In the Lies Where Upon You Lay
3. A Time to Die
4. View From Nihil [Part I of II]
5. View From Nihil [Part II of II]
6. A Bloodsword and A Colder Sun [Part I of II]
7. A Bloodsword and A Colder Sun [Part II of II]
8. Crystalized Pain In Deconstruction
9. Completion In Science of Agony [Part I of II]
10. To Daimonion [Part I of III]
11. To Daimonion [Part II of III]
12. To Daimonion [Part III of III]
13. Completion In Science of Agony [Part II of II]
Baita estreia do Moretti, para um disco que eu não conheço, mas pelo jeito, parece ser mesmo muito bom. To Daimonion vai ser a primeira que vou ouvir logo após terminar o download (infelizmente os videos nao carregaram …)
Baixei os primeiros discos do Mayhem, por recomendação do Diogo, e tô achando que vou baixar esse também.
O Mayhem é uma banda única. Pode ser que hoje em dia ela seja completamente diferente do que era em seus primórdios, mas foi assim que construiu sua trajetória. "Grand Declaration of War" foi um passo importantíssimo na construção dessa identidade, um disco ousado, com um pé no passado e os olhos no futuro. Para muitos deve ser difícil se acostumar com a sonoridade trigada da bateria de Hellhammer (baita músico), mas vale o esforço!
Só pode está de brincadeira isso mainstream la se foi o verdadeiro Mayhem, essa banda agora odiada por muitos eles não tem a mesma essência de antigamente corpse nem nada la se foi a banda, isso não é mayhem só tem o nome mayhem é triste.
Mayhem = Euronymous.
Mayhem de pós 1994 é só um nome comercial que o baixista da formação original se apropriou depois da morte do Euronymous, e da larga publicidade que todos casos envolvendo este teve. Certamente percebeu o potencial mercadológico que essa publicidade causou.
Mais decente seria ter adotado um novo nome de banda, mas não foi o caso.