Maravilhas do Mundo Prog: Frank Zappa – Watermelon in Easter Hay [1979]
Por Mairon Machado
Eu já escrevi aqui anteriormente que definir o estilo do genial guitarrista americano Frank Zappa é uma missão muito complicada. Em sua vasta discografia com mais de 60 discos, Zappa tocou desde o rhythm ‘n’ blues e o gospel até o mais pesado heavy metal e música orquestral, enveredando vez por outra pelo rock anos 50/60, jazz, música eletrônica, hard rock, blues e reggae.
Vários são os discos que contém em um único registro todos esses estilos (as vezes misturados em apenas uma única canção), e é inegável que aonde Zappa metia a mão, sempre saía coisa boa. Não foi diferente quando flertou com o rock progressivo.
Os discos de rock progressivo do bigodudo são poucos, mas específicos para a proposta “prog” que o guitarrista, vocalista, pianista, maestro, compositor, fotógrafo, escritor, cobrador de faltas, bandeirinha, juiz e presidente do time Frank Zappa tinha na cabeça: a visão conceitual da música. Basicamente, Zappa lançou apenas cinco discos de rock progressivo (não confundir com os vários álbuns de pura psicodelia que Zappa lançou no início de carreira), exatamente quando estava no meio de sua carreira, no final dos anos 70 e início dos anos 80. Esses discos são Studio Tan (1978), Joe’s Garage Act I (1979), Joe’s Garage Acts II & III (1979), Tinseltown Rebellion (1980) e Thing-Fish (1983).
Studio Tan e as aventuras de Greggery, o criador do calendário que mudou o mundo |
Todos esses álbuns apresentam sonoridades parecidas entre si, misturando elementos dos gêneros citados, mas com peculiaridades que os tornam bem diferentes quando ouvidos com atenção. Uma das mais fortes é o fato das histórias que cada um deles narra. Os cinco são álbuns que apresentam um tema conceitual criado por Zappa para manifestar seus sentimentos.
Tinseltown Rebellion e as fortes críticas ao governo americano |
Studio Tan conta a história de Greggery Peccary, um pequeno ratinho que inventa um calendário o qual traz complicações para todo o mundo. Já Tinseltown Rebellion é uma mescla de revoltosas canções contra o governo norte-americano, com “Easy Meat”, “Dance Contest” e a própria faixa-título sendo os principais nomes da manifestação anti-Carter de Zappa.
Thing-Fish: Obra conceitual falando sobre AIDS |
Thing-Fish é outro a apresentar uma pesada crítica ao governo norte-americano, revelando ao mundo o surgimento da AIDS (algo que na época ainda não era tão forte como se tornaria depois) para acabar com os negros africanos e também os homossexuais, em mensagens fortes e chocantes em cima de um ser que acaba sofrendo diversas aberrações em seus últimos anos de vida.
Mas foi com a série narrando a história de um jovem guitarrista chamado Joe que Zappa arrancou os cabelos da mídia e dos políticos norte-americanos, além de ter deixado para sempre um dos solos de guitarra mais belos da história da música. Estamos falando da maravilha de “Watermelon in Easter Hay”, uma das últimas canções do álbum Joe’s Garage Acts II & III, o qual é, obviamente, a sequência de Joe’s Garage Act I. Os dois álbuns foram lançados ambos em 1979, e marcaram para sempre a vida de Zappa como sendo talvez os melhores de sua carreira.
Frank Zappa (1979) |
“Watermelon in Easter Hay” é a penúltima faixa do lado D de Joe’s Garage Acts II & III, que é exatamente o lado que encerra a história da Garagem de Joe. A faixa que vem após “Watermelon in Easter Hay”, “A Little Green Rosetta”, é um apanhado de palavras satíricas que apenas resumem a mensagem geral de Joe’s Garage, deixando para nossa maravilha a função de realmente encerrar a história de Joe com uma dramaticidade impecável, e com Zappa mostrando ao mundo que um solo inesquecível não precisa ser repleto de notas por segundo. Basta apenas saber encaixá-las no segundo certo.
A pesada dose emocional de “Watermelon in Easter Hay” é até fácil de ser assimilada, mas para compreender o por que de ela ser tão, mas tão triste e ao mesmo tempo tão bela, precisamos passar por toda as bizarras histórias que envolvem o jovem Joe, e para isso, irei tomar um pouco de vosso tempo mergulhando nos três atos de Joe’s Garage.
A primeira parte da triste história de Joe com a música |
Começando pelo primeiro ato, que está registrado no vinil simples Joe’s Garage Act I. O vinil vinha inserido em uma capa-sanduíche (a famosa capa-dupla) contendo ainda um livreto com as letras e a história das chamadas “cenas” que envolvem esse ato. A necessidade de leitura de tudo o que está escrito é fundamental para auxiliar na assimilação do conceito empregado por Zappa nessa história, lembrando que TUDO foi escrito da cabeça privilegiada do guitarrista.
Antes de começar a ouvir o disco, o ouvinte depara-se com um forte texto/manifesto contra as regras governamentais em relação a mídia, escrito na capa interna do álbum. Nele, Zappa faz uma suposição para o futuro da música e principalmente do rock, quando um determinado presidente norte-americano irá a público anunciar que a solução para acabar com todos os problemas de energia, inflação e guerras foi encontrada. Essa solução é a abolição da música.
A justificativa é óbvia, já que os vinis (lembrando que CD era algo impensável em 79) eram feitos de óleo natural, e os grandes shows de rock passavam de cidade para cidade sendo transportados em pesados caminhões consumidores de óleo diesel e poluidores da natureza, e nas cidades, um enorme gasto de energia era realizado para alimentar as luzes do palco, os amplificadores e os sistemas de PA, além da produção de gelo seco. Ainda, o plástico consumido para fazer sintetizadores e palhetas, bem como a madeira das guitarras, baixo e bateria, certamente eram um dos principais fatores da destruição do planeta.
Lado A de Joe’s Garage Act I |
Essa é a moral da história de Joe’s Garage: um governo tentando acabar com a música através de leis, perseguições e outros atributos que serão contados durante o desenvolvimentos dos LPs.
Compacto de “Central Scrutinizer” |
Então, entramos no disco, onde primeiramente somos apresentados ao Central Scrutinizer, um bizarro aparelho eletrônico responsável por controlar e manter a lei, além de alertar as pessoas contra as potenciais consequências de se cometer tais infrações, levando inclusive à pena de morte. Ele é descrito na canção “The Central Scrutinizer”, como sendo uma espécie de máquina em forma de disco posicionado sobre finas pernas e pequenas rodas com uma biruta e um tubo de escape que expelem uma fumaça verde-escura na parte superior. A tarefa do Central Scrutinizer é capturar infratores que cometam crimes relacionados com a música, algo tão perigoso para a sociedade que deve ser banido para sempre, de tal forma que até a constituição deve ser modificada.
Compacto de “Joe’s Garage” |
Enquanto isso, em uma velha garagem de uma zona residencial (“Joe’s Garage”), uma banda de adolescentes liderada pelo guitarrista/vocalista Joe, está ensaiando, cantando letras que narram sobre os ensaios e os feitos que levaram a criação das bandas de garagem. Um dos garotos que está assistindo ao ensaio, Larry assume o microfone e passa a se manifestar contra as repressivas leis anti-música, cantando uma letra que afirma que mesmo contra as leis, eles podem seguir tocando suas boas e velhas canções.
Durante o ensaio da banda de Joe, a senhora Borg, uma vizinha de Joe que mantém seu filho Sy preso a um armário ao lado de um aspirador, grita para os adolescentes pararem com o barulho. A banda de Joe não dá bola para os gritos de Mrs. Borg, e seguem cantando as letras que falam sobre os problemas que a música começou a passar, desde os anos do surgimento do heavy metal e do glitter rock até a chegada do new wave e da disco music, onde o rock acabou se banalizando, passando a existir somente através das bandas de garagem, como a de Joe.
Então, o Central Scrutinizer entra em ação, chamado pela Sra. Borg. A frase principal dita pelo Central Scrutinizer para deter seus criminosos, “A zona branca é para se carregar e descarregar-se. Se você tem que se carregar, vá para a zona branca. Você vai adorar”, é pronunciada, junto da chegada da polícia, que prende Joe, levando-o para realizar atividades sociais orientadas pela igreja. Este é o primeiro problema que a música causa na vida de Joe.
Na igreja, uma festa da Organização dos Jovens Católicos (a CYO Party de “”Catholic Girls”) acontece, liderada pelo Pastor Riley. Nessa festa, apesar de ser católica, ocorrem diversas manifestações sexuais, destacando as garotas católicas, as quais praticam sexo oral e transmitem doenças. Uma dessas garotas, Mary, torna-se namorada de Joe. A relação de ambos no início era tranquila, mas um dia, Mary foi flagrada “prestando serviços orais” para o líder do grupo Toad-O, o velho amigo de Joe, Larry, com a finalidade de poder participar de um show do grupo.
Mary acaba fugindo da CYO, e ao lado dos Toad-O, depois de muitas chantagens e seduzida por Larry, torna-se a prostituta do grupo (“Crew Slut”), vivendo uma vida de imoralidades onde fornece serviços sexuais para todos os membros da tripulação do Toad-O, desde os músicos até o pessoal de suporte. Esse é o segundo problema relacionado à música que ocorre na vida de Joe.
Um bom exemplo para uma Wet T-Shirt Party |
O tempo passa e, cansada de ser objeto sexual dos roadies do Toad-O, Mary é abandonada por Larry em Miami. Sem dinheiro ou nenhuma banda de rock por perto, ela tenta conseguir alguns dólares entrando em um concurso de camisas molhadas em um café da cidade (“Wet T-Shirt Nite”). O dono do lugar, Ike, está apresentando o local para os clientes. Lá, as garotas usam camisas brancas ou rosas, e são molhadas para excitar aos que vão em busca de prazer, principalmente ao mostrar seus seios com os mamilos eriçados.
Um dos clientes do restaurante acaba se interessando pela performance de Mary. O nome do sujeito é Buddy Jones, que nós o conhecemos como Pastor Riley. Ele havia recentemente sido demitido do seu estado clerical por não alcançar sua cota de seguidores na igreja, deixando então o cabelo crescer e adquirindo um casaco esporte, mudando-se então para Miami. Ike é o responsável por apresentar Jones a Mary. A garota não reconhece seu antigo pastor, e começa a praticar suas habilidades manuais básicas em Jones. Excitado, o ex-pastor começa a humilhar Mary em pleno palco, e ela, depois de abusada moralmente com palavras e diversos outros atentados ao pudor, aceita se submeter a Jones por 50 dólares, dinheiro suficiente para ela pegar um ônibus e reconstruir sua vida (“Toad-O Line”).
Restaurante em homenagem aos álbuns de Zappa |
Jones havia reconhecido Mary logo quando foi apresentado a ela, mas não foi o único. Warren, um dos garotos que tocava com Joe, viu a garota enquanto fazia parte do grupo de disco/fusion que tocava no circuito de concursos camisa molhada. Foi nesse circuito que ele conheceu um pouco mais sobre Larry e os Toad-O. Sabendo que Mary estava perdida, Warren envia uma carta para Joe, que acaba entregando-se de corpo e alma para uma nova garota, Lucille.
Lucille acaba transmitindo uma doença sexual para Joe, a qual causa dor quando ele urina e também inchaço nos testículos (a famosa gonorreia, cantada em “”Why Does It Hurt When I Pee?” como sendo uma doença impronunciável, de nome Gon-O-Ka-Ka-Khackus). O primeiro ato encerra-se com Joe sozinho, ouvindo uma canção de Jeff Simons, desorientado por sua doença e lamentando o que aconteceu entre ele e Lucille (“Lucille Has Messed My Mind Up”). Novamente, o Central Scrutinizer surge, mostrando o terceiro problema que a música gera para a vida de Joe.
Cruz (real) da Igreja da Cientologia |
Como Joe era um cara esperto, logo encontrou a saída, indo doar seu dinheiro para L. Ron Hoover, o pastor da Primeira Igreja de Aparelhologia (a The First Church of Appliantology), onde a aparelhologia refere-se a uma fusão das palavras aparelho e Cientologia, uma igreja real fundada por L. Ron Hubbard na década de 50.
Apenas para constar, os músicos participantes do ato 1 são Frank Zappa (guitarra, voz), Warren Cucurullo (guitarra, voz), Denny Walley (slide guitara, voz), Ike Willis (voz), Peter Wolf (teclados), Tommy Mars (teclados), Arthur Barrow (baixo, vocais), Ed Mann (percussão), Vinnie Colaiuta (bateria), Jeff Simmons (saxofone tenor), Marginal Chagrin (saxofone barítono), Stumk (saxofone baixo), Dale Bozzio (vocais), Al Malkin (vocais) e Craig Steward (harmônica).
Os atos II e III saíram em um vinil duplo, tendo os músicos Frank Zappa (guitarra, voz), Warren Cucurullo (guitarra, voz), Denny Walley (slide guitara, voz), Ike Willis (voz), Peter Wolf (teclados), Arthur Barrow (baixo, vocais), Ed Mann (percussão) e Vinnie Colaiuta (bateria), também em uma capa-sanduíche e com um livreto com as letras e a sequência da história.
Na capa interna, outro manifesto de Zappa contra as leis americanas está expoto, citando que uma das esperanças de união das pessoas era a religião. Através dela, os políticos descobriram em uma longa pesquisa que Deus não é a mesma pessoa para todo mundo, tendo cada religião sua forma de ver Deus, e consequentemente, sua forma de ver um ato como sendo criminoso. Foi assim que surgiu a ideia da criminalização total, baseada no fato científico de que a maioria das pessoas dificilmente comete um crime real. Novas leis foram criadas, fazendo com que as pessoas normais passassem a ser infratoras a qualquer momento. Entre essas novas leis, obviamente, uma delas tornava a música ilegal.
Zappa em um momento de inspiração |
Entramos então no segundo ato, com Joe indo para o moderníssimo complexo/escritório/catedral/depósito/condomínio de luxo de L. Ron Hoover. Lá, Joe começa a buscar a resposta para seus problemas (“A Token of My Extreme”), tendo então uma conversa franca com Hoover. O mestre da Primeira Igreja de Aparelhologia enxerga em Joe o porte da doença conhecida como Fetiche por Aparelhos Latentes, ou seja, uma pessoa cuja satisfação sexual só pode ser obtida através do uso de máquinas.
Partitura de “A Token of My Extreme” |
A cura para Joe é adquirir uma máquina que o satisfaça sexualmente. Porém, não se pode comprar uma máquina na igreja, mas sim, saber aonde elas estão, e com o pagamento de 50 dólares, Joe descobre um local onde diversas máquinas estrangeiras “trabalham”. A necessidade de aprender uma nova língua para poder flertar com as máquinas acaba fazendo Joe aprender alemão. Depois de algumas aulas de alemão, ele dirige-se para um clube chamado The Closet.
Neste clube, ele conhece uma série de pequenas máquinas de cozinha, as quais estão dançando juntas, o que incrivelmente acaba excitando-o. Começa assim uma das canções mais engraçadas da história da música, “Stick it Out”, onde Joe canta em alemão palavras fortes relacionadas ao sexo. Essas mesmas palavras são pronunciadas posteriormente em inglês, quando Joe chama a atenção de uma máquina vislumbrante, modelo pansexual XQJ-37 alimentada por energia nuclear e com um oríficio para ser penetrado, cujo nome é Sy Borg.
Joe e Sy Borg, na recriação teatral para Joe’s Garage |
Esse é o mesmo filho da Sra. Borg, responsável pela prisão de Joe no início da história, e que vivia preso dentro de um armário ao lado de um aspirador de pó. Joe é seduzido por Sy, que o leva para casa (“Sy Borg”), tendo então uma orgia sexual com Sy e um colega de apartamento da máquina, Bob. Essa é uma bizarra sessão, onde o ato sexual entre Joe e Sy é descrito com detalhes, e pularei essa parte. O importante é que Joe, excitado com o sexo, acaba matando Sy ao fazer um ato conhecido como “chuveiro de ouro”, bastante comum entre os jovens americanos e que já havia sido criticado por Zappa na clássica “Bobby Brown” (Sheik Yerbouti, 1978). Esse ato consiste em urinar no parceiro sexual antes de gozar, e obviamente, a urina acabou afetando os circuitos de Sy.
A morte de Sy, o quarto problema relacionado entre Joe e a música, já que foi seus cânticos que atraíram a atenção da máquina, chega até o Central Scrutinizer, que então, prende novamente Joe, enviando-o agora para uma prisão especial ao lado de outros desertores musicais e também ex-executivos. O capelão dessa prisão é o pastor Riley B. Jones, nosso velho conhecido Pastor Riley, que conseguiu voltar a trabalhar para o governo e agora é responsável por assistir aos ex-executivos nas suas questões para buscar “novas carnes” para poder satisfazer-se sexualmente (“Dong Work for Yuda”). Uma vez encontrada a solução para as vítimas, eles são tratados como príncipes da indústria sexual, recebendo pequenas bolhas de lubrificantes santificados bem como cigarros e barras de doces.
O pastor Riley trabalha para John, O Careca, rei dos penetradores, e não demora para aproximar-se de Joe com seu pequeno cálice de unguentos pré-abençoados. Depois de um conflito dentro da prisão (“Keep it Greasey”), Joe começa a se lembrar de tudo o que aconteceu para ele chegar aonde está, e começa então a imaginar como seria voltar a tocar e fazer seus solos na guitarra. Joe fica na prisão por anos, construindo sempre as notas imaginárias de seu solo, e o ato II encerra-se com Joe saindo da prisão em “Outside Now”, disposto a refazer sua vida.
Vinil tcheco com o Lado C de Joe’s Garage Acts II & III |
O ato III tem Joe encarando um novo mundo depois de anos na prisão, e com uma vontade imensa de voltar a tocar guitarra, tendo as notas imaginárias de seu solo gravadas na sua cabeça, em uma obsessão que praticamente está tornando-o louco. Joe lembra do dia em que foi preso (“He Used to Cut the Grass”), e o Central Scrutinizer surge em cena, contando que se antes ele era um bom garoto, agora a música destruiu sua vida, e o solo imaginário está corroendo seu cérebro.
Louco, Joe vislumbra pessoas escrevendo artigos sobre música e destacando seu belo solo com as notas imaginárias. Além disso, passa a imaginar partes vocais para uma canção imaginária sobre uma profissão jornalística imaginária (“Packard Goose”). Em completo delírio mental, ele vê Mary escrevendo-lhe uma pequena carta, e então, entrega-se para a loucura, realizando o sonho de realizar seu solo imaginário.
Lado D de Joe’s Garage Acts II & III, apresentando nossa maravilha |
Finalmente chegamos a “Watermelon in Easter Hay”. Peço perdão por essa longa revisão da história de Joe, mas isso é fundamental na construção da nossa maravilha dessa semana. Cercado de problemas, envergonhado pela sua situação de ter transado e apaixonado-se por uma máquina, e em um mundo novo, sem música ou instrumentos, Joe construiu um solo único em sua cabeça, e a expôs para o mundo através das mãos de Zappa.
A canção começa apenas com o Central Scrutinizer contando que Joe trabalhou muito sua cabeça em um frenêsi imaginário quando concluia sua canção imaginária. Depois de concluir a canção, sentiu-se depressivo e a beira da morte. Então, começou a imaginar suas últimas notas de guitarra, com os vocais imaginários existindo apenas na mente de quem estivesse imaginando.
Assim, nove notas do piano elétrico surgem fazendo o tema central, acompanhadas por um leve andamento de bateria e baixo, fazendo o que eu chamo de primeira estrofe. Cada estrofe consiste da repetição dessas nove notas durante quatro compassos, sendo que as notas descem e sobem a mesma escala repetidamente. Enquanto a primeira estrofe é tocada, o Central Scrutinizer conta que Joe voltou para seu pequeno e feio quarto de quando era adolescente, e silenciosamente, entregou-se ao novo mundo, sem música, realizando então o seu último solo de guitarra imaginário.
Zappa em um solo imaginário (1979) |
Aqui começa a segunda estrofe, com Zappa solando as divinas notas imaginárias de Joe. As singelas e lentas notas encantam por sua simplicidade e perfeição no contexto de tristeza que o momento exige. O volume da canção aumenta gradativamente, com os sintetizadores fazendo as notas do tema central, enquanto Zappa repete o mesmo solo na terceira estrofe. A quarta estrofe é com notas ainda mais simples, aonde Zappa emprega leves vibratos e arpejos, em um detalhamento cirúrgico que irá timidamente arrancar uma lágrima de seu olho.
A quinta estrofe retoma o solo inicial, agora com a inclusão de sinos tubulares e sempre com o leve andamento de bateria, baixo e as nove notas do tema central. Na sexta estrofe, Zappa muda a distorção de sua guitarra e passa a tocar mais próximo ao seu estilo tradicional, com notas velozes, barulhos e sustains que são mantidos nas duas estrofes seguintes.
A bateria vai dando clímax para o lento ritmo de “Watermelon in Easter Hay”, e voltamos para o solo inicial na nona estrofe, agora com o xilofone acompanhando as notas imaginárias da guitarra. O mesmo acontece na décima estrofe, com a décima primeira repetindo o solo da quarta estrofe, tendo o xilofone ainda mais destaque.
Finalmente, a décima segunda estrofe encerra essa maravilha, com a afinação da guitarra sendo modificada, fazendo então o solo inicial e concluindo com apenas a guitarra fazendo algumas notas e acordes soltos, tendo ao fundo um tímido acompanhamento do chimbal, bumbo e do tema do piano elétrico escondido sob esses instrumentos. Emocionante, simples e ao mesmo tempo, sensacional!
Após o término do solo, que encerra a vida de Joe com a música, o Central Scrutinizer surge novamente, dizendo que a música pode gentilmente f*@der com a vida de uma pessoa. Joe agora trabalha diariamente como auxiliar de cozinha de um arrogante fazedor de muffins, e se o exemplo dele não serviu para nada, o Central Scrutinizer irá cantar a última canção que acaba com a música no mundo inteiro, encerrando o Ato III e a história de Joe’s Garage com “A Little Green Rosetta”.
Grupo teatral encenando Joe’s Garage no Open Fist Theatre |
Joe’s Garage chegou a ser adaptado ao teatro pelos estudantes da Universidade de Michigan, em 1999. No dia 26 de setembro de 2008, recebeu uma performance no Open Fist Theatre de Los Angeles. Esta produção contou com uma banda tocando ao vivo, bem como coreografias, projeções de vídeo e performances narrando as canções dos dois álbuns, marcando a primeira vez que a Zappa Family Trust lançou seus direitos para a música de Zappa em um teatro. A peça ficou em cartaz durante 14 semanas, com todas as datas tendo os ingressos esgotados.
O maior gênio da música no século XX |
“Watermelon in Easter Hay” e a história de Joe’s Garage é apenas uma prova de quão genial era Frank Zappa. Sua longa e complexa obra é merecedora de estudos, análises e pensamentos que talvez somente o próprio Zappa conseguisse explicar. Não existe outro artista pós-seculo XX que tenha feito tanto na música como fez o guitarrista americano. Talvez eu até possa estar exagerando, mas Zappa foi o maior músico dos últimos 200 anos fácil fácil, e se você duvida disso, ouça os discos de Zappa na sequência, para ver como ele não evoluiu com o tempo, ele simplesmente tinha o tempo andando ao seu lado, e uma das provas disso foi registrada em um longíquo 1979, permanecendo intacta e emocionalmente fantástica até os dias de hoje.
Oi! Muito obrigado por incluirem nosso blog. Teria como mandar o banner que vocês desejam para o meu email pessoal?
Email – HHLLII1@YAHOO.COM.BR
Obrigado.
Nossa, que baita texto! Vamos lá, com calma:
– Eu nunca consegui gostar de Zappa. Admito que o culpado sou apenas eu, que não consigo assimilar a variedade e a pluralidade de estilos que ele impõe à sua obra. Mas isso não quer dizer que eu não reconheça o quanto ele é “o cara”, e quão importante sua obra foi/é para a música do século XX. Em algum par de séculos, quando as pessoas falarem da “música clássica do século XX”, Zappa com certeza será citado.
– Mesmo não gostando de Zappa, sempre gostei de “Watermellon In Easter Hay”, desde a primeira vez que a ouvi, longos anos atrás, na rádio Ipanema FM de Porto Alegre. Lembro que, em uma determinada época, era comum o operador das manhãs de segunda-feira rolar um bloco que ele dizia ser para “os ouvintes recuperarem-se do fim de semana”. Era sempre “Watermellon”, "Mediterranean Sundance/Rio Ancho" (do maravilhoso Friday Night in San Francisco, de Al Di Meola, John McLaughlin e Paco de Lucía) e uma música de Astor Piazolla que infelizmente não recordo o nome. Só mudava a ordem, e era sempre maravilhoso. A união das três “obras” criava um clima de tranqüilidade e calma que conseguia deixar a manhã de segunda-feira menos horrorosa…
– “Watermellon In Easter Hay” é uma obra prima. Se fosse necessária apenas uma música para mostrar o quanto Zappa era genial, essa poderia ser a indicada (e existem dezenas…). O que Zappa faz com a guitarra é do mesmo nível de um Pelé com a bola, ou de um Senna com um Fórmula 1. Coisa de outro mundo.
– Eu não sabia dos detalhes da história de “Joe’s Garage”. Muito maluca e cheia de entrelinhas e ideias “diferentes” e contestadoras do Status Quo. Não é a toa que este quase sempre é citado entre os melhores trabalhos de Zappa.
Dito tudo isto, só me resta parabenizar e agradecer ao Mairon por mais um grande texto! Valeu!
Micale, o baita e por causa do tamanho ou pq ta bom? hehehe
Falando serio, assimilar toda a peca de Joes Garage eh uma tarefa bem complicada (assim como a obra do Zappa) ateh por nao sermos americanos. Um exemplo claro de como SER americano influencia para compreender a obra do Zappa e o meets the mothers of prevention, que saiu em uma versao especial apenas para os americanos, destruindo com o reagan, e outra par ao resto do mundo, com cancoes bem mais normais e sem tanto manifesto.
O conjunto letras, satira , teatralidade e musica do Zappa e algo que parece exigir um treinamento. Tu sabes quanto eu tive que estudar para conseguir chegar ao ponto de poder falar um pouco sobre a obra do zappa e ter o atrevimento de fazer isso, obviamente por possuir quase todos os vinis q ele lancou, o que ajudou muito para ver quanto zappa fazia de diferenca em relacao aos outros
enfim, watermeLon (e so um L) realmente uma obra prima e lembro do dia que comprei o Joes Garage e tu pediu para ouvir, como teus olhos brilhavam de alegria. E te agradeco as palavras. Espero q um dia possamos ouvir o Thing-Fish para te verificar as doideiras de um disco ainda tao bom quanto os joes, alem de que como eu sempre digo, ler a obra de zappa e um excelente exercicio de ingles
Abracos
Mairon, o baita é por causa dos dois motivos…
Opa! Belo texto de um dos meus álbuns favoritos de todos os tempos(e o primeiro Zappa que comprei, naquela edição dupla da Ryko, com os 3 atos.) Disco obrigatório, temas que se tornaram clássicos…isso sem contar a maravilhosa "Watermelon in haster hay", um dos melhores solos de guitarra de todos os tempos. Demais!
O único "porém", é que mesmo se tratando de uma "ópera-rock"(assim como a Greggary Peccary e o Thing Fish), não considero o álbum como sendo de rock progressivo.
No mais, baita texto(no sentido qualidade.). O último parágrafo define bem a trajetória zappiana.
Abraços.
Valeu Lucas. Eu entendo a situação sobre ser prog ou não. Dentre todos os álbuns de Zappa, eu julgo que esses são os que melhor se encaixam na proposta progressiva (sem ter mellotrons, um monte de teclados/suítes ou algo assim é verdade, mas ainda sim, conceitual e trabalhado para ser prog), mas entendo sua opinião. Como você definiria esses álbuns? Aliás, a própria carreira de Zappa é dificil definir. Eu não sei classificar ele, honestamente, e por isso, prefiro chamá-lo apenas de gênio.
Um abraço
Fala Mairon!
É bem isso que você falou. A carreira de Zappa foi tão singular que dificilmente pode ser colocada em algum rótulo(talvez o "Yellow Shark" ou o "Perfect Stranger" possam ser considerados "Música Erudita Contemporânea", o "Hot Rats" jazz-rock e por aí vai… mas ainda assim o tratamento zappiano era muito peculiar.).
Quanto ao prog, tenho o mesmo pensamento quando dizem que o Can é progressivo…ora, o Krautrock é outra viagem, parte de outros princípios. Mas eu entendi o que você quis dizer.
Resumindo, dá pra dizer que Zappa transitou pelo rock, pelo doo-woop, blues, soul, erudito, música concreta, psicodelia, e até mesmo progressivo para criar uma obra única. Um "present-day composer" por excelência!
Obrigado pelo feedback e parabéns pelo blog- tô agora mesmo ouvindo o Studio Tan, pra alegrar a noite. Pode não ser progressivo, mas é excelente!
Abraço.
EU NUNCA CONSEGUI CURTIR FRANK ZAPPA,AS MÚSICAS DO CARA SÃO CHATAS,INSUPORTÁVEIS,E PRA PIORAR,VEM ESSA MÍDIA ALTERNATIVA(LEIA SE MASSARI,EX MTV,E ESSES MÚSICOS ALTERNATIVOS)ENDEUSAREM ESSE OTÁRIO,QUE PRA MIM NEM FEDE NEM CHEIRA.SIMPLESMENTE DECARTÁVEL!!
SÓ UM BABACA METIDO A INTELECTUAL,PRA GOSTAR DESSE LIXO DA MÚSICA.QUEM GOSTA DE ZAPPA,DEVE SER TÃO MALA QUANTO O SUJEITO
Me desculpem, Consultoria do Rock, mas Frank Zappa, sempre foi um chato. Mais chato que ele, só o Jim morrison, do Doors.
Boto fé que o som do Zappa é complexo por demais para algumas pessoas, mas a vir aqui escrever essas besteiras acima é lamentável. Não xingue o que você não entende, a culpa do seu pouco alcance não é dos caras.
E para isso, isso existe desde sertanejo até bandinhas de metal.
Cada um no seu.