Pain of Salvation – Remedy Lane [2002]
Por Vinícius Moretti
A carreira fonográfica dos suecos do Pain of Salvation teve início em 1997, com o lançamento do disco Entropia, que já mostrava uma banda muito competente e com maturidade em temas que flertavam constantemente com o rock progressivo. Também revelava ao mundo o talento e a capacidade de Daniel Gildenlöw, vocalista e guitarrista da banda, em criar conceitos abstratos, reais ou fictícios. Com o passar dos anos, a banda foi ganhando ainda mais reconhecimento no meio musical, com os lançamentos de One Hour by the Concrete Lake, em 1998, e The Perfect Element, Part I, em 2000. Este último lhe rendeu uma oportunidade de se apresentar nos Estados Unidos como atração principal do festival ProgPower. Seguindo, temos Remedy Lane, disco que fez com que banda fosse convidada pelo Dream Theater para acompanhá-los em turnê. Trata-se de um álbum conceitual, totalmente abstrato e pessoal, em várias partes autobiográfico, criado por Gildenlöw. Trilha sonora perfeita pra quem vai passar o dia 12 de junho sozinho e quiser se afundar ainda mais na sua fossa ou então embarcar numa jornada por uma busca pessoal por respostas.
O disco começa com uma pseudointrodução, uma música curta que nos dá uma apresentação do conceito por trás da história: a mente de uma criança na descoberta de sentimentos contraditórios de liberdade, amor, sexo e dúvidas, muitas dúvidas. Em “Ending Theme” temos uma canção simples, que começa tranquila, mas que no refrão explode aos ouvidos como um grito de libertação, seguido de um monólogo onde o personagem começa sua busca por quem ele realmente é e quem quer ser, perdido em um quarto de hotel em Budapeste (Hungria), lugar onde a história toma forma. Riffs muito melódicos, recorrentes na discografia do grupo, permeiam toda a faixa.
“Fandango” é um típico rock progressivo, cheio de quebras de tempo e ritmos sincopados. Se desenrola a partir de um riff bastante pesado e de bumbos duplos ao fundo, com voz, baixo e guitarras travando uma espécie de duelo. Duas pessoas conversam sobre seguirem regras pré-determinadas e herdadas; a busca por respostas em si seria uma forma de obter respostas, já que se todas elas fossem conhecidas não existiria uma motivação para viver. Um final caótico, com vocais bastante gritados cortados por uma linha quase sussurrada, característica de Daniel, encerram a música. “A Trace of Blood” começa com teclado dando exatamente a sensação de corrida, de uma trilha a ser formada e a perseguir. Um riff de guitarra bastante limpo acompanha o teclado e logo a música entra em ritmos mais quebrados, com riffs abafados e bateria marcada. A letra é uma mistura de alegria e raiva, uma briga de sentimentos tênues. Daniel já revelou que ela versa sobre um aborto espontâneo que sua mulher teve anos antes, fato que o fez refletir sobre tudo o que foi perdido, não somente uma vida, mas todas as outras vidas que seriam influenciadas por esta que não vingou.
Pain of Salvation em 2002: Johan Hallgren, Johan Langell, Daniel Gildenlöw, Kristoffer Gildenlöw, e Fredrik Hermansson |
“This Heart of Mine” é um singela e bela canção de amor, minha preferida do álbum. Trata de temas comuns e clichês do meio, mas tem um ar totalmente pueril e leve, uma promessa de amor ingênuo e eterno. Uma faixa semiacústica, onde se nota na parte instrumental o casamento perfeito que o Pain of Salvation faz com as letras e mais uma vez a dramaticidade aplicada por Daniel no refrão é de arrepiar. Ela encerra a primeira parte da história.
“Undertow” é uma das canções mais sombrias do disco, se não a mais. Possui uma estrutura simples, mas totalmente dramática, com Daniel cantando em tons mais graves sobre uma base de teclado e bateria marcando ao fundo, e um lick de guitarra que depois cai para um riff que remete a “This Heart of Mine”. A procura por respostas continua: o personagem é levado a uma reflexão mais profunda de sua busca, que começa na apatia e passa pela tristeza da perda. A canção segue em um crescendo, sempre no mesmo tom, aumentando ainda mais a angústia, para no final ir para um estado de euforia, parecendo um grito clamando por liberdade, onde o personagem começa a descobrir o porquê da história ter começado.
Cheia de quebras de ritmos e climas diferenciados, “Rope Ends” inicia com um riff pesadíssimo, que logo é acompanhado pelo teclado. Quem gosta de Dream Theater até notará certa influência. Mas a faixa segue, com seções rítmicas totalmente díspares. A letra trata do imediatismo de certas ações que tomamos ou que deveríamos tomar, onde segundos perdidos podem significar a perda de coisas que amamos ou até mesmo de vidas. A parte instrumental no meio da música é uma espécie de jam, intrincadíssima, e que não deixa dúvidas da veia progressiva que a banda possui. Mas ao mesmo tempo a música mostra a capacidade da banda em unir isto a partes melódicas grudentas, geralmente nos refrões, o que dá a ela um diferencial muito forte perante outras bandas do dito metal progressivo.
“Chain Sling” começa com riffs de guitarra que logo são acompanhados em uníssono por um violão, dando um clima meio flamenco à música. É o tom que ela pretende passar: uma dança entre amantes, de amor, ódio, reconciliação e fim. “Dryad of the Woods” começa acústica, calma, em um clima melancólico evocando uma saudade, e logo o teclado aparece para fazer companhia aos outros instrumentos. Contrasta com a canção anterior que era toda cheia de impulsividade e dá uma quebra no ritmo que o disco seguia. Apesar de ser uma faixa inteiramente instrumental, no encarte existe uma letra – um dos muitos poemas encontrados que têm relação com o conceito. Nele vemos um pedido de perdão, uma vontade de deixar tudo para trás e de recomeçar, ao mesmo tempo que o medo de não possuir capacidade para perdoar acomete. Em seguida vem uma faixa bônus da edição japonesa, “Thorn Clown”, que possui uma introdução bem longa e progressiva. Não entendo porque ela não faz parte da versão normal do álbum, já que o aspecto lírico é totalmente pertinente ao conceito, mostrando a ingratidão sentida pelo personagem e o sentimento de culpa pelo que ele acabou se tornando. O final se torna caótico mais uma das tantas vezes, com um monólogo travado pelo personagem sobre suas angústias e sofrimentos, o que encerra a segunda parte da história.
Pain of Salvation atualmente: Fredrik Hermansson, Léo Margarit, Johan Hallgren e Daniel Gildenlöw |
“Remedy Lane” é outra peça instrumental bem progressiva, no melhor estilo Rush, calcada no teclado cheio de efeitos que dão o caminho de volta para a história, uma reintrodução que relembra temas e melodias que já passaram pelo disco. No encarte também existe um pequeno poema, onde o personagem ainda nos mostra confusão de pensamentos, dizendo que não sabe exatamente o que ama, que sente medo e que sabe que tudo isso é um caminho perigoso a ser percorrido. “Waking Every God” é retumbante no seu início, e se acalma logo depois, com Daniel se questionando sobre o que realmente é a liberdade. A jornada já vasculhou vários sentimentos dentro do personagem e ele ainda continua se indagando o motivo de tudo o que aconteceu e nos conta do início da história em Budapeste.
“Second Love” é uma típica canção de amor, de uma pessoa que teve seu coração partido, e foi escrita por Daniel quando tinha apenas 15 anos. A letra é simples e a melodia também, mas ambos cativantes. Versa sobre as desilusões que todos já sentimos em um momento desses, todas as descrenças e dúvidas que permeiam nossos pensamentos. Particularmente é uma das minhas preferidas do disco. O solo é belíssimo mesmo e mostra a capacidade de Daniel também como guitarrista.
“Beyond the Pale” é o ponto crucial da história e a faixa mais longa, onde todas as dúvidas, angústias, medos, ódios e amores se reencontram. A busca por um significado para a liberdade e por respostas ainda permeia a cabeça do personagem, novamente na cama do hotel em Budapeste onde tudo começou. As indagações se concentram sobre o sentimento de estar só, de não ser bom o bastante para si mesmo, de não conseguir ser aquilo tudo que se almejava e desejava. Uma peça progressiva no melhor estilo da banda, que encerra o conceito e o álbum em alta, e deixa o ouvinte com vontade de pôr tudo no repeat e viajar novamente pela mente perturbada e complexa de um ser trilhando a estrada da cura.
O conceito às vezes parece não formar uma história contínua e pode ficar muitas vezes perdido, mas, vindo de Daniel Gildenlöw, é justamente essa sensação que ele tentou colocar no ouvinte: a mesma sacola de dúvidas e indagações que cada um deve carregar na sua jornada pessoal para responder o que lhe é pertinente ou não no que tange às suas relações. É inevitável não tocar bastante na parte lírica do álbum, já que ela é uma porção de todo o conjunto e se destaca tanto quanto a parte instrumental. Além de tudo, lida com temas bastante pessoais. Um tema batido abordado de maneira profunda e intensa e que me desperta sensações muito diferentes toda vez que escuto o disco e que provavelmente vai despertar sensações diferentes em que cada um que o ouvir.
Track list:
Daniel Gindenlöw: a mente por trás de Remedy Lane |
1. Of Two Beginnings
2. Ending Theme
3. Fandango
4. A Trace of Blood
5. This Heart of Mine (I Pledge)
6. Undertow
7. Rope Ends
8. Chain Sling
9. Dryad of the Woods
10. Thorn Clown
11. Remedy Lane
12. Waking Every God
13. Second Love
14. Beyond the Pale
Muito, muito, muito bom esse álbum… Li o texto acompanhado da audição de cada faixa e realmente é uma viagem deliciosamente perturbadora! Parabéns pela ótima resenha! 🙂
"Trilha sonora perfeita pra quem vai passar o dia 12 de junho sozinho e quiser se afundar ainda mais na sua fossa ou então embarcar numa jornada por uma busca pessoal por respostas."
Melhor motivo possível para querer dar uma chance ao disco… e olha que eu não sou chegado em Pain of Salvation!
Cara, eu sempre quis conhecer o Pain of Salvation. Depois desse texto do Moretti, nao tenho pq nao ouvi-lo. Baixando!