Journey – Eclipse [2011]
Após finalmente ter sido lançado, evitei ler muitas resenhas e opiniões a respeito de Eclipse. Mesmo tendo lido poucas, observei que, enquanto algumas elevavam o álbum à categoria de melhor disco do Journey em décadas, outras reclamavam da falta de melodias memoráveis e das linhas de teclado características de Jonathan Cain. Posso dizer que, apesar da distinção, ambas estão corretas. O que mais pesa nessa avaliação é quão aberta está a mente do ouvinte e quão grande era sua expectativa.
De uma coisa ninguém pode ter dúvida: Neal Schon é o maestro que conduz as composições do álbum, com sua mão técnica, melódica e segura. Apesar de Jonathan Cain também ser autor de todas as faixas, além de encarregado das letras, o tecladista soube se postar de maneira a trabalhar a favor das músicas, deixando para brilhar sozinho apenas nos momentos apropriados, isto é, geralmente nas baladas. O baixista Ross Valory executa seu trabalho como sempre o fez: discreto, mas atendendo a todas as exigências com sobras. Deen Castronovo mostra mais uma vez porque é um dos melhores bateristas do rock na ativa, provendo o grupo com linhas ora sólidas, ora virtuosas, dependendo da necessidade. E Arnel Pineda, bom… se alguém ainda não se convenceu de que seu estilo é esse, seu timbre é esse, e que as comparações com Steve Perry cada vez mais se tornam irritantes, por favor, pegue sua cópia de Escape (1981) e coloque-a no repeat até o fim dos tempos. Perry não voltará para o Journey, e sua carreira musical está praticamente estagnada há 15 anos. Com Arnel, a banda vive uma realidade de sucesso e plena atividade, mesmo que sem a relevância de épocas anteriores.
O disco abre com “City of Hope“, uma das que já haviam sido apresentadas ao vivo, demonstrando que toda a energia exposta no palco conseguiu ser traduzida com propriedade dentro de um estúdio. Como esperado, as linhas de guitarra estão à frente na mixagem, com poucos overdubs e roncando forte, em especial no último minuto, onde Neal Schon oferece um show à parte. Arnel Pineda executa suas linhas com segurança, enquanto o resto da banda provém a espinha dorsal necessária para o desenvolvimento da faixa. Se Neal já brilha na anterior, é na segunda, “Edge of the Moment“, que parece ouvir-se faíscas saindo de seus dedos, em especial após 25 segundos de música, quando ela engrena e mostra-se com toda sua exuberância. Forte candidata a melhor do disco, a canção oferece, provavelmente, a mais agressiva performance de Schon desde “Edge of the Blade”, presente no clássico Frontiers (1983). Amigo… se você, além de fã de Journey, é fã de heavy metal e sabe apreciar uma guitarra bem tocada, “Edge of the Moment” é garantia de sorriso no rosto!
Journey ao vivo em 2009: Jonathan Cain, Ross Valory, Deen Castronovo e Neal Schon |
Eclipse segue em alta com “Chain of Love” que, apesar de introduzida por piano e sintetizadores, acompanhados pela voz de Arnel cantando controladamente, logo cede espaço para um hipnótico e distorcido riff de Neal. A faixa se desenrola em um esquema trivial de estrofe/ponte/refrão, que tem elementos para agradar diferentes tipos de fã. Como se trata de um disco do Journey, é óbvio que não podem faltar baladas, uma das marcas registradas do grupo. Mas mesmo elas não são tão habituais em Eclipse. Apesar do início leve, unindo o piano de Jonathan Cain com a voz suave de Pineda, remetendo a sucessos anteriores, “Tantra” tem seu andamento alterado a 1:45, com a entrada de todos os instrumentos, enfatizando a construção de melodias pela guitarra, que estabelece o clima e une-se à boa performance vocal. Por outro lado, é compreensível a rejeição de alguns quando justamente uma música que normalmente traria uma agradável simplicidade apresenta facetas distintas em mais de seis minutos de duração.
Retornando a um terreno mais confortável, “Anything Is Possible” remete ao Journey de Trial By Fire (1996), em um AOR mais típico, com Jonathan Cain comandando a faixa através de seu piano. A construção de solos de guitarra mais para o final da faixa, primeiro sob os vocais de Pineda e depois sobressaindo-se, adicionam um tempero extra, finalizando a canção em alta.
Se existe uma música para colocar em dúvida a reputação de “Edge of the Moment” como melhor do disco, essa é “Resonate“. Mais uma onde Neal Schon esmerilha, essa obra desenvolve-se com fluidez sobre uma fundação construída com seus licks e solos, revelando ganchos que somente o ouvinte mais resistente pode ignorar. Sobressai-se também a bem encaixada letra; aliás, a maioria delas demonstra maturidade acima da média. Para mim, “Resonate” nasceu clássica. “She’s a Mistery”, segunda balada do disco, contrasta com o início mais lúgubre do álbum, iluminando-o com seu andamento acústico, quebrado aos 4:50, quando um riff agressivo penetra o sistema auricular do ouvinte, dando uma cara completamente diferente (e melhor) à canção.
Quem quer incomodar seus vizinhos tem em “Human Feel” uma boa alternativa. Seu andamento baterístico quase tribal, pontuado pela guitarra e pelo órgão hammond, mostra-se com força nos alto-falantes, enfatizando a boa mixagem, obra de David Kalmusky (a produção é de Kevin Shirley). Mais uma vez, quem prefere o Journey clássico pode vir a estranhar, mas quem sente saudade da época onde a ênfase na instrumentação era tão grande quanto na construção de melodias memoráveis (se não maior), tem um prato cheio. A veloz “Ritual” inicia em alta e desenvolve-se com guitarras raçudas e teclados ocupando todos os espaços vagos, mas sem se sobrepor à voz em momento algum. Apesar de não soar datada, poderia ter sido extraída de um álbum como Frontiers (1983).
Neal Schon, o maestro condutor de Eclipse |
“To Whom It May Concern” é a melhor balada presente em Eclipse. Dotada de características que lhe aproximam das power ballads mais tradicionais, como o grandioso refrão e os teclados emulando arranjos para orquestra, é a alternativa para quem possa ter ficado insatisfeito com as longas e multifacetadas “Tantra” e “She’s a Mistery”. Para finalizar a audição de maneira confortável, o Journey oferece uma festa AOR em “Someone”, que soa como as melhores faixas de Revelation, mas com uma performance superior de Neal Schon. A instrumental “Venus” retoma de onde “To Whom It May Concern” parou, tirando qualquer possível dúvida de que o guitarrista é quem manda no Journey nesse álbum. Apesar disso, Deen Castronovo brilha tanto quanto Neal, descendo mãos e pés sem dó, executando andamentos complexos, encerrando o disco em alta.
A impressão passada ao término de Eclipse, especialmente após ouvir “Venus”, é a de que Neal Schon foi acometido de uma forte onda de saudosismo, e quis revisitar, guardadas as devidas proporções, o Journey dos anos 70, pré-Steve Perry, onde a instrumentação complexa muitas vezes sobrepunha-se à criação de melodias memoráveis, mas sem esquecer de todo o passado do grupo e o que o levou ao sucesso, equilibrando os dois aspectos. Se foi bem sucedido nisso, é questão para debate. Embora particularmente tenha gostado do resultado, a ponto de considerar o novo disco o melhor desde Frontiers, sei que existem opiniões contrárias. Alguns fãs nunca deixarão de sonhar com a volta de Perry, e a minha recomendação para esses é que agarrem-se às suas cópias de Raised on Radio (1986) e sua overdose de teclados e músicas datadas, e as levem para o caixão. É digno salientar que parece que a banda resolveu “ligar o foda-se” e não se preocupar em criar singles prontos para a massiva divulgação, fazendo tão somente o que quis. É claro que isso acabou refletindo-se nas vendas. Se Revelation vendeu 105 mil cópias na primeira semana após o lançamento, Eclipse mal superou 21 mil. Mas quer saber? Foda-se!
Track list:
1. City of Hope
2. Edge of the Moment
3. Chain of Love
4. Tantra
5. Anything Is Possible
6. Resonate
7. She’s a Mistery
8. Human Feel
9. Ritual
10. To Whom It May Concern
11. Someone
12. Venus
Ouvindo as faixas disponibilizadas, cheguei a algumas conclusões:
To Whom it May Concern – baladinha xaropona
Resonate – inicio legal, andamento legal, bem diferente do que poderia esperar de uma canção do Journey. Interessante é muito boa, principalmente o refrão.
Edge of the Moment – paulada muito pesada. Nao parece Journey. O inicio é muito legal. Tem umas cordas ali no meio? Depois que engrena então, fica muito massa. Escalas orientais, bem trabalhada, baita canção.
City of Hope – mesma linha de Edge of the moment, mas nao tao pesada, e com uma levada bem AOR. Nao gostei tanto quanto gostei de Edge of the Moment, mas para ruim nao serve.
Venus – bem interessante ouvir a instrumental. Bonito solo de guitarra e boa faixa.
Enfim, um bom álbum. Se não dissesse que era Journey eu jamais iria reconhecer.
Para completar, o Neal ta tocando muito!!
Mairon, não existem créditos para cordas no encarte do disco, então imagino que todo esse trabalho foi feito por Jonathan Cain e seus teclados, emulando os efeitos que as faixas pediam. Mas há de se admitir que não ficou nada plástico, artificial. Aliás, eu recomendo a quem quiser ouvir o disco, o faça com fones de ouvido, e perceba todos os nuances que compõem "Eclipse". A mixagem está mesmo MUITO boa. E a guitarra do Schon então, MEODEOS… o que ele faz em "Edge of the Moment" é absurdo…
Minha opinião: quase tão fraco quanto "Revelation". E a única coisa que faz este trabalho ser ligeiramente melhor que o citado acima é que eles não voltaram a cometer o erro de botar todos os integrantes pra cantar (as vozes de Vallory e Schon são dois fiascos). Essas novas sonoridades não combinam com a voz típica de AOR do filipino, tanto que ele brilha mais justamente nas canções "Someone" e "Anything Is Possible". Confesso que gostaria de ver como Jeff Scott Soto se sairia cantando estas faixas mais pesadas (tenho certeza que ele arrasaria em "Edge of the Moment"). E aproveito para finalizar criticando o último parágrafo. Cara, você foi de uma má educação cortante. Como você mesmo disse, cada um tem sua opinião, e se por acaso eu preferir ouvir o fraquinho mas agradável "Raised on Radio" em lugar deste ou do "Revelation", bom, é questão pessoal, mas não vou mandar os outros se foderem porque tem gosto diferente. Ah, e tenho todos os CDs originais da banda, incluindo os da fase Gregg Rolie (que infelizmente não saíram remasterizados ainda). Então não venha me dizer que não conheço o trabalho da banda ou que prefiro a fase comercial, afinal curto Hard e Prog com preferência pelos sons dos anos 70. E este novo disco não me convenceu.
Olá Herbie, obrigado pelo comentário. Acredito que tenhas cometido uma confusão entre "Revelation" e "Generations", pois é o segundo citado que conta com vocais de todos os membros do grupo, incluindo Schon e Valory.
Concordo com o fato da voz de Pineda se adaptar com mais facilidade às faixas tipicamente AOR, mas gosto justamente de vê-lo sendo mais exigido e saindo de uma posição mais confortável. Quanto a Soto, sem dúvida seria interessantíssimo ouvir como sua voz soaria sobre essas canções, mas Schon e Cain quiseram diferente. Só nos resta imaginar.
Quanto ao "foda-se", ele sem dúvida não foi direcionado aos fãs, mas sim reforçando a atitude que o Journey teve de se lixar para o mercado ao fazer o disco que bem entendeu, não entregando algo pronto para o rápido consumo. Não me compreenda mal, meus álbuns favoritos são "Infinity" e "Escape". Mas há de convir que grande parcela dos fãs da banda são preguiçosos e preferem mais do mesmo.
Não sei o porquê da crítica que o autor sempre faz ao teclado. Maior erro desse álbum foi ter abrerto mão das linhas e riffs clássicos de piano e sintetizador que Jonathan Cain fazia. Sempre foi o grande diferencial do Journey, e foi o que fez com que banda entrasse para a história.
Já é hora de pararem com essa atitude estúpida e ignorante de menosprezar os intrumentos de teclas no rock.
Olha Jeff, reli meu artigo procurando críticas ao uso de teclados e só encontrei realmente uma, quando citei a "overdose de teclados" presente em "Raised on Radio", algo do qual não me arrependo nem um pouco.
Mas é interessante que você tenha citado que as linhas executadas por Cain são o diferencial do grupo, pois muitas vezes o que mais aparece é um crédito exagerado a Steve Perry como única força motriz a levar o Journey ao estrelato. Podem dizer que fico em cima do muro, mas penso ser uma combinação de fatores, incluindo com muita força a presença de Neal Schon e sua mão melódica e certeira, não deixando o grupo descambar para algo explicitamente pop. E os bateristas que essa banda teve? Aynsley Dunbar, Steve Smith, Deen Castronovo… só monstro! Sequer consigo escolher um favorito.