Discos que Parece que Só Eu Gosto: Thin Lizzy – Renegade [1981]
Por Mairon Machado
O Thin Lizzy é um dos principais (se não o principal) grupo de heavy metal da Irlanda. Durante os anos 70, lançou discos que se tornaram ícones entre os apreciadores do estilo. Fighting (1975), Jailbreak (1976) e o essencial Live & Dangerous (1978) são alguns exemplos de como esse grupo podia tocar tão alto e tão melódicamente ao mesmo tempo, soando de uma maneira única, destacando a voz de Phil Lynott (baixo, vocais) e o duelo das guitarras gêmeas de Scott Gorham e Brian Robertson.
Porém, com a chegada dos anos 80, o grupo acabou sofrendo algumas modificações. Robertson seguiu carreira ao lado do Wild Horses e do Motörhead, e, para seu lugar, o guitarrista Gary Moore foi o escolhido. Moore gravou apenas um álbum com o grupo, Black Rose: A Rock Legend (1979), seguindo uma carreira solo de grande sucesso posteriormente.
Após Moore, o guitarrista da vez foi Snowy White. White era um conhecido músico de estúdio, tendo inclusive trabalhado com o Pink Floyd no álbum Animals (1977) e na turnê de The Wall (1979). Apesar de seu enorme talento, não foi bem recebido pelos fãs do Thin Lizzy, já que seu estilo era bem diferente do de Robertson. O primeiro álbum de White com o grupo (que contava ainda com Lynott, Gorham e com o baterista Brian Downey, além do tecladista convidado Darren Wharton) foi Chinatown, lançado em 1980, que foi uma grande decepção em se tratando de vendas.
Lynott passava por um sério problema com drogas e álcool, e parecia que o Thin Lizzy estava próximo do fim. Com a efetivação de Darren no cargo de tecladista, essa versão do grupo teve seus últimos momentos de vida em Renegade. Lançado um ano depois de Chinatown, com a mesma formação, esse é considerado por muitos como o pior disco da carreira do Thin Lizzy. Os motivos alegados são vários, mas destaco três entre eles: a total incapacidade de Lynott tocar e cantar as canções, o emprego excessivo de sintetizadores e guitarras sintetizadas, além da falta de inspiração nos solos de Gorham e White.
Bobagem! Isso é coisa de quem nunca ouviu o disco. Renegade pode não ser o melhor disco do grupo (e está longe de ser), mas uma ouvida atenta irá prestigiar momentos que mostram como o Thin Lizzy continuava sendo uma ótima banda, mesmo com a alteração no seu line-up original.
O LP abre com uma paulada, “Angel of Death“, com os sombrios teclados do início trazendo a marcação do chimbal e do galopante baixo de Lynott. Aqui podemos ouvir que, mesmo com os problemas, Lynott ainda era um grande baixista, puxando um ritmo insano de suas quatro cordas e atingindo o pique quando Gorham e White soltam os riffs pesados da canção. Lynott canta sobre a levada cavalgante de baixo e guitarras, com um riff grudento de uma canção que pode estar em qualquer um dos álbuns clássicos do grupo.
Os efeitos do sintetizador e das guitarras levam ao belo solo de Gorham. Para os que consideram o disco carente de solos, essa faixa é uma prova contrária. Depois disso, uma viajante sessão progressiva, com Darren viajando no moog, acompanhado apenas pelo chimbal, e Phil declamando um poema com a voz distorcida. Baixo, chimbal, sintetizadores e a marcação do bumbo retornam ao início da letra, com Phil cantando acompanhado pelos sombrios acordes inicias dos teclados, encerrando com a repetição do refrão e com diversos rolos de Downey.
Somente “Angel of Death” já vale a aquisição do álbum, mas o disco apresenta mais. A faixa-título vem na sequência, com baixo e guitarra dedilhada apresentando uma canção mais oitentista, mas que exalta o talento de Lynott no baixo, com um bonito tema. Sua letra conta a história de um jovem que perdeu seu caminho e ficou sem ninguém para ajudá-lo (seria Lynott?), e o ritmo da canção é suave, até o refrão, onde os teclados mostram uma sonoridade bem diferente, que assusta ao fã xiita do Thin Lizzy, mas que não é ruim. As guitarras gêmeas executam o tema central e fazem riffs quebrados, tendo Downey fazendo intrincadas viradas na bateria, voltando para a introdução e encerrando com a repetição do tema das guitarras gêmeas.
O pesado riff de “The Pressure Will Blow” dá espaço para o lindo tema das guitarras gêmeas e sintetizadores, trazendo a voz de Lynott em outra bela canção que estaria facilmente nos álbuns clássicos do grupo. O trecho cadenciado do refrão, entoando o nome da canção, é repetido duas vezes, e novamente as guitarras sintetizadas estão presentes, dessa vez fazendo o solo sobre o ritmo cavalgante do baixo de Lynott. O virtuoso solo de Gorham explode no tema das guitarras gêmeas e sintetizadores da introdução, encerrando com a repetição do refrão.
O lado A encerra-se com a canção que eu mais curto do Thin Lizzy, a agitada “Leave This Town“. O riff de guitarra e baixo comanda um boogie na linha ZZ Top, e Lynott esbanja safadeza no seu estilo de cantar, com baixo e bateria contagiando as guitarras em um ritmo envolvente. O refrão aparece, grudento, e as guitarras gêmeas executam um belo solo, onde os bends de White retornam para o riff inicial. Lynott declama um poema, com a voz distorcida, retornando ao refrão, que repetido diversas vezes, gruda de vez na sua mente, fechando com chave de ouro este primeiro lado do vinil.
“Hollywood (Down on Your Luck)” abre o lado B resgatando a sonoridade oitentista. Aqui podemos conferir um pouco do que os críticos falam sobre a voz de Lynott não ser mais a mesma, já que pequenas falhas são perceptíveis. A canção abre com baixo e guitarra comandando o riff de um pesado rock, com Lynott cantando a partir da entrada da bateria. O refrão muda o andamento, virando uma espécie de AOR com a entrada dos sintetizadores, e com Lynott dando desafinadas, enquanto vocalizações cantam o nome da canção. Não acho que essas desafinadas sejam “a pior coisa que já ouvi”, pois se estamos escutando sem um ouvido crítico, não dá para reparar, mas enfim, “Hollywood” continua, com um bom solo de Gorham e White, encerrando com mais um grudento refrão sendo cantado por diversas vezes.
As guitarras sintetizadas abrem “No One Told Him”, trazendo o vocal de Lynott em mais uma canção bem oitentista, contando com outro bom refrão e destacando os sintetizadores de Darren, além do interessante solo de Gorham. Depois, a sensual balada “Fats” apresenta um Thin Lizzy voltado ao lado jazzístico, com Lynott lembrando Jaco Pastorius no baixo da introdução. Leves acordes de guitarra trazem a voz relaxada de Lynott, com teclados dando mais leveza durante o refrão. O tema inicial é repetido, dando sequência à letra, repetindo o refrão e trazendo um belo solo de piano, com diversos acordes jazzísticos e fechando com improvisações vocais de Lynott em cima do refrão.
A canção mais fraca do LP está em “Mexican Blood“, onde, apesar do violão flamenco na introdução, lembrando “La Villa Strangiato” (Rush), o ritmo oitentista, misturando marimbas e percussões latinas, acaba não agradando. Porém, “It’s Getting Dangerous” retorna aos bons momentos do disco, com bateria, baixo e guitarra puxando o ritmo para Lynott cantar acompanhado por bateria eletrônica e sintetizadores. O andamento AOR acaba tornando a canção ainda mais atraente, e as guitarras sintetizadas aparecem no emotivo refrão, com Lynott fazendo uma das melhores interpretações de sua carreira, encerrando o álbum.
Renegade vendeu pouco para os padrões do Thin Lizzy, chegando na posição 38 no Reino Unido e na vergonhosa posição 157 nos Estados Unidos. Malhado principalmente por Gorham e Darren, sendo que o último inclusive teve seu nome e foto banidos da contra-capa do álbum, acabou virando sinônimo de “pior disco do Thin Lizzy”. Mesmo a turnê de promoção não consegui alavancar as vendas, e, para piorar, colocou a vida de Lynott cada vez mais em risco. O Thin Lizzy de Lynott sobreviveu ligado às máquinas nos anos seguintes, lançando Thunder and Lightning (1983) e Life (1983), até que em 04 de janeiro de 1986, Lynott se juntou a Jimi Hendrix e John Bonham para tocar e cantar suas canções no paraíso, levado pelo excesso de drogas e o abuso do álcool.
Renegade está longe de ser o pior disco do Thin Lizzy, e sim, apresenta canções muito boas, com padrões de composição no intervalo do esperado e que acabam grudando em você a partir do momento em que você se adapta a elas. Esse foi o primeiro disco do Thin Lizzy que eu ouvi, e talvez por isso eu tenha tanto apreço por ele. Outro destaque que eu aprecio no LP é que a capa original apresenta o nome das canções e dos membros do grupo em cor ouro, a qual só pode ser lida dependendo do ângulo de incidência da luz sobre as mesmas. Coisa de bolha, óbvio, mas isso, junto a músicas que me balançam mesmo hoje, mais de quinze anos depois que o ouvi pela primeira vez, faz com que eu talvez seja um dos poucos que realmente gostem desse disco.
Track List
- Angel of Death
- Renegade
- The Pressure Will Blow
- Leave This Town
- Hollywood (Down on Your Luck)
- No One Told Him
- Fats
- Mexican Blood
- It’s Getting Dangerous
Mairon, muito legal sua descrição, mesmo. Cara… o "Renegade" é legal, e, ao menos pra mim, passa muito longe de ser ruim.. o problema é que, do "Vagabonds…" até o "Black Rose", o Thin Lizzy estabeleceu um padrão tão alto, que qualquer álbum que esteja um tanto abaixo, já corre o risco de receber essa pecha de "pior da carreira". Mas acho que quem credita isso à presença de Darren Wharton ou Snowy White está falando besteira. Darren inclusive contribuiu na ótima "Angel of Death" e Snowy é um guitarrista muito classudo, apesar de pouco habituado a tocar rock pesado.
Oi Mairon !
Qual seria o pior pra vc ?
Pra mim é o Renegade sim …. embora seja um bom disco…. o nível do Thin Lizzy é meio fora da curva….
Olá Fábio, para mim o piorzinho é o Thunder and Lightning. Abraços
Veja como o tempo modifica as coisas, hehehe
Ola Fabio
É dificl dizer qual o pior, ja que eu gosto de todos. Nesse momento, o Chinatown assume o posto, mas sem merecer os méritos, pois ele tem musicas muito legais.
Abraço
Vergonhosamente, o único disco que conheço do Thin Lizzy é o Shades of a Blue Orphanage. Nem sei quando vou criar vergonha de ouvir o resto da discografia. Até já peguei uns aqui, mas necas de dar uma escutada..
Você escreveu a resenha que eu queria ter escrito pro Renegade, cara! O Lizzy é, ao lado de Jeff Beck, minha paixão roqueira maior. Até cabelo à Lynott eu já tive. Eu gosto bastante de algumas músicas do disco (Angel of Death, por exemplo, é uma obra prima. O erro, na minha opinião, foi a contratação do White. Não é a praia dele tocar rock pesado, os shows provam isso.
Obrigado Pedro. Eu acho que o defeito do disco foi que ele acabou sendo lançado nos anos 80. Se tivesse sido lançado nos anos 90, seria considerado um dos melhores de tal década. E concordo, o Snowy é bem mais melódico do que pesado, mas mesmo assim, fez um excelente trabalho. Abraço
É o meu preferido!!!
Um dos meus preferidos, e amo a “Mexican Blood”.
adoro esse álbum , músicas que gruda cada vez que ouvimos, sou suspeito a falar pós o Thin Lizzy e uma das minhas favoritas tenho uma tattoo em homenagem a banda !!🤘
Em se tratando de Thin Lizzy, todos os discos merecem destaque. Renegade é definido como o pior disco do grupo por 11 entre 10 pessoas. Mesmo assim, é valido frisar que pelo menos 5 musicas são excelentes, dentre elas (a melhor de todas) Angel of Death e a suingada Fats, que remetia ao riff clássico de baixo de Dancing in the Moonlight. Mesmo com o fraco disco, a banda ainda estava na ponta dos cascos em se tratando de performance ao vivo. É só escutar Live at Hammersmith Odeon 1981 gravado para o programa In Concert da BBC que traz versões arrasadoras e pesadissimas de Angel of Death, Renegade, Pressure will Blow e Hollywood, provando que a banda ainda tinha muita lenha para queimar.
Thin Lizzy é daquelas bandas que o disco mais fraco seria o melhor em muitas discografias por ai
Eu adoro o Renegade. Pra mim está no mesmo patamar dos clássicos álbuns dos.anos 70 . E esse papo de criticar o estilo do Snowy White nada a ver . O cara é um guitarrista monstro tb . Apenas tem uma pegada mais bluesy. Disco infelizmente subestimado.
Valeu Eduardo. Abraços e obrigado pelo comentário
Não vou citar o pior album,apenas meus 3 favoritos:
Johnny The Fox
Renegade
Black Rose