Saindo do Japão, vamos aterrisar na América do Norte, mais precisamente nos Estados Unidos. Poucas bandas do rock progressivo norte-americano conseguiram algum destaque mundial. A maioria dos grupos que começaram como progressivo, acabaram, com o passar dos anos, adotando uma sonoridade mais amena, que viria a ser conhecida como adult oriented rock. Outros, apesar de manterem-se fortemente ligados ao progressivo da Inglaterra, não atingiram o sucesso esperado, sendo relegados à cobiça e caça de colecionadores que viram o nome do grupo em algum tablóide ou revista empoeirada de algum colecionador mais tarado.
Esse segundo caso tem como forte exemplo o Happy the Man. Talvez a melhor banda de rock progressivo já surgida nos Estados Unidos, o grupo lançou apenas três discos, mas possui uma vasta experiência nos palcos, construindo intrincadas peças que mostravam ao mundo que o Happy the Man estava muito além de um simples conjunto progressivo, unindo as linhas melódicas de Yes e Genesis, as intrincadas composições de Gentle Giant e Van der Graaf Generator e a simplicidade do Pink Floyd, em apenas um estilo, que viria a ser conhecido posteriormente como new prog, e tendo como ilustração a maravilhosa peça “New York Dream’s Suite”.
Formado em 1972 por Stanley Whitaker (guitarras, voz), David Bach (teclados), Cliff Fortney (voz, flautas), Mick Beck (bateria), Rick Kennel (baixo) e Frank Wyatt (teclados, saxofones, flautas, piano e voz), o grupo teve em suas origens a inspiração de diversos nomes, tais quais os citados acima, e principalmente o Genesis, sendo que no início da carreira, o sexteto costumava tocar canções do Genesis como “The Knife”, “Watcher of the Skies” e a própria “Happy the Man”. Inclusive, a própria configuração da banda no palco era muito idêntica à do Genesis no período em que Peter Gabriel liderava os vocais da banda. Apesar de todas as coincidências, o nome não veio da canção do Genesis, mas sim de uma frase dita pelo irmão mais velho de Whitaker, que havia lido algo similar no livro “Faust”, de Goethe.
Em 1974, David decidiu sair, sendo substituído pelo mágico tecladista Kit Watkins (moog, piano, harpsichord, clavinete e marimbas). Cliff também pediu as contas, sendo substituído por Dan Owen, que ficou pouco tempo no posto, com o Happy the Man se consolidando por ser uma banda praticamente instrumental, com os vocais sendo pouco participativos, e, quando realizados, feitos por Whitaker.
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Happy the Man em 1977 |
Isso afetava bastante a possibilidade de um contrato para a gravação de um LP, já que as gravadoras norte-americanas não estavam interessadas em uma banda com canções instrumentais. Mas, por outro lado, o grupo entrou na rota de shows do cenário ianque, tendo inclusive a oportunidade de tocar com Peter Gabriel quando esse esteve nos Estados Unidos durante o ano de 1976 (em uma relação similar à da The Band com Bob Dylan ou do Crazy Horse com Neil Young).
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Mike Beck |
O nome do Happy the Man acabou rapidamente sendo associado ao de Gabriel, levando os espertos produtores da gravadora Arista a enviar um contrato para o grupo, propondo a gravação de um álbum e mais uma forte campanha de divulgação.
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Stanley Whitaker |
Em 1977, chegou às lojas a estreia vinílica do grupo, auto-intitulada Happy the Man. É nela que se encontra nossa maravilha desta semana. Contendo canções belas e de extrema inspiração como “Starborne“, “Stumpy Meets the Firecracker in Stencil Forest” e “Mr. Mirror’s Reflection On Dreams”, Happy the Man é um espetáculo progressivo para inglês nenhum botar defeito, e coube a “New York Dream’s Suite” a difícil tarefar de encerrar um disco que pode ser considerado perfeito do início ao fim.
Nossa maravilha começa com piano e flauta trazendo os sintetizadores, acompanhados por marcações nos pratos e também de notas do baixo. O moog constrói o tema central sobre o tema dos sintetizadores, com a percussão realizando um pequeno crescendo. A entrada das camadas de teclados forma um bonito arranjo, sobrepondo o tema dos sintetizadores e do moog, para o delírio musical começar, com guitarra e moog fazendo o solo principal em um andamento complicado de bateria e baixo, onde os teclados marcam o tempo para a perfeita sequência de notas de guitarra e moog.
Temas marcados entre bateria, baixo, guitarra e moog repetem a introdução, porém em um ritmo frenético, com Beck quebrando a bateria em viradas e batidas nos pratos, para a pequena suíte chegar ao momento mais belo, onde depois de algumas notas do piano, a guitarra faz um belíssimo tema com acordes suaves, acompanhados pelo piano elétrico e efeitos percussivos como vento e pássaros, para então Watkins executar um maravilhoso tema no clavinete e no moog, aumentando o ritmo das notas com as batidas nos pratos.
O tema do clavinete é repetido, com os pratos marcando presença e tendo ao fundo camadas de teclados, levando para uma intrincada sessão na bateria e piano elétrico que culmina com tímidos acordes de piano e guitarra, cercados por muitas camadas de teclados, onde Whitaker sola com o botão de volume acompanhado apenas pelos sintetizadores e a marcação do baixo, encerrando “New York Dream’s Suíte” com o clavinete soltando suas últimas notas, em um hipnotizante conjunto de acordes dos sintetizadores e do dedilhado abafado da guitarra, deixando uma sensação de que a canção terá uma continuação.
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Rick Kennell |
Depois desse álbum, Ron Riddle acabou substituindo Beck, e o grupo gravou
Crafty Hands (1978), tão poderoso quanto o álbum de estreia, com destaque para as canções “Morning Sun”, “
Wind Up Day Doll Wind“, “Open Book” e “
The Moon I Sing (Mossori)“, todas do mais alto padrão progressivo.
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Stanley Whitaker, Kit Watkins, Coco Russel, Rick Kennell e Frank Wyatt (1979) |
Riddle foi parar no Blue Öyster Cult, com Coco Roussel entrando para seu lugar. Quando já estavam compondo material para um terceiro LP, infelizmente a banda acabou se dissolvendo, principalmente pela falta do apoio prometido pela Arista, que os despediu devido às baixas vendas dos álbuns. Kit Watkins acabou ingressando em outro grande grupo dos anos setenta, o Camel.
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Happy the Man em 2002 |
Em 1983 foi lançado o álbum 3rd – Better Late…, que traz diversas gravações feitas para o lançamento do terceiro disco, sendo algumas feitas já com Roussel na bateria, e mostrando que, apesar da falta de apoio, o Happy the Man ainda tinha muitas maravilhas a serem mostradas ao mundo. O grupo voltou à ativa em 2004, lançando The Muse Awakens, tendo na formação Rick Kennell (baixo), Joe Bergamini (bateria), Stanley Whitaker (guitarras, voz) e David Rosenthal (ex-Rainbow, ex-Whitesnake) nos teclados, conservando a sonoridade progressiva mas direcionando ao jazz, mantendo-se na ativa até os dias de hoje, ora com o nome Happy the Man, ora sob o pseudônimo Oblivion Sun, sendo este último álbum um belo apertitivo para o banquete feito nos anos 70, onde a cereja do bolo é “New York Dream’s Suite”.
Mairon, por enquanto não consegui encontrar para ouvir a faixa-tema do artigo, mas escutei todas as que você disponibilizou. Você citou a relação do rock progressivo com seu berço, a Inglaterra, e o fato de que os grupos norte-americanos geralmente diferem dessa origem. Eu penso que é justamente essa diferenciação que empresta uma personalidade legal aos grupos norte-americanos que, ao menos em parte da carreira, puderam ser rotulados como progressivo, vide os populares Kansas e Styx. Mas curti o Happy the Man, que também tem personalidade própria, em especial "Stumpy Meets the Firecracker in Stencil Forest".
Mais do que merecida a aclunha de "maravilha" pra esse som, que aliás tb caberia para várias outras faixas desse disco, que é de fato sensacional e de muita personalidade!
Abraço!
Ronaldo
Diogo, eu concordo plenamente contigo. O Kansas é o melhor exemplo do que seria o rock progressivo americano, pois empregava os temperos americanos do country com uma propriedade progressiva rarissima. Que bom que curtisse o Happy the Man, eu te aconselho a procurares ese LP. Se conseguir o link te envio
Ronaldo, eu fiquei com duvidas de qual das faixas seria a maravilha, pois o disco é excelente, ssim como o crafty hands. Soh que New York é uma baita pedrada, principalmente o final dela, que eu acho fantastico
Abraços
Comecei a ouvir HTM pelo Better Late, depois consegui os outros. Apesar das influências confessas, o grupo tem personalidade e fazia um som maravilhoso. Essa música selecionada é foda, como todo o LP. Mais um pitoco caprichado do Mairon!!!
Oi Mairon
Dessa vez você acertou em cheio.A musica e o album está entre os meus preferidos dentro do progressivo.Gostaria de sugerir o tema Song of Scheherazade do Renaissance.
Abs
André – RJ
Belissimo tema André, esta na minha lista ha algum tempo. Devo prepara-lo em breve.
Abraços
Mairon, o Kansas, até certo ponto dos anos 70, era "O" exemplo de prog norte-americano, praticante de uma sonoridade exuberante, cheia de elementos locais muito bem inseridos, sem desmerecer o rótulo de rock progressivo. "Leftoverture" é um dos meus discos favoritaços, ótimo de cabo a rabo!