Discografias Comentadas: Therion – Parte I
Por Micael Machado
Formado na Suécia em 1987 pelo então adolescente Christofer Johnsson, o Therion é uma banda cuja música evoluiu de um death metal bastante genérico para um caráter mais sinfônico e melódico, embora ainda mantendo a agressividade, e tornou-se um dos principais nomes do estilo no mundo, influenciando inúmeros grupos que vieram depois dele.
Com apenas Johnsson como membro constante de todas as formações, a banda tem uma extensa discografia, a qual na maior parte é composta por álbuns acima da média, com elementos muitas vezes alheios ao mundo do metal, usados com tamanha maestria que parece que sempre fizeram parte do estilo.
Neste artigo, e em sua continuação na próxima semana, irei me ater apenas ao lado musical do Therion, apenas citando quando necessário os aspectos filosóficos, mitológicos e ocultistas das letras do grupo, aspectos estes que precisam de um conhecimento de ocultismo e mitologia de diversas partes do mundo para serem explicados com propriedade, conhecimento este que eu, admito, não possuo.
Bem vindos ao lado escuro do Éden!
Após o lançamento da demo Time Shall Tell em 1990, a banda conseguiu um contrato com a gravadora Deaf Records para lançar seu primeiro álbum, no ano seguinte. Com Christofer Johnsson nos vocais e guitarra base, Peter Hansson na guitarra solo, Erik Gustafsson no baixo e Oskar Forss na bateria, Of Darkness… é composto de músicas escritas por Johnsson ainda nos anos oitenta. O som é um death metal cru e ríspido, bastante genérico até, como exemplificado na faixa de abertura, “The Return”, e em “A Suburb To Hell”. Quando de seu relançamento em 2000, o disco ganhou quatro novas faixas, duas retiradas de demos e duas inéditas. Embora algumas músicas até mostrem um pouco dos experimentos que o grupo faria nos anos seguintes (como partes de “Asphyxiate With Fear”, principalmente em seu final), é inegável que a estreia da banda não demonstra todo o seu potencial. O melhor ainda estava por vir.
Com a partida de Erik Gustafsson, o trio restante assinou com a Active Records e lançou seu segundo álbum, com Christofer e Peter alternando-se nas guitarras e no baixo. A faixa “Symphony Of The Dead” é o grande destaque do play, com Johnsson sendo influenciado principalmente pelo disco Into The Pandemonium (1987) do Celtic Frost, e utilizando teclados e vocais limpos tanto masculinos quanto femininos em seu arranjo. As faixas passam a incluir influências da música persa, além do uso de mais melodias em certas partes em relação ao primeiro disco, e ocorre uma mudança nas letras, que passam a tratar de temas mais ligados ao ocultismo. “Cthulhu”, “The Way” e a faixa-título também merecem ser citadas como destaques, em um disco que, embora ainda seja tipicamente um álbum de death metal, apresenta os primeiros indícios da sonoridade que estava por vir no futuro. O relançamento de 2000 também apresenta quatro faixas bônus, retiradas de demos do grupo. Beyond Sanctorum é superior ao álbum de estréia, mantendo o constante crescimento do nome Therion.
Symphony Masses: Ho Drakon Ho Megas [1993]
Com as saídas de Peter e Oskar, Christofer pela primeira vez ficava sozinho com o nome Therion, e com a responsabilidade de levar o grupo adiante (e esta não seria a última). Com Johnsson nos vocais, guitarras e teclados, Magnus Barthelsson na guitarra solo e Piotr Wawrzeniuk na bateria (Andreas Wahl, o baixista à época, não aparece creditado no encarte da reedição de 2000), a banda lançou seu terceiro álbum, ampliando as experimentações do anterior (como nas passagens com teclados de “Symphoni Drakonis Inferni” e “The Eye of Eclipse” e os trechos de musica oriental de “The Ritual Dance of the Yezidis”), embora ainda mantivesse características do death metal em sua sonoridade. “Baal Reginon“, “Dark Princess Naamah” e “A Black Rose“, a trinca que abre o play, já servem para identificar este como o melhor disco do Therion até então, com diversas variações entre as músicas, vocais diferenciados em relação aos álbuns anteriores, e até a inclusão de partes mais melódicas em certos trechos, bem como são destaques os riffs quase thrash de “Dawn of Perishness” e a experimental faixa título. Estes três primeiros álbuns foram reunidos no ano 2000, com novas artes gráficas, no box-set The Early Chapters of Revelation, sendo que Symphony Masses: Ho Drakon Ho Megas foi o único a não receber faixas extras para este relançamento.
Após assinar com a Nuclear Blast, o Therion (reduzido a um trio, com um novo baixista, Fredrik Isaksson, além de Christofer e Piotr) lançou aquele que pode ser considerado o primeiro álbum de sua segunda fase. O uso de vocais urrados e/ou rasgados foi bastante reduzido, dando lugar a vocais mais operísticos, tanto masculinos quanto femininos, além da ampliação do uso de teclados e de melodias, bem como uma sensível diminuição na velocidade das músicas. Canções mais agressivas como “The Wings of the Hydra” e “Melez” (com uma parte oriental no meio totalmente estranha ao mundo do heavy metal, mas não à sonoridade do grupo) convivem com outras mais melodiosas e com toques de música clássica, como na vinheta “Arrival Of The Darkest Queen” e em “The Beauty In Black” (as duas estão reunidas neste vídeo). “Black” (com sua mistura de música clássica, ópera e Celtic Frost, de quem inclusive o Therion registrou um cover nesse disco, com a faixa “Sorrows of the Moon”) é outro destaque, assim como a viajante faixa título, “Riders Of Theli” (bastante melódica se comparada a outras músicas do grupo) e o encerramento com “Evocation of Vovin”, cujos nomes, não por acaso, contém os títulos dos próximos discos do Therion. A versão em LP trouxe uma faixa bônus, “Enter the Voids”, que depois reapareceria numa nova edição do CD, junto a “The Veil Of Golden Spheres”, antes presente apenas no EP The Beauty In Black. Lepaca Kliffoth é também o primeiro disco a contar com algumas letras elaboradas pelo ocultista Thomas Karlsson, principal responsável pelo aspecto lírico do grupo desde então, com temáticas ligadas à Filosofia Oculta em geral, e à Magia Draconiana em particular, em especial à da ordem da qual Karlsson é fundador, a Dragon Rouge. Johnsson já vinha adotando essa temática nos discos anteriores, baseado nos textos de Karlsson, e convidou o escritor para fazer as letras por crer que seria melhor ter o idealizador dos textos colocando sua opinião diretamente, ao invés de utilizar a interpretação de Christofer para eles. As direções musicais que a banda estava adotando faziam com que ela caminhasse rumo ao reconhecimento mundial a passos largos, devido à sua qualidade, e ele viria no próximo lançamento.
Após quase se separar devido a problemas financeiros e com a gravadora, o Therion conseguiu da Nuclear Blast o apoio que precisava para lançar o disco que Christofer tinha em mente à época. E que disco eles fizeram! Com Lars Rosenberg no baixo e Jonas Mellberg na guitarra solo (além da dupla Christofer e Piotr, que também fez vários vocais), o grupo lançou um dos principais álbuns do heavy metal nos anos 90. Ampliando o que havia sido feito em Lepaca Kliffoth, Theli (“Dragão”, em hebraico) utiliza algumas composições que Johnsson mantinha guardadas já há algum tempo, mas que não havia gravado pela completa impossibilidade de registrá-las da maneira que ele gostaria. Quando a gravadora lhes deu o dinheiro para contratar corais, bons produtores e mais tempo de estúdio (além da participação de Dan Swanö, ícone do heavy metal sueco, em alguns vocais), Christofer registrou enfim aquela que sabia ser sua obra prima, uma espécie de “vai ou racha” para o Therion, a qual, devido aos altos custos para ser gravada, seria o fim definitivo para o grupo caso não fosse aceita pelo público. Mas como não se render ao poder e à exuberância das dez faixas desse disco? Apesar de conter aquele que é o “hino” da banda, “To Mega Therion”, é impossível apontar destaques em um álbum tão bom, que tem o quesito qualidade sempre lá em cima, onde as músicas se sucedem sem que você tenha vontade de pular nenhuma delas. Seria preciso um artigo inteiro para apontar todas as qualidades de um disco tão bom, então o melhor que você pode fazer é ouvi-lo e comprovar por si mesmo sua excelência. O Therion havia finalmente encontrado o caminho para o sucesso e o reconhecimento, e deixava o passado para trás rumo a outras inovações.
A’arab Zaraq – Lucid Dreaming [1997]
Para celebrar seu décimo aniversário, a banda lançou esta espécie de “EP estendido”, com duas faixas inéditas (as excelentes “In Remembrance” e “Black Fairy“, duas das melhores composições da carreira do Therion) e quatro covers (para artistas como Iron Maiden, Scorpions, Running Wild e Judas Priest), além de uma nova versão instrumental para “Symphony Of The Dead”, do segundo disco. O álbum é completado pela trilha sonora feita por Christofer para o filme ”The Golden Embrace”, tanto nas versões sinfônicas que aparecem na película (a qual, anos depois, seria lançada no box set Celebrators Of Becoming), quanto em novas versões gravadas em estúdio pelo Therion. Indicado apenas para os já iniciados na sonoridade do grupo.
Piotr Wawrzeniuk, Christofer Johnsson e Fredrik Isaksson
Em sua segunda década de existência, o Therion continuou experimentando com sua música, e ganhando um reconhecimento cada vez maior. Mas isso é assunto para a semana que vem.
Certas horas o cara fica desejando que o dia tivesse ao menos umas 50 horas, pra poder ter mais tempo livre e curtir tanta música que se deixa pra trás. Lembro que há uns 9, 10 anos comecei a ouvir algumas músicas do Therion, mas acabei deixando a banda de lado e nunca mais fui atrás. Uma pena, o grupo é muito legal. Nunca tinha escutado nada desses primeiros álbuns mais death metal e gostei bastante, até porque gosto muito do death sueco. As faixas disponibilizadas de "Beyond Sanctorum" são especialmente intereressantes.