Pequeno guia para se aventurar na floresta de sons de Roy Wood
Por Marco Gaspari
Lamento começar este texto contrariando os filhos do orgulho tupiniquim, aqueles que defendem o grupo Secos e Molhados como inspiradores do visual pancake do Kiss. É que já li algumas entrevistas de Gene Simmons afirmando que a fonte foi mesmo o músico britânico Roy Wood. Se bem que Simmons, o Milton Neves do rock, não teria escrúpulo algum em eleger até mesmo o Pablo, do quadro dominical setentista “Qual é a Música?”, como o pai da idéia caso sua banda precisasse impressionar algum Silvio Santos de plantão.
Roy Wood já foi citado em verso e prosa várias vezes. Paul Williams, por exemplo, editor da já muito prestigiada Crawdaddy, chegou a listá-lo entre os cinco verdadeiros gênios do rock. Não sou tão econômico a ponto de achar que todos os gênios roqueiros que interessam cabem numa única mão, mas fosse eu portador de polidactilia, aquela alteração genética que leva o sortudo a ter seis ou mais dedos em um dos membros, era bem capaz de incluí-lo lá pelo sétimo dedo.
Que Wood foi um visionário, isso não se pode negar. The Move, ELO, Wizzard e seus discos solo são paletas sonoras de onde ele coloriu paisagens deslumbrantes a partir de uma imaginação que parecia não conhecer limites. E suas aquarelas musicais, abordando temas que vão do rock ao country, do pop descartável à psicodelia, do blues ao rockabilly e do clássico ao jazz provam que o título de camaleão não se presta apenas à David Bowie.
Nascido Ulysses Adrian Wood em Birmingham, Inglaterra, em 8 de novembro de 1947, despertou bem cedo para a música tocando bateria e harmônica. Sua abdução pelo rock coincidiu com sua primeira guitarra, pois seis meses depois de arriscar os acordes básicos já tocava numa banda. Depois de estagiar no Gerry Levene and The Avengers e no Mike Sheridan and The Nightriders, deu início ao seu próprio negócio, o The Move, em fevereiro de 1966, ao estrear no Belfry Hotel. Seus sócios na época eram Carl Wayne nos vocais, Bev Bevan na bateria, Ace Kefford no baixo e Trevor Burton na guitarra.
The Move |
O Move era tão visceral que bastou uma semana de shows no clube Marquee para cimentar seu status de uma das melhores bandas underground da Inglaterra, com Keith Moon, Pete Townshend e Mick Jagger como figurinhas carimbadas em suas apresentações. E não demorou quase nada para que o empresário Tony Secunda firmasse um contrato com a Deram para a estreia da banda em single, que aconteceu em dezembro de 66. A música “Night of Fear“, lado A do single, alcançou o segundo lugar na parada inglesa e deu início a uma prática comum nas futuras composições de Wood: o uso de referências clássicas. Aqui ele se apropriou de um pedacinho da 1812 Overture, de Tchaikovsky, no riff de sua guitarra.
“I Can Hear de Grass Grow”, “Fire Brigade” e “Wild Tiger Woman” seguiram o caminho do sucesso aberto por “Night of Fear”, mas era nas apresentações ao vivo que a banda foi revelando seu lado mais selvagem, elevando a um estado de arte a destruição dos objetos de palco. Nem mesmo um automóvel Chevy 1956 escapou e, apesar de Wood não se sentir muito à vontade nessa sanha destrutiva e os promotores ficarem de cabelo em pé, banindo a banda de alguns clubes, essa escola The Who de demolição de palco acabou por chamar a atenção do público para o som do Move.
Em agosto de 67, um escândalo político ajudou a promover o próximo single da banda, “Flowers in The Rain” (a música que inaugurou a BBC Radio 1), carro chefe também do primeiro LP homônimo do grupo. Aproveitando as fofocas de que o então primeiro ministro do reino, Harold Wilson, tinha um caso com sua secretária, Roy Wood e companhia mandaram imprimir e endereçar para as donas de casa inglesas um cartão postal com uma caricatura do casal pelado na cama, chamando a atenção para a seguinte frase: “Por mais nojento, desprezível e vil que Harold possa ser, belo é a única palavra capaz de descrever “Flowers in The Rain”, do Move.” A resposta do político veio na justiça, cuja causa ganha obrigou a banda a doar todos os royalties arrecadados pela música para instituições de caridade. “Flowers in The Rain” nunca colocou um mísero penny no bolso de Wood.
Outro desastre na então recente carreira do Move foi sua excursão pela América do Norte. Mesmo sendo um enorme sucesso na terra da rainha, a ex-colônia inglesa não deu a mínima para a banda e os motivos apontados são a organização patética e a apatia da gravadora. Talvez esse fracasso tenha, inclusive, piorado as relações entre Wood e o vocalista Carl Wayne que, depois do lançamento do segundo LP do grupo, Shazam, aclamado pela crítica como um álbum de energia brutal, tirou seu time de campo após se recusar a cantar a pomposa e jamesbondiana “Blackberry Way“, de Wood, preferindo assumir sua veia baladeira e investir em carreira solo (ironicamente, algumas de suas canções e álbuns foram compostas e produzidos por Wood).
Para o lugar de Wayne foi recrutado Jeff Lynne, da banda Idle Race, alma gêmea musical de Wood e também responsável pelo upgrade de qualidade nos dois últimos álbuns do Move, Looking On e Message From The Country. Em 1972, após o single California Man, o Move anunciava um intervalo sabático que se prolonga até os dias de hoje. A verdade é que Wood e Lynne mantiveram o baterista Bev Bevan e pariram a banda Electric Light Orchestra como uma válvula de escape para o rock orquestral que Wood ensaiara em vários momentos do Move. “10538 Overture“, por exemplo, era para ser gravada pelo Move, mas só viu a luz do dia no primeiro LP homônimo do ELO.
Nas palavras de Wood, a intenção por trás do som do ELO era continuar de onde “I Am The Walrus”, dos Beatles, parou. Mas embora revolucionário, o casamento de rock e musica clássica que caracterizou a estreia do ELO não impediu o divórcio precoce. No meio das gravações do segundo LP, ELO II (1973), Wood fez as malas e foi para a casa de mamãe, dizendo que estava tão desapontado que não tinha mais vontade de formar uma banda.
Mas claro que ele formou: o Wizzard, um combo de oito lobos selvagens em pele de cordeiro que encaixava hit atrás de hit nas paradas inglesas, chegando duas vezes ao topo: a primeira com “Angel Fingers” e a segunda com “See My Baby Jive“. Wood havia vendido a alma de vez ao demônio com capa de lantejoulas do glam rock, apostando numa sonoridade altamente comercial. Por para tocar os discos do Wizzard é como atirar um gato no wall of sound de Phil Spector e amplificar seus miados. E ao vivo, a banda era o mais puro e espetacular rock’n’roll, um delicioso circo de excessos onde o mestre de cerimônias, Wood, vestia roupas extravagantes e se maquilava ao estilo Kabuki. Foi nesse picadeiro que o Kiss se inspirou e elevou o faturamento a cifras bilionárias.
Encaixado entre os dois discos do Wizzard, saia o primeiro trabalho solo de Wood: Boulders (1973). Se você é diabético, não ouça, porque esta coleção de deliciosos confeitos pop vai lambuzar tanto seus ouvidos que não me responsabilizo pela sua taxa de açúcar no sangue. Aqui Wood fez de tudo: compôs, produziu, cantou e tocou todos os instrumentos, além de ser dele a ilustração da capa. Ele repetiria a dose com Mustard (1975) e depois prestaria uma singela homenagem aos Beach Boys com o álbum Forever. Em 1977, já carente de hits na parada, Wood forma o Wizzo e lança apenas um solitário LP. Antes de se auto-impor uma aposentadoria precoce ainda lança em 79 o álbum On The Road Again, com convidados ilustres do naipe de um John Bonham na bateria e Carl Wayne nos vocais e produz o disco solo de Annie Haslam (do Renaissance), Annie in Wonderland, onde inclusive mostra suas habilidades em mais de quinze instrumentos diferentes.
Cansado das filas do INSS inglês, Wood retorna em 1987 com o sensacional Starting Up. E não pára mais, colaborando com Rick Wakeman, Jeff Lynne, The Royal Philharmonic Orchestra, Phil Lynott e por aí vai… Sua ficha de bons serviços prestados ao glorioso rock’n’roll é tão grande que vou parando por aqui. Se, contudo, você for detalhista, dá uma consultada na Wikipédia.
“Yellow Raimbow” – Move
“Fields of People” – Move
“It Wasn’t my Idea to Dance” – Move
“Songs of Praise” – Roy Wood
“Custers Last Stand” – Rick Wakeman e Wood
“We Are the Boys” – Phil Lynott e Wood
“Rockalise” – Annie Haslam e Wood
“Fields of People” – Move
“It Wasn’t my Idea to Dance” – Move
“Songs of Praise” – Roy Wood
“Custers Last Stand” – Rick Wakeman e Wood
“We Are the Boys” – Phil Lynott e Wood
“Rockalise” – Annie Haslam e Wood
Quando comecei a ler o texto pensei ser esse novamente um texto sobre músicos e bandas que eu não conhecia. Porém quando chegou o nome do ELO fiquei surpreso. Gosto muito desses textos do Marco que são cheio de histórias pessoais de diversos músicos. As vezes, mesmo que os caras não sejam conhecidos, é possível identificar um certo padrão na vida desses caras.
Terminei este texto crente de que estava abafando. Até receber um email do meu querido revisor, Fernando Bueno, dizendo que eu havia comido bola e escrito que o primeiro LP do ELO se chamava “No Answer” e não era verdade. Insisti com ele veementemente, pois tenho o disco em LP e CD e ele se chama… “No Answer”. Mas, como sempre, o revisor tem razão. O que acontece é que a edição americana (aquela que eu tenho) é que recebeu este lindo nome. E tudo por causa de um idiota da gravadora gringa que, sem saber qual era o nome do álbum quando recebeu a ordem de lançá-lo nos EUA, ligou para a matriz. Como não recebeu retorno, escreveu num papel: “No answer”. E voilá! Fez-se o nome. Acredite se quiser.
Pô…essa informação é muito legal. Poderia até ter entrado no texto.
Aliás…renderia uma matéria enorme as histórias sobre álbuns com diferentes nomes na Inglaterra e nos EUA…
Hoje isso quase não acontece, mas no passado era muito comum.
Tô achando que essa stória é mais uma das brincadeiras – como sempre hilárias – do Gaspari. Quanto ao texto, muito bom, engenhoso, e também muito útil. Conheço ELO há eras, mas ainda não parei pra escutar a discografia toda, nem havia ainda conferido nada do Move. Quanto ao Wizzard e à carreira-solo do cara, acho que vou dxar passar, pois bubblegum não é muito minha praia.
Eu não inventei nada. Essa história está inclusive na Wikipedia (hehe… não vale dizer que eles inventam). O som do Wizzard é bubblegum sabor morango, pois lembra muito os dois primeiros discos do Roxy Music, um tanto mais escrachado, misturando referências dos anos 50 com muita viadagem fake. E só para lembrar: o KISS também era bubblegum. Os discos solo são ótimos, mas não são para qualquer um, viu Adriano?
Muito bom mesmo….acho fantástico a maneira que você escreve….Parabéns novamente pelo texto e informação….Valeu !!!
NAZA
O Mestre Wood e o Mestre Gaspa só podia dar nisso, um baita texto! Parabéns!
“Fields of people” é da dupla Jon Pierson e Wyatt Day, que eram membros de uma banda da qual conheço pouca coisa, mas do que conheço gosto muito: Ars Nova. Realmente, há muitos tesouros a serem resgatados nos recônditos dos anos 60 e 70.
O livro Fuzz Acid and Flowers fala um pouco sobre o Ars Nova. Se quiser mais tarde copio aqui, mas duvido que não seja texto já postado em algum blogspot da vida.
Anotado o nome do livro, vou recorrer ao São Google… rsrsrs