Shows Inesquecíveis: R.E.M. (Porto Alegre, 6 de novembro de 2008)
Por Mairon Machado
O dia em que comemoramos aniversário é uma data extremamente especial. Afinal, é quando vemos que o tempo aos poucos está passando, que estamos amadurecendo, e que vencemos os desafios que apareceram até então, nos preparando para os próximos que com certeza aparecerão.
Muitos gostam de comemorar o aniversário sozinho. Outros, preferem dar uma grande festa de aniversário, regada a bebidas, bolos, salgadinhos, etc. Entre o mundo feminino, é comum a comemoração dos 15 anos, com esplendores e diversos aparatos que simbolizam a transformação da menina em mulher.
Eu nasci em 07 de novembro de 1982, na cidade de Pedro Osório, no antigo bairro Cerrito (hoje cidade de Cerrito), Rio Grande do Sul, em um domingo de Gre x Nal, onde o Internacional ganhou por 3 x 0 com três gols do centroavante Geraldão, e por pouco, meu pai não colocou meu nome de Geraldão (não era Geraldo, era Geraldão mesmo!), mas acabei ficando conhecido como Mairon.
Michael Stipe: extremamente carismático |
Lembro de muitos aniversários. Quando criança, eram muitos os amigos que se juntavam para comer os bolos enfeitados que minha mãe fazia. Depois, na adolescência, os anviersários eram comemorados na rua, à base de cerveja e violão. Com a fase adulta, e consequente mudança para a capital Porto Alegre, os aniversários viraram símbolo de união entre a turma de estudantes de pós-graduação do IF-UFRGS.
Mas, em 2008, a coisa foi diferente. Meu aniversário foi comemorado durante um fim de semana inteiro, graças a dois shows que eu sempre quis ver, mas não tinha tido oportunidade. O segundo deles foi o do grupo Nenhum de Nós, tradicional no rock gaúcho, e que apresentou um espetáculo bem intimista no maravilhoso Teatro São Pedro, de forma acústica e com muitos clássicos que marcaram minha vida. Joguem as pedras, mas esse show, realizado exatamente no dia 07 de novembro de 2008, foi muito bonito e, principalmente, muito legal da parte dos músicos por receber com muita atenção aos fãs nos camarins.
Um dia antes, o Nenhum de Nós já havia se apresentado, porém, em um espaço de dimensões bem maiores que o São Pedro, e em uma oportunidade única. O local é o Estádio Passo D’areia, conhecido também como o Estádio do Zequinha (apelido do time São José, ao qual o estádio pertence). A oportunidade: nada mais nada menos que abrir para a mais importante banda de pop rock dos Estados Unidos desde a década de 80, o R. E. M.
Porém, o show do R. E. M., no dia 06 de novembro, além de ter como atrativo para mim ser um dia antes de meu aniversário, também tinha uma complicação a mais. Exatamente na mesma época, o Sport Club Internacional estava disputando as quartas de final da Copa Sul-Americana, e naquele dia, iria decidir a vaga para a Semi-Final da Copa Sul-Americana com o Boca Juniors da Argentina, no mesmo horário do show.
Micael, eu e Lucas, diante do palco do show |
Sou um fanático torcedor colorado, e por vezes, pensei em não ir ao show. Afinal, o R. E. M. para mim era um bom grupo, com canções interessantes, mas certamente iriam voltar ao Brasil e poderia ver em outra data. Graças a um amigo meu, essa ideia não foi a que vingou. Lucas Nicolao, colega da pós-graduação em Física, foi quem me alertou da importância do show, dizendo que ia ser histórico, e que prometia bastante principalmente pelo lado emocional, e assim, eu comprei o ingresso e fiquei com o coração partido entre ver o jogo pela TV em um boteco qualquer ou ir para o Estádio e assistir a um show de rock. Dias antes do show, o meu irmão Micael Machado já estava na mesma situação que eu. Colorado também, decidiu que iria levar o rádio de pilha para o show, e assim, acompanhar o jogo ao mesmo tempo que acompanhava o show.
Chegou 06 de novembro. Lucas e eu estavamos ansiosos, e nos encontramos em um determinado local para irmos juntos ao show, pouco depois de eu ter encontrado o Micael. Fomos de ônibus até boa parte do local, comentando sobre a expectativa de o que que iria rolar de som, e sob um belo fim de tarde, caminhamos até o Estádio, onde a movimentação era intensa. Depois da famosa cerveja Polar descer pelas gargantas secas, entramos no estádio, onde o imenso palco já chamava a atenção.
Cenas estonteantes no telão do R. E. M. |
Curiosamente, bastou entrar no estádio para soprar um vento, que talvez, veio me dizer que os momentos a serem vividos ali a partir de então, seriam inesquecíveis. E assim o foram. Dentro do estádio, que foi sendo ocupado aos poucos, encontramos amigos, conhecidos e muita, mas muita gente que estava lá só para ouvir a clássica “Losing My Religion”. O total de público foi de 18 mil pessoas, e não dá para negar que pelo menos umas 15 mil estavam ali só por causa dessa canção. Eu mesmo não posso negar que também era um dos que estava lá perdido. Da discografia do R. E. M., conhecia bem apenas a fase de auge do grupo (Out of Time, de 1991; Automatic for the People, de 1992; e Monster, de 1994), então, “Losing My Religion”, sem dúvida o maior clássico dos americanos, era uma das que eu queria que eles tocassem.
Momento Obama: Stipe levanta cartaz do público em homenagem ao presidente americano |
As 20 horas, o Nenhum de Nós subiu ao palco, e em quarenta minutos, fez um show energético, entoando clássicos e mais clássicos com guitarras, baixo e bateria mandando ver (bem diferente do acústico do dia seguinte). Depois de aquecer a galera, era a vez dos roadies entrarem no palco e arrumar tudo para o grande nome que iria mudar o Estádio do Zequinha a partir de então.
Formado em 1979, o R. E. M. estava com quase 30 anos de carreira na época. Maduros e com muito sucesso, o grupo tinha acabado de lançar o ótimo Accelerate, décimo quinto álbum de estúdio do grupo, e contava com Michael Stipe (vocais), Peter Buck (guitarras) e Mike Mills (baixo, teclados, vocais). Infelizmente, o baterista Bill Berry se aposentou em 1997, e desde então, o grupo seguiu com Bill Rieflin (bateria) e também Scott McGauhey (guitarras). Essa foi a formação que entrou no palco por volta das 22 horas, sendo que pouco depois o Micael já me anunciava que o jogo do Inter havia começado.
O Lucas encontrou a namorada, e sumiu no meio da multidão. O Micael estava com um ouvido no radinho e outro no show, e aos poucos, foi afastando-se de mim. Eu, no meio da multidão, olhava encantado para o belo telão de fundo, enquanto Michael Stipe entoava a letra de “Living Well is the Best Revenge”. Descrever o show a partir de então é difícil. Cada música era uma aula de interpretação no palco, e principalmente, do carisma que Stipe tem.
Stipe, no meio dos gaúchos em “The One I Love” |
Não foram poucos os momentos em que ele parava diante do público e falava como estava encantado por estar em Porto Alegre. Claro, essa frase é manjada e tal, mas a forma como Stipe fazia, cativava. Era realmente emocional, e não apenas da boca para fora. As mensagens pró-Obama também apareceram diversas vezes. Esse foi o primeiro show do grupo após a eleição de Obama, e dentre as manifestações, inclusive um cartaz do público, saudando o atual presidente americano, foi levado até o palco à pedido do próprio Stipe, que durante “The One I Love”, jogou-se no meio dos fãs e ficou cantando de mãos dadas com os que estavam na frente do palco.
Musicalmente, apesar de o som ter começado baixo, depois que se equilibrou, tudo ficou perfeito. Foi possível ouvir com nitidez cada instrumento, e como a maioria das pessoas não conhecia as canções, podíamos ouvir cada canção com perfeição. Vários foram os momentos que fiquei de boa aberta. O telão alaranjado de “Orange Crush”, com cores vibrantes que balançavam automaticante a pupila, o emocionante momento acústico de “Let Me In”, a sombriedade de “Drive“, as amalucadas agitações de Stipe durante “What’s the Frequency Kenneth?”, mas nada, nada se comparava a sensação de paz, do carisma e da sensibilidade com que o R. E. M. estava tratando e emocionando o público.
As amalucadas danças de Stipe |
Vários foram os momentos que ouvi um que outro “participante” do show comentar sobre o jogo do Inter, que o time estava ganhando e tal, mas eu, eu estava embriagado com a música do grupo, e me concentrava em entender cada uma delas, que eram praticamente desconhecidas. “The One I Love” com certeza foi sensacional, e inesperada também. Ver Stipe, no meio do público, era algo que eu só podia ver nos antigos vídeos do R. E. M., quando nem eram tão famosos assim, e ele estava fazendo ali, a poucos metros de mim.
A primeira parte do show encerrou com uma das canções que eu mais gosto, a dificílima “Is the End of the World as We Know It (I Feel Fine)”, e então, nos preparamos para a segunda parte. Aqui, já se sabia que o Inter estava ganhando do Boca na Bombonera, que a linda noite de lua cheia estava começando a ter nuvens ameaçadoras de chuva, e que o show do R. E. M. havia deixado todos de boca-aberta, mas não era o suficiente.
Mills, com a camisa da seleção brasileira, e Stipe, ao vivo em Porto Alegre |
O trio (mais a dupla acompanhante) voltou ao palco com “Supernatural Superserious”, e com Mills vestindo a camisa da seleção brasileira, e depois, “Losing My Religion” arrancou as palavras dos 15 mil que só conheciam aquela canção, e que eu, sinceramente, não consegui cantar, pois a sensação de estar envolto pela música do grupo prendia minha voz. Eu só conseguia ouvir e viajar com o show. Veio ainda “Cuyahoga”, antes de Stipe agradecer à todos e finalmente cantar “Everybody Hurts“. Foi impossível segurar as lágrimas aqui. Se minha voz não falava, meu coração falou por mim. Alguém um dia disse: “Quem nunca chorou com Everybody Hurts é por que nunca ouviu a mesma”, e é verdade. Uma das melhores canções do melhor disco do grupo, o já citado Automatic for the People, ela é muito especial, e ao vivo, com os celulares fazendo as vezes dos antigos isqueiros, com Stipe carregando cada pessoa do estádio para ouvir a canção, as lindas palavras da mesma, formaram um complô que arrancaram lágrimas não só de mim, mas de todos que lá estavam. Era só olhar pro lado e ver todo mundo chorando, se abraçando, e um clima de paz que foi refletido no palco, onde os cinco membros se abraçaram, para encerrar o show com “Man on the Moon”, onde novamente Stipe voltou para o meio do público, se despedindo de nós já no dia 07 de novembro, e que para mim, tinha começado o aniversário tendo como presente a audição de “Everybody Hurts”.
Peter Buck |
Fomos para casa, eu e o Micael, anestesiados e quase sem falar um com o outro, principalmente pela embasbaquez que estavamos. Assim eram todos os que estavam no ônibus conosco. Ninguém falava com ninguém, mas todo mundo se olhava e apenas expressava um leve sorriso. O jogo do Inter parecia que não havia ocorrido, o que significava que naquele momento, a música havia ganho a batalha da paixão entre ela e o futebol. No dia seguinte, fui ver o Nenhum de Nós no São Pedro, e no sábado, dia 08, fomos numa churrascaria eu, o Micael e mais alguns amigos, para comemorar o aniversário. Por incrível que pareça, nós dois ainda estavamos um pouco anestesiados do show do R. E. M., e quase nem conversamos com os demais presentes.
Dois anos depois, exatamente no dia do meu aniversário, assisti Paul McCartney no Beira-Rio, outro momento inesquecível, mas que comparado ao que foi o show do R. E. M. em termos de apresentação carismática, não foi superável. Tanto que hoje, tenho toda a coleção do grupo em vinil e em CD, além de diversos singles que fazem parte de um acervo no qual venho admirando há três anos, conhecendo cada vez mais detalhes muito interessantes de uma das melhores bandas da história, a qual sabia como tratar seu público.
O telão durante “Orange Crush” |
Infelizmente, em setembro último, o R. E. M. anunciou seu fim. Ao mesmo tempo que lamentei o término do grupo, me senti honrado de ter visto os mesmos ao vivo naquela quinta-feira de 06 de novembro de 2008, um dos dias inesquecíveis que eu vivi, e que agradeço ao Lucas e ao Micael por terem vivido aqueles momentos comigo, e para Stipe, Buck e Mills por terem me dado o melhor presente de aniversário daquele ano, mesmo sem saber.
Set list.
1. Living Well Is The Best Revenge
2. I Took Your Name
3. What’s The Frequency, Kenneth?
4. Animal
5. Drive
6. Disturbance at the Heron House
7. Man-Sized Wreath
8. Ignoreland
9. Hollow Man
10. The Great Beyond
11. Electrolite
12. Imitation Of Life
13. Walk Unafraid
14. Let Me In
15. Find the River
16. Horse To Water
17. The One I Love
18. Bad Day
19. Orange Crush
20. It’s the End of the World as We Know It (And I Feel Fine)
Encore:
21. Supernatural Superserious
22. Losing My Religion
23. Cuyahoga
24. Everybody Hurts
25. Man on the Moon
Em primeiro lugar, meus parabéns pelo aniversário desta pessoa a quem amo muito, apesar de às vezes a gente ter algumas brigas que, caso não fôssemos irmãos, não sei como iriam terminar.
Depois, quero dizer que este foi realmente um excelente show. Devido ao fato de ninguém conhecer quase nada do repertório, a não ser alguns poucos fanáticos como eu, foi possível ouvir e ver o show inteiro com uma facilidade inacreditável devido ao número d epessoas que lá estavam. Sem empurra empurra, sem gritos histéricos, sem gente pulando na minha frente… apenas o bom e velho REM detonando com a qualidade de sempre.
Só nos "mega-clássicos" a plateia se empolgou de verdade, mas, como foram poucos, foi uma excelente noite de muita música boa ao som de uma das melhores bandas do mundo!
Parabéns pelo texto!
Muito boa sua história, Mairon. Depoimentos assim me fazem acreditar que vale a pena sim pagar pequenas fortunas para assistir às apresentações de músicos que tanto admiramos. É muito mais do que um grupo de pessoas sobre um palco tocando para uma plateia, é uma troca de emoções muito especial. Pode parecer piegas, mas cada música tem um valor diferente para cada pessoa, e ouvi-las sendo executadas por seus criadores pode ser uma experiência fantástica.
Aproveito para parabenizar esse cara que é o coração da Consultoria do Rock, e que mantém esse blog funcionando da maneira como funciona, com atualizações diárias, sem falhar nunca. Grande abraço, e no dia 25 de março, Roger Waters… é nóis!
Parabéns, Mairon. Pelo seu aniversário e pelo texto também.
Não sou muito fã muito fã do REM, mas sou seu fã.
Cara, me emocionei muito com a descrição. Nossa! Eu, morador de Fortaleza-CE talvez nunca tenha essa sensação por um bom tempo uma vez que aqui em Fortal, por enquanto, ainda não virou roteiro de grandes bandas… Mas um dia terei o prazer de ter essa sensação que vc teve! Parabéns cara por dividir com a gente esse momento tão singular na sua vida!
Grande Mairon!!
primeiro de tudo, meus sinceros parabéns a essa pessoa apaixonada e que irradia essa paixao e curiosidade aos que estão juntos.
cara, muito boa a historia do show como tu contou. pois foi algo de outro mundo mesmo, muito especial para cada individuo lah no meio do publico. foi muito bom toda a conversa preparativa contigo e com o Micael, indo ao show. alto astral e uma bela noite pairando sobre o Zequinha (depois daquele dia, o melhor lugar para shows de PoA).
pra mim foi uma marco para o inicio do namoro da minha atual esposa Carolina, tambem muito fã do REM. naquele dia eu ouvi e entendi as letras e as cançoes (talvez mesmo pelo carisma, mas o material e a banda toda muito boa em termos de energia), e isso me tocou profundamente. tocou mesmo no coraçao as letras e as musicas, mesmo as que não conhecia como a Hollow Man. foi um acontecimento magico.
outra coisa que me marcou muito foi mesmo o fato de TODO O ESTADIO cantar juntos a "Losing my Religion" e "Everybody Hurts". as duas são obras primas e famosas justamente por isso. na 1a porque tem uma letra enorme e complicada me surpreendeu que num país onde se fala portugues todo mundo cantar precisamente todos palavras… na 2a porque é uma canção que tu colocou muito bem o seu espirito, fala de um sentimento universal e a canção eh quase um abraço, e ouvir todos cantando juntos foi um grande comforto no coração. magico.
parabens e obrigado pelo texto cara, um forte abraço!
Po gurizada, valeu pelas mesagens! Lucas, muito legal ver teu comentario, e saber que foi naquele dia que começou teu relacionamento com a Carol
Forte abraço à todos