Por Mairon Machado
Dentre todos os membros que passaram pelo Yes, o tecladista Rick Wakeman é o que possui a maior discografia solo. Seu talento incomparável nos teclados o elevou rapidamente à categoria de melhor tecladista do rock, duelando tapa-a-tapa com outro monstro dos teclados, Keith Emerson (Emerson Lake & Palmer, The Nice, …).
Wakeman nasceu no dia 18 de maio de 1949, em Londres, e começou a tocar piano com apenas cinco anos. Com 12 anos, adquiriu seu primeiro teclado, e não parou de evoluir, entrando para a Royal College of Music com apenas 18 anos. Na conceituada escola britânica, Wakeman estudou piano, clarinete, orquestração e composição. Com apenas um ano, passou a se destacar como o melhor músico daquele local, chamando a atenção de diversos artistas que passaram a procurá-lo para gravações.
Um desses artistas foi David Bowie. Fascinado com o talento do jovem loiro, Bowie assinou um pequeno contrato com Wakeman, no valor de nove libras, onde ele tocou mellotron na clássica “Space Oddity” (do álbum de mesmo nome, lançado em 1969). Essa foi a primeira de uma série de gravações de Wakeman para Bowie, que conteve também “
Life on Mars?“, “Changes” e “Oh! You Pretty Things”, todas do álbum
Hunky Dory (1971), com Wakeman tocando piano, e “Absolute Beginners”, da trilha do filme de mesmo nome, lançado em 1985.
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Wakeman (primeiro da direita para a esquerda) no Strawbs |
Pouco depois de gravar “
Space Oddity“, Wakeman passou a integrar o grupo Strawbs, com quem gravou o segundo álbum da discografia do Strawbs,
Dragonfly (1970), e o belo ao vivo
Just a Collection of Antiques and Curios (1971), destacando a longa “The Antique Suite”. Outro grande destaque desse álbum é “Temparament of Mind”, uma mágica peça solo de Wakeman, que demonstra todo seu talento ao piano, levando-o para a capa da revista Melody Maker com o título de “Tomorrow’s Superstar” (A Super-estrela de amanhã). Wakeman chegou a participar das sessões de gravação do terceiro álbum do Strawbs,
From the Witchwood (1971), mas saiu do grupo pouco antes do lançamento do mesmo, para substituir Tony Kaye no Yes.
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Wakeman no período de seu primeiro álbum solo |
O talento e a personalidade de Wakeman era exatamente o que Jon Anderson e Chris Squire estavam procurando para a nova fase do Yes. Com apenas 22 anos, Wakeman era o maior talento disponível, e ainda, capaz de executar as complicadas criações que as mentes geniais de Anderson, Squire e Steve Howe estavam criando, ou ainda, ampliar a mente dos mesmos. Ao lado dos três citados e do baterista Bill Bruford, Wakeman fechou a principal formação do Yes, gravando os essenciais Fragile (1971) e Close to the Edge (1972). Bruford saiu, entrando Alan White em seu lugar, e então, Wakeman gravou mais um disco, Tales from Topographic Oceans (1973), além de participar do ao vivo Yessongs (1973).
No início de 1973, Wakeman lançou seu primeiro álbum solo,
The Six Wives of Henry VIII, onde mostra seus dotes através de um álbum instrumental conceitual, utilizando diversos teclados e contando com a participação dos colegas de Yes Bill Bruford, Steve Howe, Chris Squire, Alan White, entre outros músicos. Os destaques desse álbum são “
Catherine of Aragon” e “
Anne Boleyn“, fazendo com que
The Six Wives of Henry VIII tornasse aclamado mundialmente, com a revista TIME elegendo-o um dos melhores discos de 1973, e conquistando ouro dois anos depois.
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Jornal brasileiro anunciando a entrada de Moraz no Yes |
O sucesso de sua carreira solo, e o desagrado com as questões internas do Yes, com canções cada vez mais complexas, e com Anderson e Howe mandando cada vez mais no grupo, levou o tecladista a seguir sua vida sozinho, sendo substituído por Patrick Moraz, chegando então na origem dessa sequência de matérias sobre os álbuns solos dos músicos do Yes.
A primeira tarefa de Wakeman foi mostrar aos ex-colegas que ele era capaz de sozinho, conseguir construir um álbum conceitual melhor do que Tales from Topographic Oceans (que foi quase que totalmente criado por Anderson e Howe). Então, ainda pertencendo ao Yes, resolveu construir um ambicioso projeto, que era uma peça teatral em homenagem a uma das obras de Julio Verne.
Em menos de um mês, Wakeman apresentava para a gravadora A&M inglesa (lembrando que o Yes pertencia a Atlantic Records) o seu novo trabalho: Journey to the Centre of the Earth. Os rascunhos indicavam um disco duplo, com apenas uma música narrando todo o livro do autor francês. Além disso, o recheio da obra estava escondido sob um coral, orquestrações e um livro recheado de ilustrações. A gravadora britânica vetou a ideia, pois o custo era altíssimo. Mesmo com algumas bandas já tendo contratado orquestras para gravações (Moody Blues, Pink Floyd, Deep Purple), a A&M não estava disposta a bancar seu dinheiro para investir em um projeto que, da forma que estava, tinha tudo para dar errado.
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Wakeman: o criador único de uma obra-prima do progressivo |
A solução encontrada por Wakeman foi viajar até os Estados Unidos, e lá convencer os produtores americanos da A&M a realizarem a obra. No final, tanto a A&M americana quanto inglesa resolveram apoiar o projeto, desde que ele fosse encurtado para um disco simples, sem o álbum de ilustrações, e que fosse gravado ao vivo, o que diminuiria bastante em termos de horas em estúdio, ainda mais se o ingresso fosse cobrado.
No dia 18 de janeiro de 1974, durante uma pausa da turnê de
Tales From Topographic Oceans, o show apresentando
Journey to the Centre of the Earth foi realizado e gravado no Royal Festival Hall de Londres, contando com a participação da Orquestra Sinfônica de Londres e o Coral de Câmara Inglês (os quais foram regidos por David Measham), uma banda formada por Gary Pickford-Hopkins e Ashley Holt (vocais), Mike Egan (guitarras), Roger Newell (baixo) e Barney James (bateria), além de um narrador, David Hemmings. Os arranjos ficaram a cargo de Danny Beckerman e Wil Malone, com o próprio Wakeman participando de muitas partes dos mesmos.
O show foi de extremo sucesso, tanto de crítica quanto de público. Quem participou recebeu um livro que, além do programa, contava as principais partes do que iria ocorrer, histórias sobre os membros da banda e, ainda, que o projeto estava sendo gravado e pronto para ser lançado em abril daquele ano. Na oportunidade foram executadas as seguintes músicas: “Sinfonia No 1 in D Minor – Opus 13, de Rachmaninov”; “Catherine Parr”; “Improviso 1”; “Catherine Howard”; “Anne Boleyn”; “Improviso 2” e a peça central, “Journey to the Centre of the Earth” na sua totalidade, dividida em quatro partes.
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Cenas do show de Journey to the Centre of the Earth |
Após o evento, o Yes voltou à tona com a parte americana da turnê de Tales From Topograhic Oceans. Com a agenda cheia, e com Tales from Topographic Oceans subindo sem parar nas paradas de vendas, Wakeman e a A&M engavetaram o projeto de lançamento de Journey to the Centre of the Earth por um tempo. Na verdade, Wakeman voltou a surtar, exigindo que o álbum fosse lançado de forma quadrifônica e requerendo novamente a presença do livro de ilustrações, e a A&M britânica não estava nada satisfeita com tudo aquilo. Além disso, o tecladista estava bastante empolgado com a receptividade do público para os efeitos que vinham sendo apresentado na turnê do Yes, e demonstrava um claro interesse em excursionar com o projeto de Journey to the Centre of the Earth, em uma forma bem diferente dos demais projetos que a gravadora já havia feito.
Com o término da turnê de Tales from Topographic Oceans, e com os bolsos recheados de dinheiro pelas enormes vendas do mesmo, Wakeman pediu as contas do Yes e decidiu voltar suas atenções para seu projeto solo. Ao saber da negativa da A&M britânica, novamente Wakeman recorreu aos americanos. Como o nome de Wakeman havia subido bastante por lá, a parte americana da gravadora resolveu bancar a loucura do tecladista, investindo no lançamento do álbum e também na turnê de promoção do mesmo.
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Detalhes do programa de Journey to the Centre of the Earth |
Em maio de 1974 chegou às lojas o álbum Journey to the Centre of the Earth, com a gravação realizada em janeiro daquele ano. O disco vinha em duas versões, uma com o formato de gravação normal e outra com gravação quadrifônica (surround sound) com o sistema CD-4, sendo o primeiro da gravadora a ser feito desta forma. A versão quadrifônica é raríssima, mas para quem tem fica clara a diferença, mesmo quando o LP é ouvido em um sistema de dois canais.
A obra contida nos sulcos do LP é uma mistura dos planos iniciais de Wakeman, e, para quem conhece o livro que o acompanha, nota-se a ausência de algumas partes, enquanto outras estão fora de ordem (principalmente em termos das letras). Dividido em quatro partes (“The Journey”, “Recollection”, “The Battle” e “The Forest”), o álbum apresenta grandes sequências instrumentais, com Wakeman sendo o principal protagonista, logicamente, e as quais são intercaladas por diversas narrações e partes cantadas, ora pelo coral, ora pelos vocalistas.
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Parte do livreto que acompanha a versõ original do LP |
O grande destaque vai logo para a abertura. “The Journey” é uma épica canção, marcada pela riqueza e harmonia da distribuição da orquestra com o coral e os teclados. A canção abre com os metais e os sintetizadores fazendo o marcante tema inicial, envolto por camadas de vocalizações. Cada vez mais metais são adicionados ao tema, enquanto Wakeman continua fazendo seu trabalho nos sintetizadores. A entrada do moog leva ao famoso tema dos metais, com os sinos tubulares e as cordas aparecendo na segunda parte do tema.
Os metais fazem a primeira parte do tema, com as cordas fazendo solos entre cada execução dos temas, e então, a imponente introdução dá lugar ao moog de Wakeman, as cordas e aos sinos tubulares. Wakeman executa uma bonita melodia no moog, trazendo os vocais de Gary Pickford-Hopkins, cantando a letra da canção na mesma melodia do moog, falando sobre como os homens começaram a viagem ao centro da Terra. Uma guitarra manhosa faz variações no volume entre as frases cantadas por Gary, enquanto Wakeman dedilha seu piano elétrico.
Metais fazem a ponte para a segunda estrofe da letra, no mesmo andamento da primeira, e então, Wakeman passa a solar no moog. Ashley e Gary dividem os vocais da parte central da canção, com um belo crescendo das cordas, com Wakeman solando acompanhado pelas belas vocalizações do coral, e de um leve ritmo da bateria, baixo, guitarra e cordas.
O apresentador David Hemmings então surge, fazendo uma pequena narrativa sobre como os personagens da história estão vendo a descida ao centro da Terra através da imensa cratera de um vulcão, onde o líder da expedição é o Professor Lidenbrook, que escolhe seguir por um caminho que lembra catedrais góticas, trazendo corais e metais, que entoam uma belíssima melodia.
David conta mais um pouco da história, onde os personagens chegam em um beco sem saída, e depois de três dias de viagem, os personagens começam a passar sede, até que Hans, o guia principal, ouve barulhos de água através de uma parede, e através de batidas de picareta, os personagens furam a parede, encontrando não somente água, mas também um caminho que os levará para o centro da Terra, batizando o caminho de Hansbach.
Wakeman faz outro breve solo, e assim, cordas e teclados, em uma sessão leve e viajante, com os metais rememorando o tema inicial de “The Journey”, juntamente dos sintetizadores, levam para a segunda parte de Journey to the Centre of the Earth, chamada “Recollection”, através de mais uma pequena narrativa, onde David conta que um dos personagens, Axel, sobrinho do Professor Lidenbrook, perdeu-se do grupo, encontrando-se sozinho e com medo. Entre muitas alucinações, Axel corre em um túnel sem saída, caindo no meio da escuridão, onde ouve as vozes de seu tio muito à distância, e assim, começou a difícil tarefa de encontrar seus companheiros de viagem.
Aqui, encerra-se “The Journey”, mas a viagem ao centro da Terra irá continuar, com muito virtuosismo por parte de Wakeman, e muitos momentos inesquecíveis através das demais canções que complementam o álbum.
O disco foi um sucesso, e até hoje já vendeu mais de 14 milhões de cópias em todo o mundo, sendo que alcançou em pouco mais de uma semana o topo de vendas nos charts ingleses. O livreto contém belas ilustrações, e o álbum em si é uma das peças obrigatórias nas coleções de rock progressivo.
Com o sucesso do álbum, Wakeman partiu para a segunda parte de seu projeto, que era a ambiciosa turnê de promoção do mesmo, trazendo os temas do disco não para o palco, mas para a plateia. Assim, a Journey Tour começou pela América do Norte, passando por Europa, Japão e Austrália, além de concorridos shows no Brasil, cujo resultado foi totalmente satisfatório, com Wakeman tocando em Porto Alegre (Gigantinho), São Paulo (Ginásio da Portuguesa) e Rio de Janeiro (Maracanãzinho), tendo todos os ingressos esgotados. Durante a apresentação do álbum, a narração ficou a cargo de Paulo Autran (São Paulo e Porto Alegre) e Murilo Neri (Rio de Janeiro), e Wakeman mostrou o gigantesco lagarto e uma enorme serpente que circundava a plateia.
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Vídeo da turnê Arthur on Ice |
Depois, Wakeman seguiu sua carreira solo em outro ambicioso projeto, a Arthur on Ice, onde o seu terceiro álbum solo, The Myths and Legends of KinG Arthur and the Knights of the Round Table (1975), era apresentado em um magnífico cenário sobre o gelo, com patinadores fazendo o papel de atores da peça teatral criada pelo tecladista.
A gravadora A & M quase foi a falência com o bancamento dessa turnê, e com os bolsos furados, encerrou os financiamentos megalomaníacos de Wakeman, que no meio da Arthur on Ice Tour, sofreu um infarto pouco antes de entrar no palco, aos 25 anos. O infarto não trouxe consequências físicas para Wako, mas, musicalmente, o tecladista passou a investir mais em vendas de discos e abandonou as mega-turnês para sempre. Mais detalhes dessas turnês podem ser conferidas
aqui.
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O disco de Wako com Anderson |
Em 1977, voltou para o Yes, onde gravou o espetacular
Going for the One (que contém a Maravilha “
Awaken“) e também
Tormato (1978), saindo em 1979. Sua vida depois disso foi de idas e vindas entre o Yes e sua carreira solo, com uma passagem também pelo projeto
Anderson Bruford Wakeman Howe (1989), o qual encerrará o Maravilhas do Mundo Prog desse ano na semana que vem. Em 2010, ao lado de Jon Anderson, lançou o álbum
The Living Tree, com bonitas canções, mas que não fez muito sucesso.
Em carreira solo, jamais Wako conseguiu atingir o ápice dos anos 70, e mesmo a conslusão da obra original de Journey to the Centre of the Earth, lançada em Return to the Centre of the Earth (1999), conseguiram fazer com que alguma canção recebesse a atenção dos fãs do prog, e principalmente, conquistasse a impactante posição de uma obra-prima e essencial como Journey to the Centre of the Earth.
Tenho o CD e já vi esse DVD. Tenho que adquirí-lo…
Fantástico!!!! Não tem outra coisa para falar.
O amigo Leonardo Merlinus, o Mago, diz que ele é o maior músico vivo. E tendo a concordar com ele.
Puxa saco!!!
Como tecladista, eu prefiro o Keith Emerson [acho que o Tony Banks tb]. Como compositor, prefiro mil outros. Mas esse disco é muito bom, sim! Eu o tinha, mas o vendi ao progger-related aí de cima.. Pretendo recuperá-lo em vinil.
P.S.: A grande Maravilha escrita pelo Wakeman se chama "Guinnevere".
Hahaha
Ainda com essa história de prog-related…rs
Tenho certeza que esse disco está muito mais feliz aqui comigo. Afinal eu sou realmente um grande de fã de Rick Wakeman e vc é paga pau do Emerson, que para mim ficaria em quarto lugar entre meus tecladistas preferidos, sendo que o pódio teria o Rick Wakeman, seguido do Rick e depois do Wakeman…
Puxa saco!!! [2]
Tenho esse disco, aliás foi o primeiro que comprei, Rick Wakeman é um Mestre.
Adorei teu texto, um grande abraço!
Obrigado Angela. Acompanhe-nos agora no site consultoriadorock.com. Abraços
É o melhor que existe até hoje