Por Micael Machado
Poucos grupos podem se orgulhar de ter criado um estilo musical. Os britânicos do Carcass, se não foram os criadores, foram pioneiros do chamado
splatter metal, um death metal veloz e até um pouco tosco com letras tratando sobre cadáveres em decomposição, feridas purulentas, vísceras humanas putrefatas e outras coisas belas e delicadas como estas. Registrados pelo trio Jeff Walker (baixo, vocais gritados), Bill Steer (guitarras, vocais urrados/guturais) e Ken Owen (bateria), seus dois primeiros discos,
Reek of Putrefaction (1988) e
Symphonies of Sickness (1989), são considerados clássicos do estilo, e definiram as bases para seus seguidores.
O acréscimo do guitarrista Michael Amott ainda antes do lançamento do terceiro álbum (Necroticism – Descanting the Insalubrious, de 1991), levou o som do então quarteto a um novo patamar musical, graças aos solos extremamente talentosos do novo membro (Steer era o responsável por todas as bases em estúdio), e a composições melhores elaboradas, que (pecado quase mortal) incluíam algumas doses de melodia em seus arranjos. O lançamento seguinte, Heartwork (1993), “amaciou” ainda mais a sonoridade do grupo, chegando mais perto do thrash e do metal tradicional, além de abolir de vez os vocais guturais. O disco estourou em muito graças à MTV e à exposição dos clipes da faixa título e de “No Love Lost“, e fez o Carcass ser reconhecido por muita gente fora do “nicho” do death metal, sendo inquestionavelmente um clássico da música pesada mundial, e o melhor lançamento do grupo.
Após a turnê de promoção, Amott deixou seus companheiros para realizar as suas ambições musicais nas bandas Arch Enemy e Spiritual Beggars, quase ao mesmo tempo em que o Carcass deixava a independente Earache para assinar com a gigante Columbia, a qual pretendia tornar o som do grupo mais “comercial” e capitalizar em cima da exposição que os ingleses haviam conseguido.
Gravado entre muitas discussões entre o quarteto (completado por Carlo Regadas na guitarra solo) e o novo selo, Swansong, o álbum resultante, saiu muito diferente daquilo que a Columbia queria. E do que os fãs esperavam…
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A formação de Swansong: Ken Owen, Carlo Regadas, Bill Steer e Jeff Walker |
O grupo entrou em estúdio com dezessete faixas prontas para serem registradas, mas a gravadora não via nelas potencial comercial suficiente. As disputas entre os dois lados acabaram fazendo o Carcass rescindir o contrato e voltar à Earache, que seria a responsável por lançar o álbum quando a banda já estava desfeita, o que inviabilizou uma turnê de promoção. As doze faixas que acabaram constando da edição final são ainda mais lentas e melódicas que as composições de Heartwork, muito mais próximas do thrash do que do death metal das origens do quarteto.
A mudança até não é tão grande na faixa de abertura, a excelente “
Keep On Rotting in the Free World“. Além de o título ser uma brincadeira com a música “Keep on Rocking in the Free World”, de Neil Young, esta é a minha música favorita do álbum (ao lado da cadenciada “
Tomorrow Belongs to Nobody” – e que baita letra essa composição possui!). Ríspida, agressiva, e ainda assim melódica e cativante, “…Rotting…” introduz outra característica dissonante em relação aos álbuns anteriores: um conceito lírico completamente diferente, tratando não mais de assuntos “nojentos” (que ainda estavam presentes, ainda que em menor número, no disco anterior), mas de críticas à sociedade, à maneira de viver da maioria das pessoas e até de assuntos políticos, como é o caso de “
R**k The Vote“, outra bela composição, com um dos riffs mais memoráveis do álbum e uma parte próxima do “pula pula” do nu metal, e que fica na mente por muito tempo.
“Cross My Heart” tem algo de Megadeth em seus riffs, enquanto “Child’s Play” tem lá pelo meio uma passagem típica do Black Sabbath dos anos 70. Os riffs de “Polarized” parecem saídos de um filme de suspense, e “Firm Hand” tem o início mais agressivo e o solo mais veloz do álbum, mas também é bastante melódica, e tem até trechos com violão misturados às linhas de guitarra após o refrão, coisa impensável nos primeiros discos.
“
Room 101” é outra música marcante, com um grande riff de Steer e dois solos sensacionais próximo ao final. “Generation Hexed” é uma das mais rápidas, contrastando com “Black Star”, onde a baixa velocidade dá destaque à participação do baixo de Walker, principalmente no refrão. “Don’t Believe a Word” tem partes quase de doom metal em sua lentidão (quanta diferença em relação aos primeiros discos!), e “Go To Hell” fecha tudo com chave de ouro.
A versão japonesa contava com uma faixa bônus, “
Death Rider Da” (uma curta brincadeira com base no riff de “R**k The Vote”), e as cinco faixas não aproveitadas acabaram sendo lançadas na essencial compilação
Wake Up and Smell the… Carcass, de 1996, com destaque para “
Edge of Darkness” e “
I Told You So (Corporate Rock Really Does Suck)“. Além disso, uma nova versão foi lançada (junto com outros álbuns da discografia) em 2008, “oficializando” “Death Rider Da” e contando com um DVD com a última parte do documentário
The Pathologist’s Report, que conta a história do Carcass.
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Foto presente no encarte de Swansong |
Quando o grupo se reuniu em 2007, a maioria das faixas executadas nos shows eram de Necroticism ou de Heartwork, sem dúvidas os favoritos dos fãs, mas “Keep on Rotting in the Free World” estava sempre no set list representando Swansong, um disco que muitos dos apreciadores do Carcass não compreenderam à época, mas que aqueles que gostam de uma sonoridade mais melódica (como é o meu caso) logo adotaram como um dos favoritos do conjunto inglês. Pena que poucos foram aqueles que lhe deram uma chance. Não teriam do que se arrepender.
Keep on rotting, keep on hoping, keep on dreaming. “One day maybe”…
Track list:
1. Keep on Rotting in the Free World
2. Tomorrow Belongs to Nobody
3. Black Star
4. Cross My Heart
5. Child’s Play
6. Room 101
7. Polarized
8. Generation Hexed
9. Firm Hand
10. R**k the Vote
11. Don’t Believe a Word
12. Go to Hell
Eu faço parte da maioria apontada pelo Micael, que prefere os álbuns "Necroticism…" e "Heartwork", duas provas de quanto o Carcass se preocupava em constantemente evoluir com qualidade, apontando novos caminhos para o death metal. Mas também curto muito "Swansong", dono de uma pegada que ressalta as características melódicas inseridas no anterior e traz uma pegada mais thrash em diversos momentos. Por mim, o grupo poderia incluir mais algumas faixas desse disco em seus shows que seria ótimo…
maximum pá de ouro aqui comentando em um artigo de 13 anos atrás, mas para mim é um excelente album perdendo pro Heartwork apenas por causa da faixa-título deste segundo, que é simplesmente uma obra prima, esse vocal icônico do Jeff Walker com guitarras barítonas pesadíssimas junto com a pegada rock n roll do album são únicas, acho que não tem album igual (e se tiver alguém me recomende please)
Obrigado pelo comentário, mesmo em um texto já com 13 anos de publicação (e justamente por isto, por ter dedicado tempo a uma publicação tão “antiga”)!
Eu não conheço outros discos neste estilo, pois, embora ele seja classificado (junto com outras bandas) como “Death ‘n’ Roll”, eu nunca procurei ouvir outros representantes do estilo para aprofundar meu conhecimento sobre ele… Nessa, vou ficar devendo!
Vim do Futuro para afirmar que esse Disco é um dos meus favoritos da minha vida e um dos melhores discos de Death N Roll da Historia Carcass é um ponto fora da curva no Metal Extremo, Literalmente apadrinhou o MeloDeath e o Gore Grind e fez passagens pelo Death n Roll, Grande B.O das bandas de Death são que elas se prendem dms a aquele som cliche e pouco inovam… já o carcass soube inovar.