Como se não fosse suficiente ter lançado um álbum magnífico em 1976, o Thin Lizzy lançou dois! Tendo sido forçado a abortar a turnê para
Jailbreak na metade em função de uma hepatite contraída por Phil Lynott, a banda retomou antes do planejado os trabalhos para sua sequência, o igualmente clássico
Johnny the Fox. Azeitada como nunca, a máquina que conduzia o grupo continuou produzindo material de qualidade em grande profusão, resultando em um álbum que uniu com propriedade o típico peso do hard rock a um groove irresistível, que diferenciava o Thin Lizzy da grande maioria das bandas europeias do gênero. A obsessão de Phil para com os Estados Unidos em suas letras continua em
Johnny the Fox, presente em músicas como “Fool’s Gold” e
“Massacre”, esta última, aliás, prova incontestável da influência exercida pelo Thin Lizzy nas bandas da NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal), dotada de riffs espertíssimos e de uma condução digna do talento de Brian Downey, um dos mais injustamente esquecidos bateristas que o rock já revelou. Não à toa, um dos maiores grupos de heavy metal de todos os tempos, o Iron Maiden, já homenageou o Thin Lizzy coverizando essa canção. A execução de riffs unindo baixo e guitarras como apenas um instrumento permeia a ótima
“Johnny”, pontuada por ótimos solos dos guitarristas Scott Gorham e Brian Robertson, enquanto “Rocky” traz a história de um presunçoso rock star (que supostamente seria Robertson) através de uma canção pesada e rica nas dobras de guitarra que tornaram-se característica marcante do Lizzy. Brian Robertson também é o coescritor de “Borderline”, lamento de um homem rejeitado na forma de uma bela balada sem um pingo de breguice. O hit do disco surge através da curta
“Don’t Believe a Word”, dona de um riff simples porém hipnótico, denotando as saudáveis influências blues carregadas por Phil. “Fool’s Gold” é exemplo de como não são necessárias canções épicas para narrar fatos históricos, apresentando a fuga em massa de irlandeses para os Estados Unidos em função da fome atravessada durante o século XIX. A malandragem típica de Phil encontra sua maior manifestação em “Johnny the Fox Meets Jimmy the Weed”, apresentando, sob um instrumental cheio de balanço, algo que pode ser definido como um rap primitivo. O lado mais melódico do Lizzy manifesta-se novamente em “Old Flame” e “Sweet Marie”, mas a finalização do disco se dá com a grooveada “Boogie Woogie Dance”, na qual Lynott e Downey constroem uma sólida base para os vôos guitarrísticos de Gorham e Robertson, carregados de efeitos.
Johnny the Fox é ótimo de cabo a rabo, garantia de uma audição prazerosa, clamando pelo
repeat.
É praticamente impossível definir qual meu álbum favorito do Thin Lizzy, tendo em vista a grande qualidade expressa de
Fighting (1975) a
Black Rose (1979), mas
Bad Reputation traz aquela que possivelmente é minha canção favorita do grupo, a esplêndida
“Opium Trail”, belo exemplo da simbiose entre as guitarras e o baixo de Phil na construção de riffs marcantes e bases perfeitas para que o vocalista expresse seu apurado senso melódico ao microfone, construindo linhas vocais que fogem de clichês e refletem seu talento. Como a capa do disco denota, o errático Brian Robertson se fez ausente na maior parte das sessões de gravação, contudo, o trabalho foi extremamente bem preenchido por Scott Gorham, algo nítido desde as belas melodias executadas na guitarra em “Soldier of Fortune” até suas sensíveis mas certeiras intervenções na derradeira “Dear Lord”. A
faixa-título, além de apresentar uma letra que se encaixa perfeitamente à condição do Lizzy na época, é perfeito exemplo da união única de peso e groove que a banda praticava com tanta maestria na segunda metade dos anos 70, sem falar nas encaixadíssimas viradas de bateria executadas por Brian Downey. “Southbound” e
“Dancing in the Moonlight” trazem uma sensibilidade pop invejável; a primeira através de agradáveis melodias executadas na guitarra, “conversando” com o vocal de Phil, enquanto a segunda apresenta um irresistível convite ao balanço, inclusive trazendo como complemento o estalar de dedos e a presença de um bem vindo saxofone. A criatividade do grupo não para por aí, pois “Killer Without a Cause” une com naturalidade riffs heavy metal, bases executadas ao violão e o uso do
voice box, cortesia de Robertson. “Downtown Sundown” acalma os ânimos, mas “That Woman’s Gonna Break Your Heart” recoloca os níveis de adrenalina no alto, com seu marcante riff principal, que serve de perfeita cama para as linhas vocais de Lynott. Brian Robertson acabaria deixando o Thin Lizzy definitivamente após a turnê para
Bad Reputation, sendo substituído por um velho conhecido, mas ainda deixaria sua marca em
Live and Dangerous (1978), álbum duplo ao vivo compilando faixas apresentadas sobre os palcos durante 1977. Pode ser que o disco, como denotam muitos rumores, tenha sofrido uma grande série de
overdubs em estúdio, mas a verdade é que, mesmo assim, trata-se de um dos melhores registros ao vivo de uma grande banda, apresentando material de qualidade irrepreensível.
Após duas passagens pelo grupo que acabaram não rendendo um álbum, finalmente Gary Moore registrou devidamente sua presença na discografia do Thin Lizzy, com aquele que é tido como o último registro verdadeiramente clássico do grupo, o inspirado
Black Rose. Variado, o disco apresenta desde canções essencialmente roqueiras, como “Toughest Street in Town” e “Get Out of Here”, até momentos de fina delicadeza, elevada ao máximo em
“Sarah”, suave canção escrita a respeito da então recém-nascida filha de Phil Lynott (“Sarah” ainda traz a harmônica de Huey Lewis, que ficaria famoso nos anos 80 com a banda Huey Lewis and the News). No meio disso tudo, ainda havia espaço para as percussivas “Do Anyting You Want To” e “S&M”, além das sempre bem vindas características pop do Lizzy, dosadas com sapiência na magistral
“Waiting For a Alibi”, que mesmo assim é conduzida pelas guitarras de Gorham e Moore, despejando licks e solos que emprestam um dinamismo invejável à música. “With Love” une texturas de guitarra e violão de maneira agradabilíssima e ainda traz a presença do amigo Jimmy Bain (Rainbow, Dio) no baixo. Apesar do alto nível geral, o maior destaque do álbum é sua épica
faixa-título, um compêndio de canções tradicionais irlandesas arranjadas por Lynott e Moore, imprimindo um exótico toque celta ao hard rock do Thin Lizzy, além de destacar o absurdo talento de Gary para construir solos de alto nível. É sintomático que, no track list, logo após “Sarah”, homenagem à sua filha, Phil admita, através da letra de “Got to Give It Up”, que precisava largar os vícios que estavam consumindo sua vida. Infelizmente, o baixista e vocalista ainda lutaria muito contra esses demônios, que acabariam afetando negativamente a música produzida posteriormente pelo Lizzy.
Chinatown [1980]
Cansado dos excessos cometidos durante a turnê para Black Rose, Gary Moore deixou o grupo e foi substituído por Snowy White (Pink Floyd). Além disso, o jovem tecladista Darren Wharton juntou-se extra-oficialmente ao Thin Lizzy, transformado então em um quinteto. Muitos creditam à entrada de White, um guitarrista dono de uma pegada mais bluesy, não muito chegado a sonoridades mais pesadas, o fato de Chinatown ser um tanto inferior a seus predecessores, mas a verdade é que diversos detalhes contribuíram para isso, incluindo a produção mais “magra” e o próprio desinteresse de Phil Lynott, que lançou por sua conta, no mesmo ano, o disco Solo in Soho. Além disso, seu vício em drogas pesadas, assim como o de Scott Gorham, atingia níveis cada vez mais perigosos. Mesmo assim, Chinatown é recheado de momentos tipicamente Lizzy, como as belas dobras de guitarra em “We Will Be Strong”. O lado mais pesado do grupo aparece na boa faixa-título, em “Killer on the Loose” e no destaque “Genocide (The Killing of the Buffalo)”, mas acaba atenuado pela produção, executada pelo grupo ao lado de Kit Woolven. “Having a Good Time” é uma divertida canção de letra despretensionsa, na qual Phil inclusive introduz seus guitarristas pelo nome antes de seus solos. As sempre presentes ambições pop de Phil manifestam-se através da agradabilíssima “Sweetheart” e na balada “Didn’t I”, enquanto o hard suingado dá as caras em “Hey You” e “Sugar Blues”, dona de uma letra que é mais uma clara referência aos vícios de Lynott, dessa vez a heroína. É necessário destacar a capa de Chinatown, um dos diversos e belíssimos trabalhos feitos pelo ilustrador Jim Fitzpatrick para o grupo, junção que uniu imagem e música como em poucas outras bandas de rock.
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Thin Lizzy com Snowy White, segundo da esq. para a dir. |
Renegade [1981]
Tido por muitos críticos e fãs como o álbum mais fraco da carreira do Thin Lizzy, Renegade pode não fazer jus aos discos lançados na segunda metade dos anos 70, mas não fica devendo a Chinatown em termos de qualidade. Na verdade, a abertura com a praticamente heavy metal “Angel of Death”, coescrita pelo agora oficializado Darren Wharton, eleva as esperanças, mas elas são frustradas pela faixa-título, que alterna bons momentos com outros mais capengas. “The Pressure Will Blow” traz um bom trabalho de Scott e Snowy, mas os vocais de Phil soam sem a mesma audácia de poucos anos atrás. Contudo, isso não quer dizer que o álbum decepcione: o rock suingado de “Leave This Town” empolga, e “Hollywood (Down on Your Luck)” tinha tudo para se tornar um clássico da então crescente NWOBHM, mas acabou tendo suas qualidades um tanto atenuadas pela produção lustrosa em excesso. “Fats” homenageia o cantor e pianista norte-americano de rhythm ‘n’ blues Fats Domino, também um dos precursores do rock ‘n’ roll, e expressa sua influência através de um instrumental malandro e cheio de balanço. O disco encerra-se em alta com “It’s Getting Dangerous”, boa canção, mas que merecia ser melhor trabalhada. Você pode ler uma resenha mais detalhada de Renegade nesse link.
Thunder and Lightning [1983]
O último lançamento de estúdio do Thin Lizzy conseguiu demonstrar um gás renovado, muito disso devido à entrada do talentoso guitarrista John Sykes no lugar de Snowy White, uma jovem promessa proveniente de uma das melhores bandas reveladas pela NWOBHM, o Tygers of Pan Tang. Darren Wharton também se faz presente com mais personalidade, algo bem claro desde a introdução ao teclado para a faixa-título, que abre o álbum, logo acompanhada do ataque selvagem às guitarras de Sykes e Gorham, de uma maneira que o Lizzy não fazia tão bem desde Black Rose. Apesar de ter sido produzido por Chris Tsangarides, o mesmo profissional que cuidou do polido Renegade, dessa vez o álbum soa mais agressivo, perigoso como a banda sempre deveria ser. Mesmo sendo um disco menos variado que outros destaques de outrora, o investimento no lado mais direto e roqueiro é muito bem vindo, pois gerou diversas ótimas faixas, como “This Is the One”, “Heart Attack”, e, mais especialmente, a excelente “Cold Sweat”, movida a riffs de guitarra, colocando o Thin Lizzy para concorrer com os grupos que despontaram durante o ápice da NWOBHM. Outra boa contribuição de Darren Wharton é “The Sun Goes Down”, permeada por texturas geradas por seus teclados, e muito provavelmente a mais atípica canção do álbum. “The Holy War” traz um bom desempenho dos guitarristas e a marca registrada de Sykes, enquanto “Bad Habits” lembra o Thin Lizzy setentista, criador de músicas que injetavam uma forte dose de melodia através de sua dupla de guitarristas. Outra boa faixa é “Baby Please Don’t Go”, ajudando a tornar Thunder and Lightning ainda mais empolgante.
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A última formação: Brian Downey, John Sykes, Phil Lynott, Scott Gorham e Darren Wharton |
A derradeira turnê do Thin Lizzy resultaria no registro duplo ao vivo Life Live (1983), congregando, entre seu track list, algumas faixas reunindo os guitarristas que já haviam passado pelo grupo (exceto Snowy White), extraídas de uma jam ocorrida em um show no Hammersmith Odeon, em Londres. Certamente não se trata de um registro de qualidade tão elevada quanto Live and Dangerous (1978), mas acabou servindo como uma despedida não apenas do Lizzy, mas de Phil Lynott, que viria a falecer em 4 de janeiro de 1986, em decorrência dos anos de abuso que debilitaram em excesso sua saúde. Phil pode ter abandonado esse mundo há 26 anos, mas o legado musical, o carisma e a sagacidade desse verdadeiro fora-da-lei do rock ainda serão lembrados durante muito tempo. Outras versões do Thin Lizzy já deram as caras desde os anos 90, incluindo antigos membros e mais uma série de músicos talentosos, mas não é segredo para ninguém que, apesar de toda a qualidade demonstrada nessas empreitadas, o verdadeiro Thin Lizzy deixou de existir em 1983. The boys won’t be back in town anymore…
Diogo, parabens pelo texto, passei a manha inteira ouvindo Thin Lizzy por causa dele…
Só podemos lamentar ter perdido um talento tãp grande tão cedo…
RIP, Phil!
Ótima análise…
Sempre que ouço essa banda e o Free sinto meio que um nó na garganta…
Parabéns pelo texto, Diogo.
A+
keke
Ouvirei mais o Thin Lizzy. É uma vergonha eu ainda conhecer tão pouco deles.
classicos. todos do lizzy, forever phil.
Eu não sei o que acham de tão diferente no Chinatown! Pra mim é um álbum foda do Thin Lizzy, e é pau a pau com o Black Rose!
Rodrigo, em particular gosto de "Chinatown" e acredito que, caso tivesse sido lançado por uma banda mais obscura, haveria muita gente exaltando o álbum como um clássico injustiçado. O problema é que, no caso do Thin Lizzy, os cinco discos imediatamente anteriores são não menos que fantásticos, aí fica difícil não constatar uma certa queda.
o thin lizzy é uma banda foda, que como várias nao tem o reconhecimento que mereci
parabens pela sua discografia comentada. acho o fighting simplesmente lindooooooo.
viva ao thin lizzy. mas vivos do que nunca!
Banda mais do que ótima,basicamente só tem discaço,discografia muito rica,o vocal do Phil era muito bom,essa forma de cantar como se estivesse contando uma história,e as guitarras dispensam comentários,só fera passou pelas cordas do thin lizzy; muito boa essa discografia comentada,parabéns.
Valeu, Randy! Também aprecio muito tanto o talento de Phil cantando quanto na criação de letras muito acima da média em relação a seus contemporâneos do rock pesado. Abraço…
Meu favorito é o Thunder and Lightning, acho ele mais heavy metal que os antecessores, ainda mais por possuir John Sykes na guitarra, gosto mais do Fighting em diante , principalmente Black Rose e Jailbreak. Acho Renegade um tremendo disco foda e muito injustiçado, a produção de Chris Tsangarides na minha concepção ficou ótima, além do mais ele já havia produzido o Tyger of Pan Tang e futuramente iria produzir o Painkiller do Judas Priest e o Force of Habit do Exodus !
Obrigado pelo comentário, Tulio. Acompanhe-nos agora em http://consultoriadorock.com/, sempre com atualizações diárias. Abraço…
Caras Parabéns e muito obrigado pelas duas partes!
Sou apaixonado por Thin Lizzy, e sempre entre uma busca e outra por bandas que ainda não ouvi sempre volto a ouvir o som da banda, sempre de maneira viciante. No entanto ouvir acompanhando essa excelente resenha escrita por vocês possibilita ao leitor viajar e explorar pontos ainda não percebidos ou destacados!
Acompanhando os textos passei disco por disco, faixa por faixa, e é impossível não ficar emocionado ouvindo Thin Lizzy.
Valeu!
Muito obrigado pelos elogios, Renato. Confira aqui todas as nossas publicações relacionadas ao Thin Lizzy: https://consultoriadorock.com/tag/thin-lizzy/
Abraço!
Há muito tempo que não ouvia o Thunder and Lightning, daí hoje resolvi colocar ele por aqui, e que disco bem bom. Existem faixas primorosas nele, principalmente “Thunder and Lightning”, “Cold Sweat” e “Baby Please don’t Go”. Não ficam muito atrás as ótimas “Someday She Is Going to Hit Back” e “Heart Attack”. A mais fraquinha mesmo é “Holy War”. Para 1983, é um disco muito bom, sem dúvidas.