Maravilhas do Mundo Prog: Jethro Tull – Thick As a Brick (Parte II) [1972]
Por Mairon Machado
Há quinze dias, a coluna “Maravilhas do Mundo Prog” começou a narrar a história contada em “Thick As a Brick”, uma das principais suítes do rock progressivo, que ocupa os dois lados do vinil Thick As a Brick, gravado pelo grupo inglês Jethro Tull, que completou 40 anos de seu lançamento no último dia 3 de março.
Na primeira parte, vimos como o menino Gerald Bostock (um garoto fictício inventado pelo líder do Jethro Tull, Ian Anderson), começou a fazer indagações para si mesmo sobre como seria envelhecer. Anderson, flautista, vocalista, violonista e nessa época um versátil instrumentista, tocando saxofone, trompete e harmônica, teve a companhia de Martin Barre (guitarra), Barriemore Barlow (bateria, tímpano e xilofone), Jeffrey Hammond-Hammond (baixo) e John Evan (piano), além da participação especial do maestro e tecladista David Palmer, responsáveis pelas maravilhosas sessões instrumentais desse clássico do rock progressivo.
Adentremos então na segunda parte de “Thick As a Brick”, que ocupa todo o lado B do vinil. Com 21 minutos e dez segundos, ela começa com os mesmos ventos que encerram o lado A, seguido por um solo de violino e flauta, executando um breve tema. Trompas, tímpanos e piano fazem notas marcadas, explodindo no poderoso tema de baixo e guitarra que está presente na primeira parte agitada de “Thick As a Brick” ainda no lado A.
Dessa vez, Anderson canta mais pausadamente, com o órgão acompanhando sua melodia, tendo ainda marcações do piano. Bostock vê-se como uma criança doente, um excepcional, que precisa aprender a ser um homem sábio para que possa superar sua doença (“There’s a load lifted from his shoulders with the discovery of his disease“) e, dessa forma, aprenda a enganar aos outros (“teach it to be a wise man how to fool the rest“). Os temas marcados entre baixo, guitarra órgão e bateria são o destaque, principalmente a performance de Barlow, batendo forte nos pratos.
Uma mescla de solos de trompete, saxofone e órgão introduzem o fantástico solo de bateria. Barlow abusa dos tons e das caixas, com intervenções da flauta e de sinos tubulares que fazem um tema totalmente discrepante do que está acontecendo. Após uma rápida virada de Barlow, temos uma breve ponte na qual órgão e guitarra fazem um solo, voltando para a sequência do solo de Barlow, veloz e cheio de rufadas, com sinos tubulares e flauta ainda executando intervenções. O solo encerra-se com batidas ensurdecedoras no tímpano, voltando para o solo de órgão, com guitarra e baixo fazendo a base ao fundo e começando uma estranha sessão.
Em um free jazz enlouquecido, vozes aparecem ao fundo sussurrando uma crítica ao comportamento do garoto, como se alguém que estivesse de fora da história não estivesse satisfeito com o mesmo, em frases como “God is an overwhelming responsibility“. A sessão jazzística permanece, com saxofone, órgão e trompete fazendo barulhos malucos entre as batidas e o acompanhamento do baixo.
Após um breve silêncio, o dedilhado do violão que inicia “Thick As a Brick” reaparece e Anderson volta a cantar, falando sobre os tempos do exército, na qual conversas comuns sobre parentes e amigos aparecem em um front de batalha, (“I take my place with the lord of the hills… How’s your granny and good old Ernie“). A canção muda totalmente, entrando em um momento bastante profundo da mente de Bostock. O violão emite um dedilhado e os acordes que acompanham a voz de Anderson, com raras intervenções da flauta.
Duas estrofes são cantadas dessa forma, com Bostock pensando sobre sua última função como um trabalhador (“The poet and the wise man stand behind the gun, and signal for the crack of dawn“), com o ritmo do violão mudando para acordes pesados, que são repetidos pela guitarra, baixo e órgão, em mais um tema marcado, voltando então para o violão. O baixo faz uma rápida escala e entra-se em uma bonita sessão, na qual Anderson canta acompanhado por órgão, baixo e violão, quando Bostock começa a pensar sobre sua morte (“The fading hero has returned to the night – and fully pregnant with the day, wise men endorse the poet’s sight“).
O violão é o principal instrumento, trazendo dois lindos dedilhados sobrepondo-se, com intervenções da flauta e com Anderson executando uma interpretação arrepiante, em longas vocalizações que narram aqueles que Bostock considera ser seus últimos momentos na Terra, mas de uma forma bastante poética, gravando a frase “Do you believe in the day?” na mente do ouvinte.
A melodia vocal continua na segunda estrofe, agora acompanhada de um leve andamento de órgão, guitarra, baixo e bateria, que ocorre após uma breve passagem marcial da bateria. O destaque dessa sessão vai novamente para Barlow, com rufadas suaves e batidas nos pratos, ditando o ritmo fúnebre que as notas de baixo, órgão e guitarra apresentam.
Ouvimos mais uma vez a frase “Do you believe in the day?”, com Evan fazendo temas no órgão, enquanto a melodia fúnebre segue ao fundo. A guitarra acompanha a melodia vocal de Anderson e Barlow aumenta o ritmo da música, encerrando essa sessão com o órgão surgindo entre as batidas marciais de Barlow, enquanto baixo e órgão fazendo acordes marcados.
A complexidade aumenta, com guitarras, órgão, flauta e trompetes surgindo de tudo que é lado, enquanto o ritmo marcial aumenta. Solos sobrepostos de vários instrumentos de sopro formam uma densa camada, rasgada pelas guitarras estridentes de Barre, com notas tristes e com Barlow socando a bateria. A partir de então, a complexidade é 100%, com todos os instrumentos executando a bela e veloz sessão de temas marcados.
Entramos na reta final da canção, na qual Bostock finalmente abre seu coração e coloca todos seus pensamentos podres sobre a vida para fora (“Let me tell you the tales of your life … the tireless oppression the wisdom instilled the desire to kill or be killed“). O peso do órgão, junto a baixo e guitarra, torna a canção apreensiva, e os diversos temas marcados ajudam a aumentar a ansiedade. Bandolim e flauta surgem fazendo um tema marcado sobre o veloz acompanhamento de bateria, baixo, órgão e guitarra.
A ponte instrumental, com um tema de órgão, baixo e flauta, intervenções de tímpano e de um despertador (?!) comandam o ritmo frenético da faixa, na qual Bostock vocifera palavras fortes e desesperançosas aos jovens (“Kindly state the time of the year and join your voices in a hellish chorus. Mark the precise nature of your fear“). Vários são os temas apresentados pelo Jethro Tull, sendo muito complicado e impossível descrever cada um deles, mas ouvir essa sessão é uma prazerosa sensação de como músicos talentosos podiam fazer canções belas e muito, mas muito complexas.
As palavras fortes de Bostock continuam, dessa vez sobre um ritmo cadenciado, criticando o fanatismo por heróis em quadrinhos, ao mesmo tempo em que crítica as atitudes infantis de todos os humanos (“We’ll have Superman for president … Where the hell was Biggles when you needed him last Saturday?“). O ritmo cadenciado é levado por baixo e bateria, repetindo temas que apareceram anteriormente em vários momentos da canção, e Bostock conclui que, no fim das contas, você se tornará um velho solitário, sem amigos, ou com todos longe de você, sem notícias e apenas com recordações em um manual de escoteiro (“They’re all resting down in Cornwall – writing up their memoirs for a paper-back edition of the Boy Scout Manual“).
Um pesado tema surge, acompanhado por uma saraivada de violinos, crescendo com o órgão de Evan e com Barlow destruindo a bateria, explodindo no último tema marcado da música, que leva ao violão de Anderson. Tristemente, ele canta “and your wise men don’t know how it feels to be thick as a brick”, encerrando essa magistral pérola do cancioneiro progressivo com as palavras que lhe dão título.
No ano seguinte, a mesma formação que gravou “Thick As a Brick” começou a elaborar um projeto ainda mais ambicioso, que acabou se tornando o álbum A Passion Play, outro grande disco do rock progressivo, que também receberá uma homenagem, e que foi gravado por esse monstro do rock britânico, que de progressivo só tinha a imagem, mas que, mesmo assim, acabou sendo extremamente relevante para que o gênero desse uma guinada de 180 graus, voltando sua atenção para letras mais realistas e, principalmente, fazendo com que os shows do estilo se tornassem verdadeiros espetáculos para ver e ouvir.
Ahhh Jethro Tull …. uma das bandas mais odiadas de sua época e de todas as épocas … quantos nós na cabeça dos profissionais da imprensa essa banda deu … e nos seus próprios fãs… já que a mesma é um organismo totalmente mutante…. Particularmente gosto muito deste disco … com todos os seus exageros e tal… mas o Jetho Tull tem que ser assim mesmo…cheio de arestas … se for diferente não tem graça…
O Mairon inventou uma nova modalidade discófila: o álbum para se ler. Como estou ficando surdo, já posso me desfazer dos LPs e CDs e nem ligo mais para baixar música. Agora só quero saber do formato Mairon Machado. Muito bom, meu amigo. E obrigado por abastecer um surdeta com boa música!
Hahahaaha, só tu mesmo Marco. Se fores vender teus vinis, me coloca na fila hein, ahahahah
Estão à venda, Mairon. O pior é que estão. Já vendi alguns. Foi como um sacrifício aos deuses. Agora, além de surdo, sou deficiente vinílico, hehe…
Gaspa, tô na fila também, viu?
"o álbum para se ler" é muito bom. Domingo vou "ler" o The Wall ao vivo então… kkkkk!