Discografias Comentadas: Judas Priest – Parte I

Discografias Comentadas: Judas Priest – Parte I
Judas Priest em 1974: K. K. Downing, John Hinch, Rob Halford, Glenn Tipton e Ian Hill


Por Amancio Paladino
Judas Priest não pode faltar. É a banda que dá a liga em todo o Metal e que conta com uma das mais extensas carreiras entre todas do gênero. São os verdadeiros guerreiros, mesmo nos momentos mais terríveis nunca abandonaram a sina, nunca deixaram seus fãs decepcionados e nunca saíram da linha. Quando tudo tiver acabado, quando o Metal for somente um vestígio deixado pela humanidade a ser estudado pelos povos do futuro distante, é muito provável que o Judas Priest ressurja como a pedra de roseta que permitirá o perfeito entendimento deste majestoso gênero musical.
Na estrada desde 1969 e prometendo se aposentar em 2012 (mais de 40 anos de carreira), se tornaram conhecidos por introduzir as guitarras dobradas no gênero, o vocal forte, agudo e performático e o visual clássico de roupas de couro com rebites, utilizado até hoje por diversas bandas e fãs. Já venderam mais de 50 milhões de discos e seu principal vocalista, Rob Halford, tem a alcunha de “Metal God”… Preciso dizer mais alguma coisa?
The Metal God Rob Halford nos anos 70, 80 e 2000
Fundada em 1969 por Al Atkins (vocal), K.K. Downing (guitarra), Ian Hill (baixo) e John Ellis (bateria), a banda teve seu nome tirado de uma música de Bob Dylan chamada “The Ballad of Frankie LeeaAnd Judas Priest”. Atkins e Ellis rapidamente sairiam e deram lugar a Rob Halford (vocal) e John Hinch (bateria). A ideia de ter dois guitarristas veio um pouco depois e Glenn Tipton se juntou ao grupo para criar as famosas guitarras dobradas.
Durante anos a banda não conseguiu sair do underground devido à sua temática dark e pesada, mas conseguiu juntar uma legião de seguidores e outras bandas que copiavam seu estilo, sendo sempre uma forte influência. Somente após seu terceiro disco é que as coisas realmente começaram a deslanchar e o Judas Priest se tornou conhecido mundialmente.

Rocka Rolla [1974]
O primeiro disco foi todo tocado “ao vivo” no estúdio (isto é, todos os músicos tocando simultaneamente no estúdio, sendo mais comum que a parte de cada músico ser gravada em separado, para que depois tudo seja mixado). De acordo com a banda, muitos problemas de qualidade ocorreram durante a produção e a sonoridade do álbum ficou bastante prejudicada. Muitas músicas foram deixadas de fora pelo produto Rodger Bain e somente foram incluídas nos próximos álbuns, tais como “Tyrant” e “Victim of Changes”, bem como um grande pedaço da música “Caviar and Meths”, uma composição de Al Atkins que foi liberada em sua íntegra muito tempo depois (1998) no álbum Victim of Changes (1998) do próprio Al Atkins. Nesta época, o Priest apresentava uma sonoridade bastante calcada no blues e no rock clássico, sendo que os pontos altos do álbum em minha opinião são “One for The Road“, “Rocka Rolla” e a estranha tríade “Winter”, “Deep Freeze” e “Winter Retreat“. K.K. Downing era o frontman da banda na época, e todas as músicas tiveram sua participação na autoria, fato que mudaria nos álbuns futuros, com Halford assumindo um papel cada vez mais relevante. Um destaque para este álbum é a capa, semelhante a uma peça publicitária da Coca Cola, gerando alguns problemas com a marca na época do lançamento. Em 1987, Rocka Rolla foi lançado com uma capa diferente, que você pode conferir aqui.

Sad Wings of Destiny [1976]
A excelência deste disco já pode ser notada na arte que o ilustra, realizada por Patrick Woodroffe. Nessa capa foi apresentada ao público boa parte da simbologia que envolve o Priest: o anjo caído (recorrentemente aparece em outras capas em um formato metálico) e o tridente característico do Priest. Diz-se que este anjo inspirou o poderoso PAINKILLER (o próprio Senhor da Dor seria o anjo), de 1990, e Angel of Retribution (2005). Na bateria, Alan Moore substituiu John Hinch. Este foi o último álbum lançado sob o selo Gull Records, que efetivamente não valorizava o contrato com a banda e a deixou “escapar” para outra gravadra. No geral, Sad Wings of Destiny foi muito bem recebido, e tem sucessos eternos como “Victim of Changes“, “Tyrant” e a poderosíssima “The Ripper“. Além dessas,  “Island of Domination” é uma das melhores. Nesse disco, a influência de K.K. Downing foi menor nas nove músicas apresentadas, e Halford efetivamente participou da composição de diversas faixas, juntamente com Tipton.

Sin After Sin [1977]
Diz-se que este álbum lançou o Priest para o estrelato. O excelente cover da cantora folk norte-americana Joan Baez, “Diamonds and Rust“, foi extremamente palatável, e o público aceitou muito bem a banda, que efetivamente deixou o underground. Além disso, este foi o primeiro álbum do grupo lançado pelo selo Columbia Records, fato que curiosamente fez com que o quinteto perdesse todos os direitos sobre as músicas dos álbuns anteriores para a Gull Records. Grandes canções como “Here Comes the Tears“, “Dissent Agressor” (da qual o Slayer fez um excelente cover no álbum South of Heaven, de 1988) e “Starbreaker“, fazem desse registro uma peça essencial em qualquer discografia. A sonoridade do Priest se apresentou muito mais complexa que nos discos anteriores, com riffs mais carregados, uso de efeitos sonoros surpreendentes e uma bateria mais suave, tocada por Simon Philips, que substituiu Alan Moore.
Judas Priest em 1978: Ian Hill, Rob Halford, K. K. Downing, Glenn Tipton e Les Binks
Stained Class [1978]
Este álbum está entre os mais populares da banda, contando com nove excelentes faixas que influenciaram profundamente o desenvolvimento do Speed Metal, extremamente rápidas, abrasivas e com alto rebuscamento técnico. Uma atenção especial deve ser dada a “Better By You Better Than Me“, que gerou uma ação civil contra a banda vinda da família do adolescente James Vance, que selou um pacto suicida com seu amigo Ray Belknap enquanto ouviam a canção em 1985. No processo, o grupo foi acusado de incitar o suicídio através de mensagens ocultas (confira mais detalhes a respeito desse caso e da música contida em Stained Class aqui). Originalmente escrita pelo Spooky Tooth, “Better By You Better Than Me” conta a história de um homem que deixa para trás sua amante ao se engajar em um esforço de guerra. “Exciter“, “Stained Class” e “Beyond the Realms of Death” são as mais importantes e merecem ser ouvidas com muita atenção. Há neste álbum a primeira participação do baterista, Les Binks, que também registraria o disco seguinte. A capa também apresentou uma mudança no logo da banda, que abandonou a fonte gothic script e passou a utilizar o trabalho do artista plástico Roslav Szaybo. 

Killing Machine/Hell Bent For Leather [1978]
Trata-se do álbum que oficializou definitivamente o visual de jaquetas de couro com rebites. Este play foi muito bem aceito pelo público e conta com grandes clássicos, como “Delivering the Goods“, “Hell Bent For Leather” e “Rock Forever“. Nos Estados Unidos o álbum foi renomeado como Hell Bent for Leather, a fim de evitar associações bizarras. Vale notar também o cover da banda Fleetwood Mac “The Green Manalishi (With the Two-Pronged Crown)“. Muitos consideram Killing Machine bastante comercial, mas o coloco entre os melhores lançados pela banda, pois antecipou uma série de tendências que seriam copiadas por diversos integrantes da NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal) sem nenhum pudor. Neste álbum, o guitarrista Glenn Tipton incorporou em seus solos a técnica do tapping (popularizada também pelo guitarrista Eddie Van Halen), que consiste basicamente em “martelar” notas em três passos na escala do instrumento dando uma impressão de grande velocidade nos solos. A turnê de Kiling Machine propiciou a ida do Judas Priest para o Japão, onde foi registrado o ótimo e controverso ao vivo Unleashed in the East (1979), sobre o qual paira uma teoria da conspiração, afirmando que o álbum na verdade foi registrado em estúdio. Em estúdio ou ao vivo, o fato é que se trata de mais um grande registro do Judas Priest.
Judas Priest no início dos anos 80: Ian Hill, K.K. Downing, Rob Halford, Glenn Tipton e Dave Holland
British Steel [1980]
Os sucessos eternos “Breaking the Law”, “Metal Gods”, “United” e “Living After Midnight” dizem tudo sobre esta obra arte em forma de disco. Gravado em Tittenhurst Park, ou, para os íntimos, na casa de Ringo Starr, este álbum contou com a sonoridade inusitada de garrafas de leite sendo quebradas em “Breaking the Law” e de gavetas cheias de talheres sendo balançadas durante a música “Metal Gods”(escute ao final que você perceberá!). Além dos sucessos eternos, as canções “You Don’t Have to Be Old to Be Wise” e “Rapid Fire” são excelentes exemplos do Judas Priest que estava para surgir nos anos 80. Uma banda com uma temática mais palatável e menos dark que nos discos anteriores, versando sobre temas mais leves, como rebeldia e festas de rock intermináveis. Este disco colaborou profundamente para a criação do estereótipo do rock star que todos temos na mente, basta checar um trecho da letra de “Living After Midnight“: Living after midnight, rockin’ to the dawn / Lovin’ ‘til the morning, then I’m gone, I’m gone / I took the city ‘bout one A.M, loaded, loaded / I’m all geared up to score again, loaded, loaded”. É em British Steel que surge a formação mais clássica do Judas Priest, com Halford, Tipton, Downing, Hill e o grande baterista Dave Holland, line-up que perduraria por toda a década de 80, registrando seis discos.

Point of Entry – 1981 
Não há melhores palavras que possam descrever o clima que permeou Point of Entry do que as da própria banda no livreto do CD remasterizado: “Gravado na ilha de Ibiza, com várias distrações, um pôr do sol glorioso e álcool extremamente barato, este disco pode ser encarado como uma mistura de sentimentos porque acabou sendo diferente do que as pessoas esperavam. O álbum foi quase todo escrito e elaborado de forma espontânea em Ibiza – isto foi uma experiência, no sentido de que antes dele nós já teríamos escrito a maioria das canções antes de entrar em estúdio. O sucesso definitivamente tinha chegado, e o Priest trilharia o caminho prescrito em seu disco anterior. Músicas bastante comerciais, com riffs agradáveis de ouvir mas ao mesmo tempo rápidas e pesadas. Speed Metal na essência, mas com um toque comercial que nenhuma outra banda conseguiu até os dias atuais. Definitivamente, era a época de “ganhar dinheiro”, e assim o fizeram. “Heading Out to the Highway“, “Don’t Go” e “Hot Rockin” foram lançadas em single, e tiveram o acompanhamento de vídeos divulgados massivamente em todos os programas de música da TV europeia e americana. O disco também contou com grandes lançamentos no Japão e Estados Unidos, onde foram editados com uma capa diferente. Nessas versões, um formulário contínuo estirado em um anoitecer do deserto simulava uma estrada, em uma clara alusão à canção “Desert Plains“, outro grande sucesso do disco. Se por um lado a banda se tornou mais comercial, ela conseguiu colocar o Heavy Metal em pauta em quase todos os círculos culturais, criando, “sem perceber”, uma legião de bandas clones, covers e tributos. Naturalmente seria de se esperar que a decadência viria também de forma rápida e avassaladora, como já vimos acontecer com outros astros do Rock… Mas não, a capacidade de gerar sucessos da banda não seria prejudicada, como já sabemos. Um fenômeno impressionante. 
Ao abandonar de vez e com muito estilo seu passado underground, o Priest foi catapultado ao topo. Um paradigma que só seria quebrado em 1990 com a chegada do impressionante, poderoso e destruidor PAINKILLER (sim, eu sempre escrevo o nome desse disco em maiúsculas). Mas isso é história para a segunda parte…

11 comentários sobre “Discografias Comentadas: Judas Priest – Parte I

  1. Essa é a melhor fase do Judas. Depois, só iriam se reerguer com o Painkiller, e claro, lançaram discos regulares (com exceção do fantastico nostradamus)

    Acho estranho o esquecimento de citação para a melhor canção da carreira do Judas, a obra prima Sinner, registrada no Sin After Sin. Não acredito que o Amancio não goste dessa pérola.

    Dentre os citados, Sin After Sin, Stained Class esad Wings of Destiny são os meus favoritos, e acho que sou um dos poucos que não gosta do British Steel

  2. Sinner rider, rides in with the storm
    The devil rides beside him
    The devil is his god, God help you mourn
    Do you, do you hear it, do you hear the thunder
    Deafen every living thing about
    Can you, can you see it, can you
    See the mountains darken yonder
    Black sun rising, time is running out

    Sacrifice to vice or die by the hand of the
    Sinner!
    Sinner!
    Sinner!
    Sinner!

  3. Mairon, sim uma excelente música! Mas deixa eu chegar no PAINKILLER e tudo ficará claro…

    Parafraseando Alexander Pope:

    Metal and Metal's laws lay hid in night; God said "Let PAINKILLER be" and all was light.

  4. A fase dos anos 70 do Judas é a que menos estou habituado. Acho que por isso que relaciono tanto a banda à NWOBHM. Peguei o box com todos os CDs e está apra chegar. Quando isso acontecer vou começar uma fase Judas Priest, aí sim vou focar mais nesses álbuns…
    PAINKILLER para mim é o melhor!!!

  5. Blz Amancio, vou ficar no aguardo

    E Fernando, essa fase inicial do Judas tem muitas pitadas de progressivo, talvez por isso eu ache a melhor. Ouvir o Sin After Sin é um alivio aos ouvidos em uma sexta a tardinha, e colocar Stained Class e Sad Wings of Destiny na sequência é quase uma orgia musical

  6. O clipe de “Don’t Go” do Desert Plains é uma das coisas mais gays já feitas no metal. Mas é divertido hehehehe.

    1. O disco não se chama Desert Plains, se chama Point of Entry (1981). Eu tinha comentado antes que gosto do álbum, mas não tanto quanto o British Steel, Screaming e o Defenders. A única música boa daquele Point of Entry é “Hot Rockin” que podia muito bem estar no British Steel, não é mesmo?

      1. Excelente essa música. Muito obrigado por ter me corrigido. O disco que tem Don’t Go é o Point of Entry. Esse disco na minha opinião é um dos mais fracos. O meu favorito é o Defenders of The Faith. Rock Hard Ride Free é sensacional. Sempre pirei naquele solo, e o escutava várias vezes seguidas.

        1. Defenders também é o meu favorito do Judas Priest desde sempre.
          Senti muita falta dele na lista dos melhores de 1984 aqui da Consultoria (a pior lista dos anos 80), e você já sabe o resto da história.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.