Por Leonardo Castro
No dia 5 de dezembro de 2011, quando o Anthrax foi anunciado como headliner do festival Metal Open Air, comprei sem hesitar os ingressos e as passagens para São Luís, além de fazer a reserva em uma pousada na cidade. Se não me falha a memória, nenhuma outra banda internacional havia sido anunciada até então, mas encarei a possibilidade de um festival com esses moldes no Brasil como uma aposta que valia a pena ser feita. O preço do ingresso era razoável, as passagens estavam relativamente baratas dada a antecedência da compra, e as condições de pagamento facilitavam a operação de uma forma que, mesmo que o festival não se realizasse, minhas perdas financeiras seriam pequenas, contornáveis.
Contanto, a cada semana, as chances de algo dar errado pareciam menores. Bandas de renome confirmadas, website com design caprichado, camisetas exclusivas, mensagens dos músicos para o Brasil… Tudo apontava, pelo menos para quem acompanhava de longe, como eu, para uma produção sólida e eficiente, que havia conseguido realizar no Maranhão o que muitos julgavam ser impossível em qualquer lugar do Brasil. Aliás, a realização do festival no Nordeste era perfeitamente plausível para mim, visto que, de acordo com o relato de amigos, os shows nessa região viviam cheios, enquanto os shows na minha cidade, o Rio de Janeiro, eram cada vez mais escassos e vazios…
Essa impressão de solidez continuou a mesma até a véspera do meu embarque para São Luís, quando as más notícias começaram a vazar. O cancelamento das bandas nacionais me pareceu o típico descaso dos produtores com as bandas brasileiras. Imaginei que a prioridade da produção tivesse sido com a estrutura e com as bandas estrangeiras, o que provavelmente teria gerado um mal estar com as bandas nacionais, que ainda não deviam ter recebidos suas passagens e cachês e, por isso, cancelado sua participação no evento. Já em relação ao cancelamento do Venom, acreditei no pronunciamento da banda, visto que não só o show no MOA, mas toda a turnê sul-americana havia sido cancelada. Contudo, as notícias sobre as condições do camping começaram a me preocupar, uma vez que amigos meus usariam o espaço, e também por mostrar a desorganização da produção.
Embarquei para São Luís na manhã de sexta-feira, ainda com notícias sobre problemas no camping e na montagem da estrutura dos palcos, além de inspeções de órgãos públicos para garantir as condições para a realização do evento. De qualquer forma, como era a primeira grande realização das produtoras envolvidas, achei que esse tipo de problema era compreensível, dada a falta de experiência, e que mesmo com atraso, o festival aconteceria sem maiores percalços. Essa impressão se reforçou quando pousei no Maranhão, e fui informado via sms que o Exciter acabara de entrar no palco.
Já sabia que perderia algumas atrações, então passei no hotel para tomar um banho e me encaminhei ao Parque Independência, onde o festival aconteceria. No caminho, a primeira preocupação: o parque é bem afastado do centro da cidade, é rodeado por comunidades de baixa renda, inclusive algumas favelas, que não davam a menor sensação de segurança. Chegando ao parque, outra má impressão: o local para a troca dos vouchers por pulseiras de acesso parecia extremamente amador, com mesas improvisadas, pessoas sentadas no chão e nenhum controle sobre o tipo de ingresso e identificação do público.
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Churrascaria Mad Butcher |
Entrando no parque, era necessário passar pelos estábulos, o que seria normal por ser um parque que abriga feiras de animais, mas confesso que o cheiro não era nada agradável. Ainda não sabia que a área do camping era por ali… A praça de alimentação também era decepcionante, com péssimas condições de higiene, filas enormes e poucas opções de comida… No mesmo momento, decidi que não comeria nada no festival. Mas a situação começava a melhorar a partir deste ponto. Os banheiros químicos eram abundandes e funcionavam bem, ao contrário de em outros festivais maiores, como o Rock in Rio. Havia também uma grande quantidade de estandes de bebida, sem filas. Os palcos, pelo menos à noite, estavam impecáveis, com uma ótima iluminação. E a Área VIP, que eu só vi a distancia, parecia ser bem decorada, apesar de mal localizada. Ou seja, apesar da péssima primeira impressão, a estrutura dos palcos não era muito diferente dos diversos festivais que eu tive a oportunidade de estar, o que dava a impressão que os shows aconteceriam sem maiores problemas, ainda que o camping e a área de alimentação fossem precários.
O primeiro show que acompanhei foi o do Anvil, uma das bandas que eu mais queria ver ao vivo. Contudo, o som que saía do PA estava extremamente embolado, e era quase impossível ouvir o que Lips cantava. Felizmente, ao longo do show a qualidade do som foi melhorando, ainda que em nenhum momento tenha ficado perfeita. O grupo canadense optou por apostar em diversas músicas do seu mais recente disco, Juggernaut of Justice (2011), o que acabou deixando o show um pouco frio. Os solos de bateria e “vibrador” também desanimaram um pouco o público, que só se animou nas clássicas “666”, “Mothra” e “Metal on Metal”, que encerrou o show. Uma pena que tantos outros clássicos tenham ficado de fora…
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Steve “Lips” Kudlow (Anvil) |
Na sequência veio o Shaman, banda que eu realmente não fazia a menor questão de assistir, então aproveitei para dar uma checada no estande de merchandising, que infelizmente não tinha material de diversas bandas que se apresentariam no evento. Foi também nesse intervalo que vieram as confirmações do cancelamento do Saxon e do Rock and Roll All Stars, que deram mais um banho de água fria na platéia…
Contudo, os shows continuavam a todo vapor, e o Destruction subiu ao palco com força total, com uma sequência de clássicos de matar os fãs do coração: “The Butcher Strikes Back”, “Total Desaster” e “Mad Butcher”. A qualidade do som oscilava, mas a plateia não parecia ligar, visto que o setlist escolhido pela banda, com apenas duas músicas do último disco e ênfase nos maiores sucessos do grupo, agradava com certeza a todos os presentes. Em resumo, um show espetacular, que dificilmente será esquecido por quem o presenciou, e que fez com que muitos esquecessem os problemas que o festival vinha apresentando até então.
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Schmier (Destruction) |
A esperança de que o festival tinha finalmente entrado nos eixos se reforçou com o show do Exodus. Com um som cristalino, pesado e forte, o grupo optou por iniciar o concerto com três músicas relativamente novas, tiradas de seus dois últimos discos de estúdio. Uma opção ousada, visto que a maioria dos presentes ansiava pelos clássicos de discos como Bonded By Blood (1985) e Fabulous Disaster (1988). Ainda assim, “The Ballad of Leonard and Charles”, “Iconoclasm” e “Children of a Worthless God” levantaram a galera, e enormes rodas se formaram na pista. Contudo, a casa veio abaixo mesmo com os clássicos “Piranha”, “Blacklist” e “And Then There Were None”. Infelizmente, devido ao atraso no início do festival, a banda teve que cortar algumas músicas do seu set, mas o final apoteótico com “Bonded By Blood” e “Strike of the Beast”, com direito a “wall of death”, foi sensacional. Na minha opinião, a melhor apresentação do festival, e a certeza que, dali para frente, nada daria errado…
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Lee Altus e Gary Holt (Exodus) |
Aproveitei o tempo do show do Symphony X para descansar e beber algo, mais uma vez sem maiores problemas, e acompanhei a apresentação de longe. O vocalista Russel Allen impressiona, mas o estilo do conjunto não é dos meus favoritos, então guardei minhas energias, desgastadas pela viagem e os shows anteriores, para o headliner da noite, o Megadeth de Dave Mustaine.
Pouco tempo depois, a entrada de bateria de “Trust” ecoou, e o Megadeth entrou em cena, com a melhor iluminação do festival. O som começou excelente, ainda que um pouco baixo, e ao longo de “Hangar 18”, “She-Wolf” e “Public Enemy Number 1” foi piorando, ao ponto de Dave Mustaine interromper a execução de “Whose Life (Is It Anyway?)” para corrigir uma microfonia que persistia em sua guitarra… A banda voltou com mais uma música do último disco, “Guns, Drugs and Money”, e na sequência tocou “A Tout Le Monde”, que emocionou muita gente. Contando, a música seguinte foi uma decepção para mim: “Symphony of Destruction”, clássico absoluto, mas que costuma estar no fim do setlist da banda… E a suspeita se confirmou quando a entrada de baixo de “Peace Sells… But Who’s Buying” começou. Sim, realmente estávamos no fim do show, com apenas 8 músicas tocadas até então… E a saideira foi “Holy Wars… The Punishment Due”, quando a guitarra de Chris Broderick ficou totalmente inaudível. Em resumo, um show extremamente curto, ainda que o set list tenha sido bem escolhido para um festival, focando nos maiores sucessos da banda e introduzindo músicas do disco novo, que deixou todos com uma sensação de “quero mais”…
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Megadeth |
Apesar dos problemas, posso afirmar que a grande maioria dos presentes gostou do primeiro dia do festival, e todos estavam ansiosos pelo segundo, que prometia bastante com a presença de bandas como Anthrax, Blind Guardian e Grave Digger, ainda que o Rock and Roll All Stars tivesse realmente cancelado sua apresentação.
No sábado, decidi almoçar em uma churrascaria, para me alimentar bem e não precisar comer nada no festival. Enquanto comia, uma chuva torrencial se abateu sobre a cidade, e com ela uma enxurrada de más notícias pipocava no meu celular. Primeiro, o Anthrax havia cancelado sua apresentação. Em seguida, os palcos estavam sendo desmontados. Decidi voltar ao hotel e acompanhar as notícias pela internet antes de tomar qualquer decisão. Como muitos devem ter acompanhado, as informações eram as mais variadas possíveis, mas todas tinham algo em comum: não vinham da produção do festival. Por volta das 17h, o Blind Guardian cancelou oficialmente sua participação, alegando não haver condições técnicas de realizar seu show. Quase que no mesmo horário, a produção confirmou que haveria shows a partir das 18h, com todas as bandas que ainda se encontravam na cidade. Minutos depois, o Grave Digger também oficialmente anunciava sua desistência. Algum tempo depois, amigos que estavam no camping me informaram que uma banda brasileira acabara de subir ao palco. Acreditando nos produtores, que ao menos a banda U.D.O. ainda se apresentaria, visto que estava na cidade e não anunciou seu cancelamento, me desloquei para o Parque Independência, e cheguei a tempo de ver os últimos minutos do Dark Avenger. Contudo, o clima no local era de velório. Onde havia ao menos 10 mil pessoas na noite anterior, por volta de 3 mil assistiam ao show, muitos em clima de velório, dado o cancelamento de seus artistas favoritos. Conheci uma menina de 15 anos que trocou a sua festa de debutante pela oportunidade de ver sua banda favorita, o Blind Guardian, ao vivo em São Luís. Não preciso nem falar como estava seu estado de espírito. O segundo palco estava meio desmontado e totalmente às escuras, aumentando ainda mais o clima fúnebre…
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Dave Mustaine (Megadeth) |
Ainda assim, o Legion of the Damned subiu no palco e fez uma boa apresentação, que teria animado a galera em condições normais. Na sequência, quando muitos esperavam o U.D.O., veio o Korzus, que fez um show forte, com a energia de sempre, e com muita honestidade explicaram o que estava acontecendo ali. Contudo, enquanto as outras bandas tocaram uma hora ou menos, o show do Korzus passou dos 90 minutos de duração, o que deixou muitos com a pulga atrás da orelha. Ao fim da apresentação, a suspeita se confirnou: o U.D.O. também havia cancelado.
Naquele momento, confesso que me senti extremamente mal. Se os produtores tivessem anunciado ainda à tarde que apenas as três bandas nacionais e o Legion of the Damned tocariam, eu provavelmente não teria ido ao Parque Independência. Se tivessem anunciado que o festival todo tinha sido cancelado, provavelmente eu teria antecipado meu retorno para o Rio. Mas em nenhum momento os mesmos foram transparentes com o público, que pagou um valor considerável pelos ingressos.
Com o cancelamento do UDO, parecia evidente que o dia seguinte também seria cancelado. As notícias sobre a briga entre os produtores, publicadas ainda na madrugada de sábado para domingo, reforçavam essa tendência. Não demorou, e às 10h, o evento estava oficialmente cancelado. Aproveitei o domingo para conhecer a região litorânea de São Luis e voltei para o meu hotel, onde as notícias sobre as condições daqueles que acamparam me deixaram ainda mais revoltado.
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Fãs acampados em frente ao aeroporto de São Luís |
Como disse no início deste relato, quando comprei os ingressos e as passagens para o evento, encarei a realização do festival como uma aposta. Uma aposta que poderia perder e ter prejuízos financeiros. Fazia parte do jogo. E se o festival fosse cancelado por completo até a quinta-feira, antes de eu embarcar, confesso que aceitaria ter perdido a aposta. É impossível que, a dois dias do início do festival, os produtores não soubessem que não teriam dinheiro para pagar os fornecedores e algumas das bandas. O mais digno a se fazer seria cancelar tudo e devolver o valor dos ingressos, e quem se sentisse lesado, que procurasse seus direitos na Justiça. Confesso que ficaria triste, mas compreenderia, visto que, como disse, encarei a aventura como uma aposta que poderia dar errado.
Entretanto, a falta de respeito com as milhares de pessoas que viajaram e, principalmente, acamparam por lá foi absurda. Nunca, em situação nenhuma da minha vida, vi nada semelhante. Sem falar na decepção de saber no dia que os shows não aconteceriam. Esse foi o fator que mais me convenceu a ir à Justiça procurar meus direitos, e ir até onde for possível para reaver todas as perdas que tive.
Gostaria ainda de deixar claro que o povo maranhense em nenhum momento pode ser responsabilizado por nada do ocorrido. Conduzido pelas produtoras envolvidas, o evento teria dado errado em qualquer cidade ou Estado brasileiro. Vou torcer para que os produtores sérios que temos não sejam afetados por este fiasco, uma vez que certamente as bandas internacionais farão muito mais exigências para tocar no Brasil depois desse show de amadorismo.