Parece Que Foi Ontem: Os 45 Anos de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band
Por Marco Gaspari
Faz de conta que você está lendo isto em junho de 1967.
A imprensa já dava o cadáver dos Beatles como em plena decomposição, pois diferente de Lázaro, não havia se passado apenas quatro dias da morte, mas muito mais. O quarteto de Liverpool jazia mortinho há quase um ano, desde que anunciou que pararia de se apresentar ao vivo e John, Paul, Geoge e Ringo partiram para uma espécie de bimestre sabático. McCartney foi compor uma trilha sonora, Ringo se recolheu ao lar, Lennon foi dar uma de ator no filme “How I Won The War” e virou figurinha carimbada nas galerias de arte, e George picou a mula para a Índia onde foi se aprofundar nos mistérios da Sitar com seu mestre Ravi Shankar.
Em dezembro do ano passado, uma lagarta entrou nos estúdios da Abbey Road. E o que saiu de lá e voou para as ruas neste primeiro de junho é uma borboleta de asas brilhantes e imponentes, pousando qual poesia sonora nos nossos ouvidos felizardos.
Nunca uma metamorfose veio tão a calhar, já que nesse mesmo ar onde hoje voa Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band pairavam várias incertezas: será que os Beatles decaíram? Será que já foram longe demais? Será que serão capazes de ir além? De repente, com o Sargento Pimenta, todas as dúvidas se acabaram. E o fim que era dado como certo se tornou um novo começo.
Parece o filme daquela piada, cujo título é “A volta dos que não foram”. Os Beatles nunca se foram, mas todo mundo achava que a queda do pedestal foi dolorida o suficiente para justificar uma ausência definitiva. Quantas bandas são capazes de se recuperar quando o seu John Lennon resolve vir a público reivindicar uma popularidade maior do que a de Jesus Cristo? Foram dezenas de estações de rádio americanas a banir suas músicas, pilhas e pilhas de discos, livros, fotos e que tais queimados em praça pública por uma população revoltada, a ira dos homens querendo fazer justiça divina.
E os Beatles apanharam muito no ano passado: foram ameaçados de morte por ousarem tocar no sagrado Nippon Budokan, em Tóquio; tiveram que sair fugidos de Manila por recusarem uma visita à primeira-dama Imelda Marcos e a turnê pelos Estados Unidos, por conta da língua herética de John, não foi nenhum mar de rosas. O saldo disso tudo foi a decisão de parar de se apresentarem ao vivo e um prudente afastamento dos holofotes da imprensa, onde se tornaram os palhaços de plantão. Mas cá entre nós, o problema dos quatro Beatles era resolver o fato de serem os Beatles, pois ninguém é um beatle impunemente.
Hoje, ouvindo esse disco maravilhoso no conforto da sala, tudo parece tão simples. Houve agonia, houve desilusão, mas o rei não está nu. O rei apenas trocou de roupa. E anunciou sua metamorfose logo na primeira faixa: “So may I introduce to you the act you’ve know for all these years”. Por mais que pareça estranho você ser apresentado a alguém que já conheça, o conhecido não deixa de ser uma surpresa, pois as vozes podem ser familiares, os rostos podem estar por todo o canto, mas quando você ouve as primeiras notas, percebe logo que está renovando uma velha amizade.
Essa introdução funciona como um alicerce para todo um castelo. E todas as nossas atuais aspirações parecem morar dentro dele. Por mais que saibamos que ele possa estar datado daqui um ano ou dois, vamos aproveitar o momento. Aconteceu com Blonde on Blonde, o manifesto dylanesco do ano passado e que hoje é mais memória do que imediatismo. Aliás, os monumentos do pop ainda não se provaram fadados à posteridade. Se há um ano o mundo que recebeu Blonde on Blonde mal havia ouvido falar do movimento hippie, Sgt. Pepper pode ser hoje o espelho por onde os hippies vão desaparecer. Nada é perene, quanto mais um disco de rock.
Como manifesto, Sgt. Pepper tem vários estatutos. Primeiro um convite à adesão: “We’d Love to take you home with us, We’d Love to take you home”. Depois um apelo à libertade: “She is leaving home… She is having fun… Stepping outside she is free”. Um escapismo: “Picture yourself in a boat on the river, with tangerine trees and marmalade skies”. E mais: “I have to admit it’s getting better (can’t get much worse)”. Mais um pouco: “I get by with a little help from my friends”. Estamos quase lá: “I’d Love to turn you on”. Até que finalmente: “A splendid time is guaranteed for all”.
Esses fragmentos não são muito diferentes do que nos acostumamos a ler nas últimas entrevistas dos Beatles. O budista George, por exemplo: “Nós somos os Beatles. E estamos nisso todos juntos. Somos parte disso e queremos que o máximo de pessoas seja parte disso também. Nós precisamos salvá-las, porque todas são potencialmente divinas”. Mas como um beatle cantando é sempre mais divino do que falando, Harrison é quem nos canta: “Try to realize it’s all within yourserf, no one else can make you change. And to see you’re really only very small, and life flows on within you without you”.
John e Paul também compartilham das palavras de George, mas com outros exemplos, e esse é o poder primordial do disco. Os Beatles mudaram. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band é a crônica e o clímax dessa mudança: “Me used to be a angry young man, me hiding my hand in the sand. You gave me the word, I finally heard, I’m doing the best that I can”… “Man I was mean but I’m changing my scene and doing the best that I can.”… “I’m fixing a hole where the rain gets in and stops my mind from wandering where it will go”… E se eles mudaram, você está sendo convidado a mudar também.
O álbum todo é uma revitalização na carreira dos Fab Four. É uma quebra tão drástica com o passado que seus discos anteriores podem ser avaliados no máximo como uma influência. Algo assim aconteceu com o Pet Sounds, dos Beach Boys, mas em Sgt. Pepper, os Beatles chegaram num estágio tal de evolução musical que, como já disse McCartney em entrevista ao International Times Magazine, “Eu penso que nós somos influenciados por nós mesmos”.
Claro que eles têm influências dos outros: frases como “newspaper taxis” ou as cenas excêntricas de Mr. Kite nos remetem ao imaginário de Dylan, e não podemos esquecer que Harrison praticamente se postou aos pés de Ravi Shankar. No mais, poucos álbuns já carregaram uma marca tão pessoal. E tão ambiciosa. Ele nos remete a um circo, como se houvessem três picadeiros onde atos diferentes são apresentados simultaneamente sob uma tenda montada dentro da cabeça do ouvinte. Agora dá para entender o quanto foi oportuno os Beatles não quererem mais se apresentar ao vivo. Já imaginou recriar esse álbum num palco? Só para a gravação de “A Day In The Life” foram recrutados 40 músicos de orquestras sinfônicas!
E por falar em “A Day In The Life”, toda a sua pomposidade foi coroada pelo veto de sua radiodifusão pela BBC londrina. A frase “I’d love to turn you on” foi demais para os sisudos executivos dessa instituição inglesa. Vai ver eles pensam que ao proibir os jovens súditos de Sua Majestade de ouvir essa frase aliciadora, estarão livrando o país do fantasma das drogas. Longe de se importarem por causa disso, os Beatles tocam a sua vida. Logo mais estarão se movimentando pelo interior da Inglaterra a bordo de um ônibus amarelo e azul, filmando um especial em cores para a televisão que deverá ser apresentado ao mundo lá pelo Natal.
As palavras de Paul deixam claro que um renascimento está a caminho: “É apenas o começo. Não existe fim”.
Obs: este texto foi baseado (e em algumas partes copiado) de reviews publicados logo após o lançamento de Sgt. Pepper.
Todos sabem que não sou grande fã do Beatles, ao mesmo tempo que reconheço a importância do mesmo. O aniversariante do dia não é meu disco predileto (prefiro o Abbey Road) e demorei anos para entendê-lo, mas hoje, reconheço uma obra muito interessante, que vale a pena ser ouvida e reouvida para entendermos um pouco da psicodelia inglesa, inspirada por aquele que aí sim é um dos melhores discos da história: Pet Sounds
Sou suspeito para falar desse disco. Sempre disse que era o meu preferido da banda e parece que o tempo consolida isso ainda mais mesmo ouvindo, e muito, os outros discos na mesma proporção que ouço esse. O Mairon o compara ao Pet Sounds e eu acho totalmente válido. O Pet Sounds foi influenciado pelo Abbey Road, que influenciou o Sgt Peppers. Essa troca foi muito importante. Sobre um ser melhor que outro eu não sei argumentar. Isso é questão de gosto. Mas gosto sempre de dizer que Brian Wilson ficou doido de vez depois que ouviu Sgt Peppers e percebeu que não era tão gênio quanto o quarteto de Liverpool. No mais excelente texto do Marco, gosto muito desses textos de parece que foi ontem. Parabéns!!!
Só uma correção Bueno, o Pet Sounds foi influenciado pelo Revolver, e essa influência na verdade foi do tipo "preciso fazer algo tão bom quanto isso", diferente do Sgt Peppers, que o próprio Paul sempre disse ser uma sombra morta do Pet Sounds, esse último um disco que todos deveriam ouvir para entender o que é música.
E concordo contigo na questão dos Parece que foi ontem, nos remetem para tempos que, mesmo não tendo vivido os mesmos, ajudam a entender melhor o que aconteceu nesses idos anos do passado.
Parabéns Mestre Marco
O debate é interessante, e para muitos inválido, mas como o Fernando bem colocou, Brian Wilson viu que não era tão gênio quanto o quarteto de Liverpool, o que prova a frase A UNIÃO FAZ A FORÇA. Se fosse somente um John Lennon ou um Paul McCartney, Sgt. Peppers jamais teria nascido.
Outro disco que influenciou (e muito) o Sargento pimenta, apesar de lançado meses depois, foi o Piper at The Gates of Dawn. Dizem que Lennon e Barrett curtiram boas doses de entorpecentes nos estúdios da Abbey Road, e muitas dicas de "sons" que entraram no aniversariante do dia vieram da mente conturbada do primeiro líder do Pink Floyd.
“A grama do vizinho é sempre mais verde”: essa com certeza é a mãe de todas as comparações. E é engraçada essa necessidade humana de comparar. Será possível que o Sargento Pimenta só é grandioso (ou uma merda) se o compararmos ao Pet Sounds? E vice-versa. Um belo dia isso foi instituído por algum comparador contumaz e a coisa foi tomando proporções maiores que os próprios discos. Meu disco predileto dos Beatles é o “insignificante” Magical Mistery Tour. Do Beach Boys é o Surfs Up. E daí? A única coisa bacana nessa história toda é saber que uma banda inspirava a outra. Que um artista admirava o outro a ponto de querer superá-lo. Isso é saudável (embora o Brian Wilson tenha pirado na tentativa). Isso se chama desafio e é isso que move a superação de todos nós. 45 anos se passaram e pelo menos uma centena ou mais de discos fundamentais foram gravados. Compará-los com o Sgt Pepper é diminuir ou aumentar sua importância, mas apenas para aqueles que têm essa obsessão por comparações. Eu prefiro botar o disco na vitrola, acender uma velinha e comemorar o aniversário de um grande amigo.
Se tivesse um botão de curtir do Facebook aqui, eu estava curtindo o comentário do Gaspa.
Só não entendi qual a influencia o Abbey Road tem no Pet Sounds ? que eu saiba o primeiro saiu bem depois….
Fábio
Quando falei Abbey Road eu estava me referindo ao Revolver. Foi o Revolver que influenciou o Pet Sounds. O Abbey Road saiu depois do Sgt Peppers. Eu me confundi…
Ahhh bom…. tava dando nó na minha cabeça aqui…
Marco, na boa, você se superou desta vez! De todos os seus excelentes textos, este provavelmente é o melhor!
E sem precisar cair na vala comum de chamá-lo de "melhor disco da história". A importância do disco para a carreira da banda está clara, e todos sabemos de sua importância para o mundo da música, mudando a forma de se gravar discos e transformando o estúdio em um instrumento também. Claro que, em 1967, "quando se passa o texto", não se sabia disso, mas aqui se pode citar esse fato! Mas muitos insistem em repetir a velha máxima citada acima, mesmo sem concordar muito com isso! Aqui, seu enorme talento não precisou deste recurso!
Quanto à minha opinião sobre as músicas em si, acho que todos aqui sabem que não curto os besouros do ritmo, então me abstenho de opinar para não causar polêmicas. Prefiro reler mais uma vez os excelentes escritos do nosso colaborador Marco Gaspari!
Parabéns mais uma vez!
Grato pelas palavras, Micael, mas não me sinto totalmente merecedor delas.
Quando o Mairon Machado me pediu para escrever sobre os 45 anos do lançamento de Sgt. Pepper topei na hora. E me arrependi logo depois. Pensei comigo: “Castanha, vou ser o quinquasenésimo camarada a escrever o quão revolucionário foi esse disco, como ele influenciou gerações de músicos neste quase meio século, o quanto ‘A Day in the Life’ é magistral e que as capas de discos e as técnicas de gravação nunca mais foram as mesmas depois dele”. Haja saco, né? O próprio George Martin, que foi protagonista e que escreveu um livro inteiro sobre esse disco, já dizia na introdução que devia haver uma lei que proibisse tantas matérias sobre os Beatles. Reli o livro; reli também um livro do Roberto Muggiati sobre “A revolução dos Beatles” (muito legal, por sinal), passei os olhos em várias biografias, revistas, sites e comunidades virtuais, li uma porrada de reviews… e senti que tudo não passa de repetir (menos o livro do George Martin, claro) as mesmas coisas ano após ano, como uma piada que começa com um papagaio, muda para um judeu e termina tendo o Manoel como protagonista.
Então peço que me desculpem se frustrei as expectativas de quem começou a ler meu texto esperando que eu dissesse amém a todo o rosário beatle. Tem muita gente muito mais capacitada e preparada que escreveu sobre esse disco com muito mais propriedade. O que eu fiz foi pesquisar aqueles reviews que saíram imediatamente após o lançamento do disco, escritos por gente que, embora maravilhada com aquilo que ouvia, ainda não estava impregnada do mito Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Meu texto é um apanhado de tudo isso (apenas costurei e acrescentei uma coisinha ou outra), como se tivesse sido escrito assim que o disco saiu do forno, precipitada e ingenuamente. Isso eu curti fazer.
Eu particularmente, prefiro muito mais o Revolver, pois ele é mais rústico, e sujo. Engraçado, os Beatles, nunca foram valorizados por suas músicas com guitarras. No RRevolver por exemplo, existem várias músicas com riffs e solos de guitarra excelentes e ninguém fala sobre isso. Em Taxman, não é George quem toca guitarra, é o mestre paul Mccartney. Em And Your Bird Can Sing, George prova que era um guitarrista tão bom quanto Keith Richards e Pete Towshend. Peço que os detratores de Beatles, escutem essa preciosidade com mais atenção, e notem o quanto a guitarra esta alta na gravação. E o que dizer de She said She said. George conta, que estava insatisfeito, com a guitarra que tinha gravado na música, então foi ao engenheiro de som Geoff Emerick, e quis gravar mais uma guitarra para dar mais peso e consistência a música. Geoff a princípio resmungou, alegando que ele não iría conseguir, e que o rolo da fita, estava no fim. George insistiu, conseguiu, e calu a boca do engenheiro. "eu disse que conseguiria", disse George orgulhoso! A começar pela capa, Revolver é mil vezes melhor que o Pepper, fato sempre reconhecido por John Lennon. Lennon sempre disse que nunca gostou de Pepper como um todo, ele sempre dizia que sua música era muito melhor noo White Album.
O Sgt Peppers é um disco muito superestimado demais. O Revolver é infinitamente melhor e mais consistente. Sgt Peppers é muito meloso em demasia, eu diria que é o disco emo dos Beatles. Brincadeiras a parte, o Revolver da fase psicodélica sempre foi o meu favorito. Agora sobre o Pepper, é uma pena que It’s All Too Much não tenha entrado no disco e só saiu na trilha sonora do Yellow Submarine. Essa música citada é uma obra prima de Harrison. O som da guitarra é fantástico, uma viagem psicodélica com guitarras distorcidas e um feedback na introdução da música bem estridente.
GEORGE disSe que era sua homenagem a HENDRIX.
Esses discos superestimados por mais que sejam considerados obras primas, eles acabaram ficando com a imagem desgastada. lista de melhores discos de todos os tempos é um porre. Sempre a mesma coisa, a mesma carne de vaca. A mesma coisa que tem nego que considera o Dark Side Of the Moon um “grande disco”. Existem discos que são tão chatos que teria sido melhor que não existissem. A mesma coisa que com Jimi Hendrix. Eu reconheço que ele foi de suma importância para a sua época e tudo mais. Mas o Hendrix é superestimado demais ele não era tudo aquilo que a imprensa e as bandas daquela época diziam dele. O cara fazia muitos malabarismos em cima do palco e usava o pedal wah-wah que dava aquele efeito lisérgico e psicodélico nas músicas dele. Isso sem contar que o politicamente correto já era forte naquela época e as pessoas babavam o ovo dele pq ele era negro.
como vc escreve asneira. bom…estou superestimando vc politacmente correto.BURRO.