Datas Especiais: 20 anos de Dehumanizer


Por Mairon Machado
Para muitos, Dehumanizer é o disco que colocou o nome Black Sabbath novamente no mercado americano, após quatro anos tendo os vocais de Tony Martin e fazendo um estrondoso sucesso pelo lado leste da Europa. Para mim, Dehumanizer é uma pedra sólida fincada na construção do que eu viria a entender sobre música anos depois. Me abriu portas inimagináveis na minha infância insólita, dividindo duas paixões fortes ao mesmo tempo: o pop de Erasure e Madonna com o Thrash Metal de Possessed e Slayer.
Posso já ter contado a história diversas vezes, mas a data de hoje me faz relembrar dela com emoção, saudosismo e um quê de alegria por ter acontecido da forma como aconteceu. Em abril de 1992, a cidade natal minha e do meu irmão (nosso colaborador Micael Machado), Pedro Osório, localizada no sul do estado do Rio Grande do Sul (a pouco mais de 100 km da fronteira com o Uruguai) passou pela pior enchente de sua história.
Eu, então com nove anos de idade, fascinado pelos artistas acima (e convivendo com uma crescente admiração pelo grupo Gypsy Kings), vi meu pai perder toda sua biblioteca de livros de história raríssimos, assim como sua coleção de gibis Tex. A nossa casa atolada de barro e “outras cositas” mais até perto do telhado. A água em nossa casa alcançou incríveis 2,30 m de altura e dividi, apesar de ser uma criança, a tristeza de meus parentes, amigos e vizinhos. Tínhamos perdido quase tudo o que haviam sido passados anos para construir.
Foram meses tentando recuperar nossas vidas. Algo que conseguimos com muito esforço, lágrimas e várias crises de desânimo. Lembro que nossa mãe passou por um sério período de stress que gerou nela uma doença tão forte que fazia ela arrancar a pele de suas pernas de tanto que se coçava. Para se ter ideia, a geladeira da nossa casa, que ficava localizada na parte de trás, veio parar na porta da frente. Roupas, brinquedos, eletrodomésticos, amontoavam-se nas ruas para os caminhões virem levar embora e ajudar a limpar, levando também pequenas conquistas que teriam que ser batalhadas para voltarem.
Nesse período, a única loja que vendia fitas cassete na cidade estava em processo de recuperação. Eu, não sei por que cargas d’água (talvez por ser uma criança), tinha salvado as poucas coisas que me veio a cabeça de salvar: minha pequena coleção de vinis (formada por dois LPs da Madonna, um do Led Zeppelin, um do Pink Floyd e um do Bad Company), alguns brinquedos e minha coleção de fitas (que também gerou outro fato curioso, mas deixo para os comentários com o Micael, caso venha a surgir).
Toda a cidade de Pedro Osório demorou para ser reerguida da lama. Meses se passaram com a cidade sem luz, pouca comida (trazida por caminhões do exército), isolada das outras cidades (já que as únicas pontes de ligação com cidades próximas haviam caído) e com a água sendo cedida por moradores que continham poços nas suas casas.
A cidade, conhecida na região por ser uma cidade guerreira, de enfrentar percalços, lentamente foi voltando ao normal. Quase três meses depois, no final de junho, as aulas puderam voltar a acontecer. Foi exatamente nessa época que através de um famoso jornal do estado chegou a informação que “O demônio estará entre nós”. A manchete era sobre a vinda do Black Sabbath ao Brasil. Eu estava deixando meu lado “satanista” de lado, mas ainda apreciava, como dito acima, Slayer, Possessed e também fase inicial do Sepultura.
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Vinnie Appice, Geezer Butler, Ronnie James Dio e Tony Iommi |
Mas… Havia chegado o dia do tal especial e eu não tinha um K7 para gravar. Tão pouco queria gravar por cima das que tinha. Vá que a banda fosse uma merda? Eu ia perder meus adoráveis Gypsy Kings e as raridades do Possessed? Com uma tristeza, contrastando com a cinzenta tarde de inverno, almocei e fui para a escola.
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Ingresso do show de Porto Alegre (retirado deste site) |
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Divulgação de Dehumanizer |
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Poster de divulgação (Retirado deste site) |
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Geezer Butler, Ronnie James Dio, Tony Iommi e Vinnie Appice |
Se não fosse Dehumanizer, hoje eu estaria cercado por bandas pop de gosto duvidoso, e jamais teria conhecido tantas bandas grandiosas do hard setentista, que me tornaram o aficcionado colecionador de discos que compartilha um pouco de sua paixão com vocês.
Track list
1. Computer God
2. After All (The Dead)
3. TV Crimes
4. Letters from the Earth
5. Master of Insanity
6. Time Machine
7. Sins of the Father
8. Too Late
9. I
10. Buried Alive
Puta história triste, Mairon. E emocionante também.
Pena que você não a mandou para o Tony Iommi. Aposto que teríamos a
Smoke on the Water do Black Sabbath. O título da música eu já tenho: A Tape on the Water.
Abração.
Hahaha….
O Marco consegue fazer piada com coisas trágicas. Não conhecia essa sua história Mairon e me vi várias vezez na mesma situação em relação a fitas K7. Quantas vezes abri elas para fazer uma manutenção…rs
A coincidencia é que esse foi o primeiro disco do Sabbath que eu ouvi. Até então eu ainda estava naquela de só Iron, Metallica, Guns e Bon Jovi…
Mairon, simplesmente uma das melhores resenhas que já li! Parabéns! Sensacional e Emocionante! abraços
Muito legal!!! Esse Mairon é uma figura!!!
Excelente texto!
E eu me arrependo até hoje de não ter ido nesse show…
Discaço, pra mim um renascimento depois de discos de médio pra ruins depois do mediano Born Again…
pra mim o último grande disco do Sabbath…
parabéns pela resenha!!!
Melhor disco do Sabbath e ponto final, agora Born Again mediano? vai cassar sapo.
PErto do que fizeram, com certeza
Do caralho, Mairon, bela história. E tem gente que se resume a tentar explicar música em meio a ideias pré-concebidas e carregadas de preconceitos que embaçam nossa visão, esquecendo que emoção, tesão, nostalgia e tantos outros sentimentos são variáveis importantíssimas no ato de ouvir e compreender música.
Também tenho uma pequena história a respeito desse álbum e de como o obtive, lá por 1999: não o comprei, mas o ganhei de um colega de escola ao realizar para ele um trabalho que, se bem me lembro, era de Português. O disco estava em perfeito estado de conservação, dado que, pelo visto, o cara não havia gostado de suas músicas e sequer se dava ao trabalho de ouvi-lo. Hoje em dia, acho que esse colega nem ouve mais heavy metal…
Nunca agradeci as palavras aqui. Então, pessoal, muito obrigado!
“…leitores do Consultoria do Rock, estão lendo com vários sentimentos…”
Realmente.
Grande história e resenha.
Brigadão Libia. Pior que me emociono sempre que lembro!! Beijão