Parece que foi ontem (Parte 5): Teddy Boys, Rockers, Mods e The Who.
Por Marco Gaspari
Faz de conta que você está lendo isto em maio de 1965.
Alguma coisa está agitando os jovens londrinos e não é a beatlemania. Nas páginas dos tablóides ingleses têm sido comuns a cobertura de conflitos de rua entre gangues rivais: a dos Mods e Rockers. O que os sociólogos estão chamando de “pânico moral” diz respeito a terror, brigas, vandalismo e, eventualmente, a prisão dos envolvidos. Essa rivalidade já virou fenômeno e envolve, além de estudantes, jovens da classe trabalhadora inglesa, empregados ou não. É preciso um mínimo de dinheiro para que os Mods, com suas roupas estilosas e Lambrettas reluzentes, e os Rockers, com suas jaquetas de couro e motocicletas possantes, possam sustentar seus estilos de vida.
O interessante é que essas duas subculturas têm mais ou menos a mesma origem: os Teddy Boys do começo dos anos 50. Esses jovens dandis tardios que reviveram o estilo edwardiano de se vestir após o final da Segunda Guerra Mundial logo se viram influenciados pelo rock and roll de Elvis Presley e pelos filmes americanos que faziam a festa nas matinês londrinas da metade da década passada. Filmes como “O Selvagem”, estrelado por Marlon Brando, com suas motos, roupas de couro e sua grosseira ingenuidade e desesperança, passaram a moldar a estética e as atitudes dos futuros Rockers. Enquanto que os Mods… Bom, esta é outra história.
Lá pelo final dos anos 50, uma parte dos jovens estudantes ingleses que tinha tudo para levar adiante a tradição (e o vandalismo) Teddy Boy começou a se enfadar com os rumos da música jovem (o rock and roll já estava em plena decadência), aquele mingau insosso que de vez em quando era engrossado por um Skifle pouco inspirado e passou a se alinhar à suave sofisticação do modern jazz tocado por Dave Brubeck ou por grupos como o Modern Jazz Quartet. Esses jovens começaram a se identificar com tudo o que era considerado novo, excitante, controverso e moderno, aproximando-se dos ideais beatnicks e, em parte, assumindo a corrente existencialista de Sartre. Neste momento eles eram conhecidos como “Modernists” e, já que eram opostos aos tradicionalistas (Trads), entraram nos anos 60 como Mods.
Difícil dizer o que chegou primeiro para os Mods, a moda ou a música. Diferentes de seus irmãos mais velhos, os Teddy Boys, eles não pertencem mais à primeira geração do pós-guerra que precisava se libertar das garras dos pais ou do governo para se auto afirmar. Embora haja uma rejeição juvenil típica em relação à autoridade, eles não querem necessariamente se rebelar ou confrontar o status quo. Sua revolta é de estilo, dando as costas para toda uma cultura para eles ultrapassada. Um Mod é um jovem elegante, limpo, de cabelos bem cortados e de unhas feitas por manicures. Um jovem que atravessa a cidade de Londres montado em suas Lambrettas ou Vespas italianas, cujo principal combustível é a pílula de anfetamina que ele engole a granel para agüentar o trabalho e a vida noturna agitada. Seu gosto musical mudou do modern jazz para o blues e daí para o rhythm and blues. Seus principais grupos musicais são The Small Faces, The Creation, The Action, John’s Children e, principalmente, The Who.
Steve Marriott, Roger Daltrey, Rod Stewart e Ronnie Lane: ídolos mods |
O Who é prova de que uma nova batida, mais áspera, rude e dissonante, sacode a Inglaterra bem comportada dos Beatles. Um ano atrás se chamava The High Numbers e tocava seu som agressivo num hotel próximo a Londres quando foi abordado pelo jovem Keith Moon que queria porque queria substituir o baterista meia-boca que tocava com eles na ocasião. Bem sucedido, Moon se juntaria a Roger Daltrey, John Entwistle e Peter Townshend na formação da banda mais idolatrada pelos Mods. Os quatro chegaram a lançar um single como The High Numbers. O fracasso foi tão grande que mudaram de empresário e de nome. Como The Who lançaram seu primeiro LP no comecinho deste ano. Seu single com a música “I Can’t Explain” já está entre as 10 mais da parada inglesa. O LP chama-se My Generation e a música título, de autoria do guitarrista narigudo Peter Townshend, é o hino que todo Mod ansiava. Imagine que lá pelas tantas o cantor Roger Daltrey berra a plenos pulmões que espera morrer antes de ficar velho.
Claro que esse repentino sucesso pode ser explicado pelas qualidades musicais da banda, mas um acontecimento fortuito também foi responsável pela notoriedade que o The Who vem conquistando. É fácil associar a agressividade a esses grupos de garotos Mods. Mas quem poderia imaginar que, menos de um ano atrás, ainda batizados como The High Numbers, numa noite qualquer em que tocavam no clube londrino The Railway Tavern, um acidente envolvendo a guitarra de Peter Townshend sintetizasse toda a fúria que significa ser um Mod e mudasse os rumos desses quatro jovens músicos?
Naquela noite, era marcante o contraste entre o sisudo prédio da Harrow School e o ambiente que cercava o Railway Tavern. Os Mods estacionavam suas scooters na entrada do clube e invadiam a pista de dança, batendo os pés e provocando um estrondo selvagem capaz de mexer com qualquer sistema nervoso. Os músicos e os fãs alimentavam a energia uns dos outros. Tocando Summertime Blues e Shakin’ All Over, estupidamente amplificado, transformavam esses clássicos do R&B em alguma coisa próxima de um grito primal. A multidão, apertada junto ao palco minúsculo, se transformava em brinquedo nas mãos da banda. Townshend sentia isso, Daltrey sabia disso e todos gostavam disso.
Mais importante que a música era ver a banda em ação. O cantor movia-se para a frente, inclinava-se para trás e sacudia suas maracas freneticamente. O baterista surrava seu instrumento como se ele fosse o seu maior inimigo. O guitarrista tinha o braço direito animado como uma hélice e, enquanto pulava, castigava as cordas da guitarra. Em absoluto contraste, o baixista permanecia estático, deixando seu instrumento agir por ele. No ponto alto de uma performance incendiária, Townshend pulou tão alto que penetrou o braço de sua guitarra no teto baixo. A multidão gritou. Contagiado pela reação da platéia e pela frustração de ver seu instrumento inutilizado, ele puxou a guitarra do teto e passou a batê-la no chão do palco, quebrando-a em várias partes para delírio geral. Keith Moon passou a chutar o bumbo de sua bateria até furá-lo e espalhar todo o seu kit pelo chão. Roger Daltrey, por sua vez, segurava o microfone pelo fio e projetava-o ao chão, destruindo-o. Ensandecida, a multidão explodia em aplausos e ovações selvagens. A banda estava definitivamente consagrada no coração dos Mods.
A notícia se espalhou e a partir de então, sempre que os fãs vão ver o The Who em ação, esperam o momento em que eles quebram seus instrumentos. Townshend e Moon fazem isso com um prazer cada vez maior, para desespero de seus companheiros Daltrey e Entwistle. Eles sabem o quanto isso custa: 200 libras por cada guitarra destruída, 100 libras por cada jogo de bumbos e de 350 a 400 libras para trocar os amplificadores inutilizados. Já há quem diga que a banda deve milhares de libras por causa da quebra de seus equipamentos e seu cachê ainda não dá para pagar o prejuízo de cada show. Peter Townshend quer que se dane. É isso o que seu público quer e é isso o que ele vai ter.
Esperamos que a banda faça muito mais sucesso e muito rápido. Somente assim eles vão poder pagar todo o preço da fama.
The High Numbers no Railway Tavern (veja o vídeo).
Como sempre, excelente texto!
Nooossaaa!!! acredito que esta estória ainda tem muito pela frente…The Who nos meus favoritos só não é a primeira porque eu vi um dia ao vivo um Paul MaCca(1ªvinda…
Belíssimo texto sobre uma belíssima stória, que é a do Who. Só fiquei levemente chateado pela completa ausência dos Kinks, que, além de terem influenciado pakas a banda, pelo conhecimento desta anta, era também um grupo que se encaixava no contexto mod. Outra banda que influenciou o Who e que eu queria saber onde se situava nessa stória é o Johnny Kidd and the Pirates (criadores da "Shakin' All Over"). Valeu por mais esse lindo texto, Gaspa! Sempre que possível vou acompanhar isso aqui.
Amiguinho Adriano… lembre-se que eu escrevi esse texto em 1965. A chance de eu ter na época a mínima ideia de que o Kinks havia influenciado o Who era zero. E Johnny Kidd and the Pirates então… eu poderia, quando muito, ter lido algum gibi do Terry e os Piratas. Abração e vê se entra em contato.
Ah, bom, verdade. É a nossa velha mania humana mitológica da onisciência. (:
Entro em contato quando retornar ao bom uso da internet. Vlw!
Outra banda que sou fã! a pegada explosiva do The Who é sensacional, ótima pra chutar a chatice e a caretice pra bem longe.