Review Exclusivo: Ratos de Porão (Porto Alegre, 17 de setembro de 2012)
Por Micael Machado
Um dia de chuva intensa em Porto Alegre. Ruas alagadas, trânsito caótico e muitos guarda-chuvas abandonados pelas ruas da capital gaúcha. Pois foi nesta situação que o bar Opinião recebeu o Ratos de Porão em plena segunda-feira, no projeto “Segunda Maluca”. É desnecessário comentar a importância do Ratos para a música pesada nacional, portanto nem a fúria de São Pedro seria capaz de evitar nossa presença neste show.
Marcado para as 21 horas, apenas as 22:30h a banda de abertura subiu ao palco. A Jay Adams é um grupo da cidade de Viamão (na região metropolitana de Porto Alegre), e não se anunciaram no palco, preferindo dizer que eram “aquela banda que vocês querem que acabe logo para a gente poder ver o Ratos”. Formada por três excelentes instrumentistas no baixo, guitarra e bateria, o quarteto é completado por um vocalista que é uma figuraça, mais gritando que cantando as letras, tornadas incompreensíveis por sua velocidade e pelo tom extremamente agudo do cara. Sem parar um minuto sequer de agitar, com dez minutos de show confessou estar “morrendo de cansaço”, e que “é foda ser velho e obeso” (sei bem como é isso!). Em vinte minutos, devem ter tocado umas quinze músicas de um hardcore violento, veloz e bastante interessante, que não foi atrapalhado nem mesmo por um problema no pedal do bumbo já no final do show. Com alguns ajustes, é um grupo que tem um grande potencial para ser mais reconhecido no cenário nacional.
Faltava pouco para as 23:30h quando Jão, Boka e Juninho surgiram no palco. Com a entrada de João Gordo, iniciaram o massacre sonoro com “Contando os Mortos”, fazendo daí em diante um espetáculo que muito agradou ao reduzido público presente no Opinião (apesar de este parecer muito maior devido às imensas rodas de pogo formadas na pista).
Ao final do show, fui pedir ao técnico de som uma cópia do set list, e ele me informou que “os caras não fazem set list, só sobem lá e saem tocando”. Sendo assim, é bem difícil precisar o que foi tocado e em qual ordem, mas posso afirmar que foi bem melhor que o show do grupo que eu havia assistido no mesmo local no começo dos anos 2000.
Durante muito tempo ao longo de sua carreira, o grupo ignorou as “velharias”, como Gordo se refere às músicas dos primeiros discos, em favor de seus lançamentos mais recentes. Não foi o que ocorreu nesta noite! Clássicos como “Morte Ao Rei” e “Sofrer” (segunda e terceira músicas da noite, completando a trinca inicial de Anarkophobia logo no começo do show), “Beber até Morrer”, “Morrer” (muito pedida pelo público), “Crucificados pelo Sistema”, “Amazônia Nunca Mais”, “Aids, Pop, Repressão” (precedida por uma espécie de rap sobre uma base de funk setentista), “Crianças Sem Futuro”, “Crise Geral” e “Velhus Decreptus” foram mescladas com “novidades” como “Crocodila”, “Expresso da Escravidão” e “Testemunhas do Apocalipse”. Até uma surpreendente “Suposicollor” foi tocada, para alegria de todos.
A certa altura, João anunciou que iriam tocar umas “couves” dos discos Feijoada Acidente?, e mandaram “Olho de Gato” (do Olho Seco) e “Medo de Morrer” (dos Inocentes). Imitando o sotaque gaúcho, Gordo disse que “bah, não dá prá vir pra Porto Alegre sem tocar o Dotadão”, e lá veio “O Dotadão Deve Morrer“, dos gaúchos Cascavelletes. Mais alguns covers e João disse que chamaria ao palco alguém especial, e lembrou de quando o Ratos abriu um show para os Ramones no Dama Xoc, e Gordo cantou “Commando” com o quarteto novaiorquino. Era a senha para CJ Ramone (que fez show no Rio Grande do Sul no dia anterior) surgir no palco e assumir o baixo na execução da mesma música, em um momento sem dúvida histórico. Depois disso, a conhecida “Work For Never” (do Extreme Noise Terror) fechou o “momento couve”.
No bis teve “Pobreza”, “Caos”, “Agressão/Repressão”… No total foram pouco mais de uma hora e quinze minutos de muita pancadaria, suor e diversão. Jão mostrou que não é preciso ser um guitarrista tosco para tocar hardcore (se bem que Gordo lembrou que o Ratos “não é punk, não é metal, não é hardcore nem é new wave. Aqui é ‘Clube Recreativo Ratos de Porão’, e a gente toca o que acha legal”). Boka impressiona atrás de seu kit de bateria (o pique e a resistência desse cara é algo de outro mundo), Juninho segura as bases muito bem, além de agitar o tempo todo, e João Gordo é simplesmente João Gordo, um excelente e carismático frontman, que tem o público nas mãos o tempo todo, e lhe dá aquilo que ele quer.
Longa vida ao Ratos de Porão, e que voltem logo a Porto Alegre!
Esse mundo é um caos, essa vida é um caos! Caos!