Discografias Comentadas: Sepultura – Parte I
Por Micael Machado
Depois de conferirmos em sequência as discografias comentadas dos quatro maiores nomes do thrash metal mundial, chegou a hora de fazermos o mesmo com o maior representante do estilo no Brasil. Tudo bem que o Sepultura não foi propriamente uma banda thrash durante toda sua carreira, mas seus discos e suas músicas fazem com que o grupo mineiro seja detentor do título acima com todos os méritos. É o que você confere a seguir!
Em uma época em que o heavy metal era ainda incipiente em nosso país, os irmãos Max “Possessed” Cavalera (Vocal, Guitarras) e Igor “Skullcrusher” Cavalera (Bateria) registraram, ao lado dos comparsas Jairo “Tormentor” Guedez (Guitarras) e Paulo “Destructor” Jr. (Baixo), o que viria a ser a estreia daquele que seguramente pode ser chamado de maior nome do heavy metal nacional em todos os tempos.
Com um contrato assinado com a gravadora Cogumelo mesmo sem ter lançado uma fita demo sequer, em apenas dois dias o quarteto gravou as quatro faixas deste EP, que seria lançado em forma de split vinil com os também mineiros do Overdose (o lado dedicado a esta banda era chamado de Século XX).
Mais voltado para o death metal, com muitas influências de Venon e Bathory, além de letras quase infantis abusando de temáticas satânicas, Bestial Devastation já começa com tudo com a intro “The Curse“, seguida pela faixa título e pelos dois maiores destaques do EP, “Antichrist” e “Necromancer“, clássicos lembrados pela banda ainda hoje em seus shows. “Warriors Of Death”, talvez a mais trabalhada do disco, fecha um excelente lançamento, que trouxe reconhecimento ao grupo dentre os bangers brasileiros logo de cara (dizem que muitos chegavam a riscar com canivete o lado dedicado ao Overdose, com suas músicas mais melódicas).
Nestes mais de vinte e cinco anos, este disco já foi relançado de diversas formas pela Cogumelo, sendo que a versão original (riscada ou não) vale hoje uma bela grana. A maldição, definitivamente, estava lançada!
Apesar de bastante exaltado por nosso colaborador Mairon Machado aqui mesmo no blog, o primeiro full lenght do Sepultura para mim é o lançamento mais fraco da era Max.
Totalmente voltado ao death metal, em músicas mais rápidas que as da estreia (e ainda mantendo a temática satânica), é um disco bem aceito entre os fãs da banda, mas que nunca me agradou muito.
Apesar de trazer a versão original de “Troops Of Doom” (que ganharia uma regravação já com Andreas Kisser em um dos formatos do EP de estreia lançados posteriormente), um dos maiores clássicos do grupo, pouca coisa mais me agrada aqui.
Talvez “War“, “Crucifixion” ou “Empire of the Damned” possam rolar no meu CD player em um dia mais revoltado, mas é muito raro. Tosco, sujo, mal gravado e violentamente agressivo. Mesmo assim, vale conferir! Cabe ainda citar que a versão original tinha como intro a canção “O Fortuna”, da ópera Carmina Burana, que acabou sendo retirada das (muitas) versões relançadas pela Cogumelo ao longo dos anos.
Com a entrada de Andreas Kisser no lugar de Jairo T. Guedez, começava a nascer o Sepultura que o mundo conheceria como o gigante do thrash metal pouco tempo depois. O último lançamento pela gravadora Cogumelo deixa de lado os pseudônimos, o death metal e os temas satânicos para investir em uma porradaria thrash e músicas mais trabalhadas (em mujito graças à presença de Andreas).
Depois da intro com o tema do filme “Psicose”, “From the Past Comes the Storms” (com erro de concordância no título e tudo) inicia uma porradaria que só vai acabar nos últimos segundos de “R.I.P. (Rest In Pain)“, faixa de encerramento que é uma das melhores do play.
Mas, durante o percurso, passamos por maravilhas como “To The Wall”, “Escape to the Void” e a instrumental “Inquisition Symphony“, que anos mais tarde seria regravada pelos finlandeses do Apocalyptica em seu segundo disco (que inclusive foi batizado com seu nome). A curta instrumental “The Abyss“, totalmente tocada no violão, mostra como o Sepultura havia evoluído com a chegada de Andreas, e é uma faixa diferente dentro da carreira do grupo. Assim como os outros, este disco também teve várias versões relançadas pela Cogumelo ao longo dos anos, todas elas dignas de serem conhecidas.
Cabe citar que os teclados presentes neste disco foram gravados por Henrique Portugal, que anos depois alcançaria o sucesso com o Skank, e que foi este disco que Max Cavalera levou “debaixo do braço” para os EUA atrás de um contrato com alguma gravadora americana, algo que ele conseguiria com a Roadrunner Records, que levaria o nome do Sepultura para os quatro cantos do mundo já em seu primeiro lançamento.
Com o apoio de uma gravadora estrangeira, e com um produtor mais experiente que os dos discos anteriores (o americano Scott Burns, famoso por seus registros para bandas de death metal do estado americano da Florida), o Sepultura finalmente estourou como um nome conhecido no meio do heavy metal mundial, abrindo os ouvidos da cena metálica para nosso país.
O disco responsável por esta façanha (naqueles tempos era bem isso mesmo) não deixa pedra sobre pedra. Apesar de sua introdução com violões, a faixa título abre o play já despejando violência no ouvinte, mas também muito talento e técnica por parte do quarteto, em uma evolução natural do trabalho presente no disco anterior.
“Inner Self” foi o primeiro clipe oficial dos mineiros, e também a música responsável por fazer com que eu me apaixonasse pelo grupo, “Stronger Than Hate” tem um hipnótico riff repetitivo, e “Mass Hypnosis” (com uma parte mais melódica no meio e um solo fantástico) é uma das melhores músicas já registradas pelo grupo. Acho o lado B do vinil original um pouco mais fraco, mas puladas como “Lobotomy” ou “Hungry” com certeza não vão lhe decepcionar. Foi também nesta época que o quarteto gravou a cover de “A Hora e a Vez do Cabelo Nascer”, originalmente registrada pelos Mutantes, para a coletânea Sanguinho Novo, um tributo ao músico Arnaldo Baptista, e que anos depois seria incorporada ao track list de uma das várias reedições. Se for para definir Beneath the Remains em uma única palavra, que seja “obrigatório”!
Continuando em constante evolução, o Sepultura gravava pela primeira vez fora do Brasil (na Florida, novamente ao lado de Scott Burns), e registrava um álbum que muitos consideram como o ápice de sua carreira.
Agregando influências de hardcore e do metal industrial (presente até na introdução das duas primeiras faixas), a trinca inicial com a faixa título, “Dead Embryonic Cells” e “Desperate Cry” (a melhor música da carreira dos mineiros em minha opinião) é de acabar com o pescoço de qualquer fã. “Under Siege (Regnum Irae)” traz vozes que lembram cantos gregorianos (registradas através de muitos efeitos de estúdio), e “Subtraction”, “Altered State” e “Meaningless Movements” são outras canções dignas de nota.
Arise foi lançado inicialmente apenas no Brasil (em janeiro de 1991), em uma versão com mixagem diferente feita para coincidir com o segundo Rock In Rio, do qual o Sepultura foi um dos destaques. Esta edição também tinha uma capa diferente, além de não trazer encarte nem o cover para “Orgasmatron” (do Motörhead), que sairia apenas na versão “oficial” do disco em nosso país meses depois, não estando presente na edição lançada lá fora.
Além desta, uma introdução feita especialmente para este disco também acabou ficando de fora do track list por falta de espaço, aparecendo anos depois em uma das várias reedições dadas ao álbum. Foi nesta turnê que o Sepultura registrou seu primeiro home video (como se dizia naquela época), chamado Under Siege, e que trazia um excelente show registrado na cidade espanhola de Barcelona, além de entrevistas com os membros da banda (falando em um inglês tosquíssimo) e dos clipes oficiais do grupo (algumas de suas faixas apareceriam na compilação de 1996 The Roots of Sepultura).
Arise é um clássico da carreira da banda e do metal nacional, e outro disco obrigatório!
Com o sucesso alcançado no disco anterior, os membros do grupo mudaram-se para os EUA para ficar mais perto de sua gravadora e ter acesso mais fácil ao mercado europeu. Chaos A.D. foi gravado já com o Sepultura morando no exterior, e é um dos melhores discos já lançados sob o rótulo de heavy metal no Brasil (para mim, está no topo do pódio ao lado de Theatre of Fate, do Viper).
Não fosse uma certa implicância minha com a faixa “Propaganda”, diria que este é um disco perfeito. Afinal, que ressalvas se pode fazer a um álbum que tem como trinca inicial “Refuse/Resist” (que abre com o som intrauterino do coração de Zyon Cavalera, primeiro filho de Max com sua esposa Gloria Cavalera, à época empresária da banda, e que sairia no ano seguinte em um EP de mesmo nome, na edição brasileira junto a covers de Ratos de Porão, Final Conflict e Dead Kennedys, além de faixas ao vivo retiradas do vídeo Under Siege), “Territory” (com clipe gravado em Israel, na Palestina e no Mar Morto) e “Slave New World” (com letra co-escrita junto a Evan Seinfeld, do Biohazard), além de trazer petardos como a hardcore “Biotech Is Godzilla” (com letra escrita pelo ex-Dead Kennedys Jello Biafra), a pesadona “We Who Are Not As Others” e o improvável cover para “The Hunt”, do New Model Army?
Apesar de estar morando nos EUA, o grupo não se esquecia do Brasil, e a letra de “Manifest” trata do massacre ocorrido no presidio de Carandirú, uma violência policial que renderia até filme anos depois, além da instrumental “Kaiowas” (registrada ao vivo nas ruínas de um castelo do País de Gales) ser dedicada a uma tribo brasileira que cometeu suicídio coletivo em protesto contra o governo do país.
A edição nacional contou com uma cover para “Polícia”, dos Titãs, e várias faixas gravadas ao vivo em um show em Minneapolis, nos EUA, foram incluídas anos depois nas compilações Blood-Rooted e B-Sides, ambas de 1997. Com muito foco na percussão (sendo que Igor há muito já podia ser considerado um dos melhores bateristas do mundo), o disco foi um sucesso mundial, e levou o nome do Sepultura ainda mais alto no meio metálico. Mas ainda não era o topo da jornada!
Com foco ainda maior nas percussões e na “brasilidade”, usando instrumentos “exóticos” como o berimbau, dando um destaque maior ao baixo de Paulo Jr. e contando com a participação do músico Carlinhos Brown na percussão e vocais em algumas faixas, o Sepultura virou o mundo do heavy metal de cabeça para baixo com Roots.
Este álbum surpreendeu muita gente na época de seu lançamento, e também é considerado um clássico dentro da discografia do grupo. Também, pudera, afinal faixas como “Roots Bloody Roots“, “Attitude“, “Spit” e “Dictatorshit” estão entre as melhores coisas que o grupo já registrou. “Ratamahatta” tem uma letra maluca cantada em português por Max e Brown, “Lookaway” conta com a participação de Jonathan Davis (do Korn) e Mike Patton (do Faith No More), “Jasco” é um curto tema ao violão e “Itsári” foi registrada ao vivo no pantanal mato-grossense com a participação da tribo indígena Xavante.
A edição nacional conta com os covers para “Procreation (of the Wicked)” (do Celtic Frost) e “Symptom of the Universe” (do Black Sabbath). Este é o álbum mais longo do Sepultura até então, e confesso que o acho um tanto cansativo de ser ouvido de uma única vez. Além disso, foi aqui que Andreas começou uma irritante mania de gravar solos mais cheios de barulho que de melodia ou feeling, algo tão presente no disco anterior. Apesar de sua qualidade, o considero o disco mais fraco da era Roadrunner com Max nos vocais, o que de forma alguma significa que você deva deixar de conferi-lo. O último show desta turnê, que seria também o último com Max nos vocais, foi lançado em forma de CD em 2002, com o título Under a Pale Grey Sky, sendo até aqui o melhor registro live dos mineiros.