Maravilhas do Mundo Prog: Гунеш – Ритмы Кавказа (Gunesh – The Rhythms of the Caucasus) [1984]
Por Mairon Machado
O Turcomenistão é um país situado na Ásia Central, limitado a norte pelo Cazaquistão, a norte e a leste pelo Uzbequistão, ao sul pelo Afeganistão e pelo Irã, e a oeste pelo mar Cáspio. Até 1991, era uma das repúblicas pertencentes a União Soviética, chamada de Turcmênia. Nesse período, recluso atrás da Cortina de Ferro russa, grupos de rock existiam aos montes na região, porém desconhecidos no resto do mundo.
Um desses grupos foi o excepcional Gunesh Ensemble. O grupo nasceu em meados da década de 70, como banda de apoio de uma empresa de TV e Rádio do Turcomenistão, a TV & Radio of the Turkmen Soviet Socialist Republic, uma espécie de “Sexteto do Jô” russo. Porém, a habilidade vocal dos músicos era muito grande, e não demorou para que eles recebessem a atenção de algumas gravadoras e empresários interessados em promovê-los.
Uma das diversas formações do Gunesh |
Na época, o Gunesh contou com diversas formações. No total, mais de sessenta músicos passaram pelo grupo durante três anos, até que em 1977, se consolidou como um decateto, trazendo na formação Vladimir Belousov (baixo), Michael Loguntsov (guitarra, Sitar), Shamamed Byashimov (teclados), Rishad Shafiev (bateria), Stanislav Morozov (saxofone, flautas), Yusif Aliyev (trombone), Alexander Stasyukevich (trompete), Shamil Kurmanov (trompete), Ilyas Rejepov (vocais) e Hadzhiriza Eziz (vocais).
Essa formação passou a interpretar canções de jazz-rock, misturadas com ritmos típicos da região russa, além de peças orientais, e ganhou destaque em festivais nacionais. As canções ganhavam destaque ao vivo, principalmente pela alta capacidade de improvisações dos metais, duelando com teclado e guitarras, constituindo uma fantástica sessão instrumental, regada de improvisos. Não tardou para receberem o prêmio de melhor banda em festivais como o With a Song on the Life (1977) e The Organising Committee of the Festival Spring Rhythms (1980).
A estreia do Gunesh, em 1980 |
Esse festival elegeu Shafi como o melhor baterista, além de Morozov como melhor saxofonista. E as canções do grupo são realmente levadas pela ótima performance de Shafi, um dos maiores bateristas que o mundo já ouviu. Ainda em 1980, estreiam com Гунеш (Gunesh), um belo álbum de estreia, lançado pelo famoso selo russo Мелодия (Melodiya), destacando canções como “Туни Деряп” (Tuni Deryap) e “Кечпелек” (Kechpelek). Nos sulcos do vinil, uma maravilhosa mistura de jazz rock, música clássica, funk, canções tradicionais e rock progressivo.
Excursões, festivais e o Gunesh não parava de crescer, tanto no sucesso quanto na formação. Em 1981, recebem o prêmio de melhor banda no All-Union Competition of Pop Music and Songs, festival realizado em Yerevan, excursionando por diversos países da Europa Oriental, como Bulgária, Turquia e Polônia (onde fizeram muito sucesso), além de países da Ásia como Afeganistão, Mongólia, Vietnã, Laos, China, passando também pela África, em países como Senegal, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde.
O Gunesh ganhou mais membros, e da formação que gravou o álbum de estreia, ficaram Belousov, Loguntsov, Shafiev, Stasyukevich, Kurmanov, Aliyev e Morozov. Esse hepteto ganhou a parceria de Stepan Stepanyants (teclados), Oleg Korolev (teclados), Vakhid Rizaev (saxofones) e Hassan Mamedov (violinos), e é essa formação que grava o segundo disco do grupo.
Contra-capa de Вижу Землю |
Вижу Землю (Looking at the Earth) foi lançado em 1984, também pelo Melodiya. Um álbum muito mais experimental que seu antecessor, ele é constituído apenas de seis canções, abrindo com uma paulada chamada “Байконур” (Baikonur), destacando a linha de baixo sacolejante, as escalas e marcações dos metais e claro, a incansável sessão percusiva de Shafi durante a primeira parte da canção, lembrando muito o estilo de tocar de Alphonse Mouzon, transformando-se em uma bela balada durante o solo de saxofone e trompete.
Shafi, Stepanyants e Korolev abrem “Бу Дерды” (Bu Derdy) em uma agitada sessão rítmica de uma canção mais viajante, onde os sintetizadores aparecem com mais destaque em notas muito longas, acompanhando o belo solo de saxofone, além de um sensacional solo de flauta oriental, contando também com vocalizações em russo e um excelente solo de Sitar, seguida por “Восточный Экспресс” (Oriental Express), que encerra o lado A com o mesmo ritmo inicial de “Бу Дерды”, destacando interessantes passagens entre metais e baixo.
Éé na abertura do lado B que está nossa maravilha de hoje. “Ритмы Кавказа”(Rhythms Of The Caucasus), abrindo com uma rápida passagem de bateria, trazendo os teclados com um riff que nos remete à canções do Gentle Giant, para a guitarra começar a solar em uma escala oriental linda, acompanhado apenas por baixo e bateria, levando ao lindo solo de violino. Guitarra e violino passam a duelar pela posição de destaque da canção, com solos maravilhosos, enquanto o ritmo de baixo e bateria sacoleja o corpo do ouvinte.
Guitarra e baixo executam um complicado riff juntos, enquanto Shafi destrói na bateria com viradas e batidas nos pratos em uma velocidade impressionante, e então, uma série de viradas deixa Mamedov sozinho, solando ao violino entre barulhos de vento, em um clima muito oriental, parecendo ao ouvinte estar no meio de um deserto. Um triste poema é entoado por Stepanyants, e o solo de violino segue, intercalado por mais um cântico oriental de Sepanyants, voltando então ao ritmo inicial de “Ритмы Кавказа”.
Shafi manda ver na bateria, e agora, o baixo atinge uma velocidade absurda para acompanhar o solo de violino, chegando a reta final dessa maravilhosa faixa com guitarra e violino executando o mesmo solo, com as mesmas notas executadas perfeitamente, dando espaço para um energético solo de Shafi, e concluindo com mais um duelo de guitarra e violino, enquanto Shafi humilha muitos bateristas famosos em uma velocidade absurda, encerrando com o violino lacrimejando as últimas notas entre as batidas e Shafi e longos acordes do sintetizador.
Gunesh em ação |
Вижу Землю ainda nos apresenta a linda “Ветер С Берегов Ганга” (Wind From The Gang), com uma ótima participação da Sitar e do violino, com lindos solos de cada um dos instrumentos, sendo a mais oriental de todas as canções do álbum, e “Вьетнамские Фрески” (Vietnamese Frescoes), uma canção cantada em dialeto vietnamita, apresentando um pesadíssimo riff de violino, baixo e sinos tubulares, além de mais uma performance impecável e truculenta de Shafi na bateria.
A coletânea que mostrou o Gunesh ao mundo |
O mundo acabou conhecendo Gunesh através da coletânia Rishad Shafi presents “Gunesh”, lançada em 1999, e que é um ótimo aparado de canções do baterista Shafi com seu ex-grupo, e que apresenta com destaque nossa maravilha prog, criada por um dos principais nomes do rock da antiga União Soviética, e sem dúvidas, o principal nome do rock feito no Turcomenistão.
O grupo acabou em meados da década de 90, e hoje, é figura cobiçada entre os colecionadores de rock progressivo mundo afora, os quais cada vez mais se deleitam com a sonoridade exclusiva do Gunesh, além das performances assombrosas do baterista Rishad Shafi.
O Mairon resolveu tornar meu dia mais agradável e eu agradeço. Adoro essas bandas obscuras da ex-cortina de ferro. Não tem nada melhor do que um clássico da fronteira ressurgindo da lama soviética. Que gogó tem esse cantor!!! E antes que algum fã de Jon Anderson ou Bruce Dickinson resolva contestar, a língua russa tem fonemas que os ocidentais simplesmente não conseguem alcançar. Ou seja: é mais fácil um Ezizov cantar como Anderson ou Dickinson do que o contrário. Hoje eu gostei muito, Mairon. Parabéns!
Hehehe Cheguei meio atrasado,mas de fato,’The Rhythms of the Caucasus’ é uma canção que tem uma impressionabilidade virgem!