Maravilhas do Mundo Prog: Beto Guedes – Chapéu de Sol [1977]

Maravilhas do Mundo Prog: Beto Guedes – Chapéu de Sol [1977]

Por Mairon Machado
Quem hoje ouve o músico mineiro Beto Guedes interpretando baladas melosas e sem sal, mal sabe que ele fez (e faz) parte importante da cena progressiva do Brasil na década de 70, tendo lançado uma das obras-primas do gênero em Terra Brasilis, responsável por modificar as direções progressivas em nosso país.

O homem dos
1000 instrumentos
Homem dos mil instrumentos, como foi carinhosamente apelidado por Milton Nascimento, Beto nasceu na cidade de Montes Claros, no dia 13 de agosto de 1951, e desde cedo começou a mostrar suas habilidades como músico. Aos oito, aprendeu a tocar seu primeiro instrumento, o pandeiro, e fez parte de um conjunto regional formado pelo pai, Godofredo Guedes. Aos nove, mudou-se para Belo Horizonte, aonde conheceu o amigo e parceiro musical Lô Borges. 
No auge da beatlemania, Beto e os amigos Márcio Aquino, Lô e Yé Borges montaram, em 1964, o The Beavers, grupo de versões brazucas para clássicos do Beatles. Em 1969, começa a participar de festivais, ganhando o quinto lugar com a canção “Equatorial” (parceria com Lô e Márcio Borges) no Primeiro Festival Estudantil da Canção de Belo Horizonte.

Já no V Festival Internacional da Canção, é revelado ao Brasil com “Feira Moderna”, uma de suas canções mais conhecidas, composta em parceria com Fernando Brant. Não tardou para Beto tornar-se uma referência no rock mineiro, fazendo parte do que ficou conhecido como Clube da Esquina, ao lado de Milton Nascimento, Wagner Tiso, Lô Borges, entre outros mineiros que “exilaram-se” no Rio de Janeiro a partir de 1972. 
Wagner Tiso, Beto Guedes e Milton Nascimento
Nesse mesmo ano, estreiou vinilicamente, tocando diversos instrumentos no álbum Clube da Esquina, de Milton e Lô. Dois anos depois, grava uma joia rara do cancioneiro brazuca, o excelente Beto Guedes / Novelli / Danilo Caymmi / Toninho Horta, no qual Beto desfila tocando violão, baixo, craviola, bandolim, teclados, percussão e outros instrumentos. Ainda passou pelo grupo 14 Bis, antes de dedicar-se a sua carreira solo.

Em 1977, lançou seu álbum de estreia, e fez do mesmo a tal obra-prima citada no início do texto. Batizado de A Página do Relâmpago Elétrico, este álbum está facilmente na lista dos dez álbuns essenciais do rock nacional, e chega a ser assustador aos fãs atuais de Beto ouvir o mesmo do início ao fim.
Show na turnê de A Página do Relâmpago Elétrico
Nele, Beto apresenta seus dotes em diversos instrumentos, tocando bandolim, violão, guitarra, flauta e moog, além de cantar. Em sua companhia, estão Toninho Horta (baixo, orquestracão e regência), Robertinho Silva (bateria, percussão), Vermelho (órgão e piano), Flávio Venturini (piano), Hely: (bateria, percussão), Zé Eduardo (violão, guitarra), Faraó (moog), Paulo Guimarães (flauta) e Novelli (piano). Com um time desses, só poderia vir um disco fantástico, e é isso o que realmente temos.

Não dá para negar que a maior atração do LP para os fãs é a bela “Nascente”, de Flávio Venturini e Murilo Antunes”, a qual ficou imortalizada por Renato Russo na versão ao vivo de “Soldados”, registrada no álbum Música p/ Acampamentos, lançado pelo Legião Urbana em 1992, mas A Página do Relâmpago Elétrico possui muito mais.

Beto Guedes, Gal Costa e Ronaldo Bastos
As parcerias com Ronaldo Bastos geraram canções fantásticas e marcantes, como a faixa-título, que abre o LP levemente, com o violão carregado de efeitos e a voz aguda de Beto preenchendo o recinto em um folk-psicodélico viajante, “Tanto” e seus longos acordes de sintetizador e o tema grudento do moog, além de um belíssimo arranjo de cordas, “Choveu”, na qual Beto faz um emocionante solo na craviola, e a clássica “Lumiar”, uma linda balada psicodélica, com uma letra complicadíssima e uma interpretação emocionada de Beto.
“Maria Solidária”, canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, ganha uma cara remodelada, mas segue bastante as linhas de composições alegres de Milton, com outra letra complicada e lembrando bastante o ritmo caipira-mineirinho, apesar do moog e do hammond aparecer como instrumento central, e faz chover na linda “Bandolim”, única canção exclusivamente de Beto, e que é uma milonga-flamenca com violão, piano, percussão e o instrumento que lhe dá nome fazendo o solo central, além de uma emocionante participação da flauta. 
Mas é a parceria com Flávio Venturini que acabou se tornando uma Maravilha Prog de dimensões gigantescas. “Chapéu do Sol” começa com a marcação de piano e baixo, entre as viradas de bateria, trazendo o lindo tema do moog, construindo uma harmonia hipnotizante. As suaves notas do moog cantam como um Bem-Te-Vi na floresta, e entre diversas manifestações de flautas e teclados, levam-nos ao viajante tema central, com longos acordes do sintetizador, do qual Danilo Caymmi salta com um rápido solo de flauta, tão suave quando o tema do moog.
A introdução é retomada, com a flauta participando ativamente fazendo intervenções, e o moog repete o mesmo tema hipnotizante, levando novamente para os longos acordes dos teclados, acompanhando um leve duelo entre flauta e moog. A profundeza dos acordes dos teclados é muito delirante, retornando então para nova repetição do tema do moog, encerrando essa genial canção com o moog fazendo um último tema, entre as constantes viradas da bateria e dedilhados de piano.

Beto e sua guitarra

“Salve a Rainha” (com a participação de Milton Nascimento, composta por Zé Eduardo e Tavinho Moura) e “Belo Horizonte”, delicioso chorinho composto por Godofredo Guedes (pai de Beto), e com Beto novamente brincando com o bandolim, complementam um disco excepcional, o qual deve ser ouvido sem pré-conceitos. Na época de seu lançamento, A Página do Relâmpago Elétrico vendeu vinte mil cópias, superando as expectativas da gravadora EMI e consolidando o nome de Beto entre os principais artistas do país.

No ano seguinte, Beto lançou Amor de Índio, virando ídolo da geração adolescente da época, que levou o álbum seguinte, Sol de Primavera (1980) a vender mais de duzentas mil cópias. A carreira do músico seguiu, cheia de altos e baixos, fugindo totalmente das viagens progressivas e psicodélicas de seu álbum de estreia e com imensos vácuos de lançamentos, tanto que ele possui apenas nove discos de estúdio em 40 anos de carreira.

Beto Guedes

Mas se tivesse lançado apenas A Página do Relâmpago Elétrico, ou um compacto contando somente com “Chapéu do Sol”, já seria suficiente para eternizar um dos maiores gênios da música nacional.

5 comentários sobre “Maravilhas do Mundo Prog: Beto Guedes – Chapéu de Sol [1977]

  1. Esse som realmente é muito lindo, melodias maravilhosas…merece o título dentro do panorama nacional.
    Abraço,
    Ronaldo

  2. algumas músicas já conhecia, mas nunca ouvi esse disco inteiro. Achei no Youtube e pude comprovar. Tem ótimas passagens de prog rock.

  3. A Página do Relâmpago Elétrico consegue tocar e acalentar o coração desse Sexagenário, da mesma forma que quando pré adolescente ouvi a primeira vez, no lançamento desta primorosa obra que me acompanha desde então.

    Parabéns pelo cuidado, zelo atenção, delicadeza e carinho em buscar sintetizar o inexplicável conceber divino, dessa obra que cruza décadas e já virou um milênio trazendo tanta emoção e beleza.
    Parabens por tão bem traduzir sensibilidades.

  4. Belíssima e intensa homenagem ao discaço do Beto Guedes, Mairon, muito obrigado por compartilhar!

    Aos mais novos que pretendem ingressar no maravilhoso mundo do vinil – ou aos adeptos que não o possuem -, esse é obrigatório na estante. Todas as vezes em que entro em alguma conversa com amigos sobre ter uma coleção de vinis e uma aparelhagem adequada, eu coloco esse disco do Beto Guedes para justificar ter uma coleção de vinis e ainda ouvi-los frequentemente, e faço a pessoa ouvi-lo em 3 versões: Spotify, CD e vinil… Façam o teste e me digam se o time presente nesse clássico não era diferenciado… Abraços.

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