Discografias Comentadas: Sly & The Family Stone (Parte I)
Larry Graham, Jerry Martini, Freddie Stone, Cynthia Robinson, Sly Stone, Rose Stone e Greg Errico
Por Mairon Machado
Um guitarrista negro, extremamente talentoso, que ajudou a revolucionar seu instrumento e ainda consagrou-se durante o verão do amor de 1967, na Califórnia, fez misérias em Woodstock e deixou um legado de álbuns que influenciaram muita gente posteriormente. Estou falando de Sylvester Stewart, mais conhecido como Sly Stone.
Entre 1967 e 1976, Sly comandou sua “família” no Sly & The Family Stone, um dos principais grupos de funk-rock e soul que o mundo pode ouvir. Ao lado da banda de James Brown (os J. B.’s), Ike & Tina Turner e do projeto Parliament-Funkadelic, a Sly & The Family Stone marcou época com muito swing, canções clássicas e a guitarra embalada de Sly Stone.
No final da década de 70, o grupo deixou de existir, e mesmo a tentativa de retomar o nome Sly & The Family Stone na virada dos anos 70 para os 80, acabou perdendo espaço para a onda da eletrônica.
Hoje, apresentaremos os sete álbuns de estúdio da Primeira Geração da Família de Pedra, e na semana que vem, vamos apresentar os três discos lançados como tentativa de retorno do grupo no final da década de 70 e início dos 80, além dos dois álbuns solos de Sly Stone.
A Whole New Thing [1967]
A estreia da Família de Pedra é um apetitoso aperitivo para o groove e dançante ritmo que fez de Sly Stone um ídolo anos depois. Aqui estão os pequenos elementos que acimentaram o funk do grupo, para depois construir o alicerce que sustentaria toda a dinâmica efervescente e contagiante desse trem em evolução.
A “Família” é constituída por Freddie Stone (guitarra, vocais), Larry Graham (baixo, vocais), Jerry Martini (saxofone), Cynthia Robinson (trompete, vocais), Greg Errico (bateria) e o conjunto vocal Little Sister, formado por Vet Stone, Mary McCreary e Elva Mouton, além de Sly no vocal principal, guitarra, órgão, piano e outros instrumentos.
O álbum possui de tudo um pouco: Motown puro e simples (“I Cannot Make It”), rock californiano a la Beach Boys (“Run, Run, Run”); e baladas doloridas (“That Kind of Person”, cantada por Freedie, e “Let Me Hear It From You“, nas quais Sly demonstra todo seu talento no órgão). As linhas vocais de “I Hate to Love Her”, “Advice” e “Trip to Your Heart” (essa beirando a psicodelia) ou o ritmo alucinante de “Turn Me Loose” (encerrando com Sly fazendo um suspiro cansado) e “Underdog” são totalmente inovadores para a época.
O grande destaque é o arranjo dos metais nas pérolas “Dog”, “If This Room Could Talk” e “Bad Risk“. Detalhe importante é que A Whole New Thing foi gravado ao vivo no estúdio, para diminuir custos. Apesar das baixas vendas na época, é um belo trabalho a ser conhecido.
Dance to the Music [1968]
Parece mentira que em tão pouco tempo um grupo possa ter evoluído tanto. Gravado dois meses após A Whole New Thing, Dance to the Music demorou sete meses engavetado, devido principalmente as baixas vendas do primeiro disco, mas quando chegou às lojas, sacudiu meio mundo.
Com a adição da tecladista Rose Stone, Sly pode soltar-se mais na guitarra, como ouvimos em “Don’t Burn Baby” e “I’ll Never Fall in Love Again”. A faixa-título, que abre o LP, se tornou TOP 10 nos Estados Unidos, e é uma aula de swing, com cada instrumento fazendo sua participação solo de forma empolgante, além de criar o que ficou batizado de Psichedelic Soul. Rose comanda o piano de “I Ain’t Got Nobody (For Real)”, Gosto muito do ritmo intrincado criado por Errico em “Are You Ready?, que assim como “Ride thr Rhythm“, deu as bases para o que o Jackson 5 iria fazer no início dos anos 70 utilizando muitas vocalizações.
“Higher” destaca Sly na harmônica, e “Color Me True” é uma maravilhosa mistura de vozes, aglomeradas pelo ritmo da guitarra e dos metais. O principal ponto a se destacar é que quase todas as canções são cantadas pelo quarteto Graham, Sly, Rose e Freddie, tornando a harmonia vocal muito interessante de se ouvir. E claro, a psicodelia e o agito dos mais de doze minutos de “Dance to the Medley” são uma aula de transpiração, inspiração e ritmo, em uma das melhores canções da carreira do grupo, com vocalizações, baixo carregado de distorção e a guitarra lisérgica de Sly pegando fogo. Essencial para se conhecer a carreira da Família de Pedra, e é impossível ficar com o corpo parado durante seus pouco mais de trinta e oito minutos.
Life [1968]
A receita de Dance to the Music foi aperfeiçoada nesse terceiro álbum, lançado oito meses após o citado LP. Mantendo a mesma formação, os vocais agora ficam concentrados em Freddy, Graham e Rosie, e as harmonias entre baixo, órgão e metais é envolvente demais para ficar parado.
O álbum é uma avalanche sonora do início ao fim, e em termos de letras, foi o que apresentou as canções de protesto e a harmonia musical, marcas registradas de Sly Stone. De início, temos a guitarra rasgada de “Dynamite!”, a hilária “Chiken” (com vocais imitando sons de cacarejos) e a linda “Plastic Jim“, uma swingadissíma canção com uma das harmonias mais belas da história do funk.
A partir de então, Life cresce de forma incrível, tornando-se a avalanche que destrói casas até hoje. “Fun”, “Into My Own Thing” e “Harmony” são brilhantes harmonias de metais, piano, órgão e vocalizações, enquanto a faixa-título tem um riff entusiasmante que faz até defunto levantar os braços. As vocalizações de “M’ Lady” mostram como o grupo evolui nesse disco, e o baixão distorcido de Graham é a sensação em “Jane is a Groupie” e “Love City“, essa, com uma democrática divisão de vozes.
A única queda do LP vai para “I’m an Animal”, que realmente não diz para que veio, principalmente por sua simplicidade. Life não vendeu muito, apesar de ter recebido boas críticas da imprensa. Não importava, os alicerces já estavam construídos para a maior empreitada do grupo.
Stand! [1969]
Primeiro álbum a alcançar a primeira posição em vendas nos Estados Unidos, é aqui que o grupo decola de vez. Influenciados por James Brown, a Família de Pedra vendeu mais de três milhões de cópias, tornando-se uma das mais reconhecidas no mundo do funk. Stand! possui uma pancada atrás da outra sendo as canções bem maiores do que os três álbuns anteriores, e o som final muito mais trabalhado e inovador.
Há espaço para canções mais amenas, como “Everyday People”, “Stand!”, que possui um grande encerramento, e a simples “Somebody’s Watching You”, além do embalo de “You Can Make It If You Try”, mas é Sly quem está endiabrado, ora sugando a harmônica como se fosse uma vagina (“I Wanna Take Your Higher“), ora criando riffs intrincados na guitarra (“Sing a Simple Song”), ora utilizando o vocoder (espécie de sintetizador da voz humana, transformando-a em qualquer instrumento) como uma extensão de seu corpo, em faixas como a manifesto “Don’t Call Me Nigger, Whitey” e a longa “Sex Machine“, na qual, seja com o vocoder, seja pisoteando sem piedade o wah-wah, o gênio negro cria uma obra prima do funk americano, com seus quatorze minutos instrumentais de aprendizado musical para qualquer ser vivo que goste de música, seja o estilo que for.
Ela também tem um alucinante solo de bateria, único a aparecer nos LPs da Sly & The Family Stone. Sem sombra de dúvidas, um dos melhores discos em todos os tempos e em todos os estilos.
There’s a Riot Goin’ On [1971]
Entre o lançamento deste e o seu antecessor, o grupo estourou como uma das sensações em Woodstock, mas quase houve a dissolução do grupo, inclusive com os Panteras Negras interferindo na formação, fazendo com que Gerry Gibson participasse de algumas canções na bateria, substituindo Greg Errico.
Aqui, o consumo de drogas começou a pegar pesado entre eles (com Sly carregando um case de violino só para transportar sua cocaína), o que fez das canções mais leves e cadenciadas, como atestam as bluesísticas “Just Like a Baby” e “Time“, essa um bluesão de tirar o fôlego.
Os vocais são divididos democraticamente entre Rose e Sly em poucas faixas, no caso, “(You Caught Me) Smilin'”, “Luv n’ Haight”, e “Family Affair“, outro grande clássico do grupo. Os metais aparecem com destaque em “Brave & Strong” e na embalada “Runnin’ Away”, e o wah-wah cadencia ainda mais a leveza de There’s a Riot Goin’ On nas simples “Poet” e “Spaced Cowboy” (essa, uma verdadeira piada ao fã mais xiita).
Os pontos fortes ficam para as duas canções homenageando a África, que são as longas “Africa Talks to You The Asphalt Jungle” e “Thank You for Talkin’ To Me Africa”, repletas de ginga e sensualidade, mas um tanto quanto amorosas demais. Foi o mais vendido nos Estados Unidos logo após o seu lançamento, mas não tem o mesmo calibre que Stand!. Vale ressaltar que há uma importante participação especial de Ike Turner nas guitarras. Como Sly estava profundamente mergulhado nas drogas, a gravadora Epic lançou Greatest Hits, número dois na Billboard em 1970. E quem souber explicar o que são os três segundos de silêncio da faixa-título, sinta-se a vontade.
Fresh [1973]
Sem ser tão lento quanto seu antecessor, Fresh não conseguiu manter o êxito dos álbuns lançados pelo grupo até então, mas está longe de ser um disco decepcionante.
Mais mudanças ocorrem na formação, com a entrada de Andy Newmark na bateria, a adição de Pat Rizzo aos metais (tocando saxofone) e fazendo uma divisão do baixo entre Rusty Allen e Larry Graham, que deixou a banda após uma conturbada briga entre ele e os seguranças de Sly Stone (que quase acabou com a vida do baixista). Graham gravou apenas “If it Were Left Up To Me” e a balada “Que Sera, Sera (Whatever Will Be, Will Be)”, cover para o clássico de Ray Evans.
Resistir a levada de “Skin I’m In” e a sensacional “I don’t Know (Satisfaction)“, uma das melhores canções do grupo, é tarefa ingrata, e a performance vocal de Sly é belíssima em “Frisky”, a sensual “Keep on Dancin'”, na pérola “If You Want Me to Stay“, mais um grandioso sucesso do grupo, e também em “In Time”, uma inovadora performance musical do ritmo criado pela Família de Pedra. “Thankful N’ Thoughtful” e “Babies Makin’ Babies” possuiem um belo arranjo vocal e dos metais, e o único resbalão é a sonolenta “Let Me Have It All”. O que se sobressai é um disco muito coeso e representante do estilo funk, influenciando desde Miles Davis até Red Hot Chili Peppers.
Small Talk [1974]
O último disco da família original é uma despedida não tão satisfatória para os fãs. Atolado em drogas, Sly não consegue adquirir construir canções contagiantes, e o álbum passa lentamente pelo toca-discos.
A formação da banda já está bastante modificada, com Rusty Allen e Andy Newmark permanecendo no baixo e na bateria respectivamente, assim como Pat Rizzo no saxofone, mas agora, temos a entrada de Sid Page no violino, o que mudou bastante o som funk do grupo, tornando-o mais próximo do pop de cantoras como Yvonne Elliman, como atestam as baladas “Mother Beautiful”, “Wishful Thinkin”, “This is Love” e “Can’t Strain My Brain”.
Por outro lado, Small Talk apresenta pontos positivos, como o arranjo instrumental de “Holdin’ On”, a deliciosa balada “Say Your Will“, o rock pegado de “Livin’ While I’m Livin'” e a levada vocal de “Time for Livin'”. O violino está presente em todo o disco, e soa interessante em alguns pontos, principalmente em “Better Thee Than Me“, na qual duela ferozmente com os metais. Quem bebeu da fonte desse álbum foi o grupo Beastie Boys, o qual regravou “Time for Livin'” no formato punk rock no disco Check Your Head (1992) e sampleou o riff de “Loose Booty” na canção “Shadrach”, do disco Paul’s Boutique (1989), sendo “Loose Booty“, com todo o seu trabalho de vocalizações e os metais, o ponto alto de um disco mediano, sem inspiração, muito romântico e longe do esperado para um lançamento de Sly Stone.
A caixa The Collection, com todos os álbuns da primeira geração, e muitos bônus
Aqui, o grupo deixou de existir, Sly partiu para uma carreira solo (lançando o interessante High on You, em 1975) e voltando de forma surpreendente com uma nova Family Stone em 1976, como veremos semana que vem.Vale ressaltar que todos esses álbuns apresentados hoje foram relançados na caixa The Collection (2007), com diversas faixas bônus.