Renaissance – Uma Sinfonia Progressiva (Parte II)

Renaissance – Uma Sinfonia Progressiva (Parte II)

00050Por José Leonardo Aronna

Anos confusos: A transição

Parte das informações contidas a seguir são conclusões retiradas de algumas análises, pois não tivemos acesso a uma reconstituição detalhada daquela fase.

Keith Relf, John Hawken, Jane Relf, Jim McCarty, Louis Cennamo
Keith Relf, John Hawken, Jane Relf, Jim McCarty, Louis Cennamo

No ano seguinte à realização de Renaissance, a banda registrou cinco canções que viriam formar a base do segundo LP, que só seria lançado em 1971. Nestas sessões, na música “Past Orbits Of Dust” é convidado o pianista Don Shin. Nesta canção e em “Love Is All” registram-se as primeiras participações da poetisa Betty Thacher – amiga de Jane Relf – nas letras. Ela foi uma das responsáveis pela qualidade dos temas desenvolvidos durante toda a carreira da banda. As músicas seguiam a mesma linha do disco anterior, com mais incursões renascentistas e barrocas, eventualmente explorando até os sons dos “spirituals”, onde Jane tem uma oportunidade de mostrar toda a sua bela extensão vocal. Quase todas as músicas se converteram em clássicos folk-progressivos.

No decorrer de 1970, constatou-se uma pouca repercussão do trabalho de estréia, o que serviu para agravar algumas divergências musicais existentes. Assim os primeiros a manifestar sua decisão de abandonar o barco foram Keith Relf e Louis Cenammo, que pretendiam desenvolver um trabalho mais pesado, fato comprovado pela criação da banda Armageddon anos depois. Jim McCarty, por sua vez, com a saída dos colegas, resolveu também abandonar o projeto, mas não queria o fim da banda. Convidou então um amigo, guitarrista Michael Dunford, e deu a ele a tarefa de reformar e continuar a trajetória do grupo, com plenos poderes, inclusive sobre o nome Renaissance. Ele convidou o baixista Neil Corner, o baterista Terry Slade e o vocalista Terry Crowe. Os quatro, mais Jane e Hawken, partem para uma tour pela Europa. Durante essas apresentações, os dois últimos remanescentes da formação original resolvem partir. Hawken é convidado a fazer parte do Spooky Tooth, sendo substituído por John Tout, também de formação erudita, e Jane resolve dar uma parada na carreira.

Capa externa do álbum
Capa externa de Illusion

Um pouco antes, esse sexteto entra em estúdio e registra a música “Mr. Pine”, incluída no segundo disco, que havia sido batizado de Illusion, procurando desta forma retratar a fase que estavam passando. Esse LP foi lançado somente na Alemanha, em 1971, sem nenhuma divulgação internacional, o que foi lastimável, pois se trata de uma obra belíssima, destinado a ser um marco que acabou não acontecendo.

Durante esse período de transição da banda, entre 1970/1971, o grupo arrumou uma substituta para a Jane Relf: uma cantora americana chamada Binky Cullom. E esta improvável e ainda mais desconhecida formação, no meio de tantas transições, ainda teve tempo de deixar um registro em vídeo (não oficial). Trata-se de um especial produzido para uma rede de tv alemã, onde a banda aparece tocando músicas dos seus primeiros discos, além de uma música inédita no final. Estão lá Terry Crowe e Binky Cullon nos vocais, Michael Dunford na guitarra e backing vocals, John Tout nos teclados, Neil Korner no baixo e Terry Slade na bateria. Neste vídeo, é possível perceber a fase de transição da banda, que ainda procurava reencontrar seu caminho. Curioso também notar que as vozes de Terry Crowe e Binky Cullon eram muito semelhantes às dos irmãos Relf, e que Dunford sempre foi um bom guitarrista, apesar de, mais tarde, praticamente abandonar este instrumento, passando a usar só o violão.

Morte e renascimento

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John Tout, Annie Haslam, Terry Sullican, Jon Camp e Michael Dunford

Com a virtual derrocada do projeto original, Dunford – que também decide não atuar com a banda – reporta a situação ao seu amigo McCarthy, que para salvar a ideia, o aconselha a mudar de agente e permanecer no projeto apenas como produtor. Através de um anúncio no Melody Maker, recrutam a cantora Annie Haslam e resolvem mudar quase todo o line-up: entram o baixista Terry Sullivan, o baixista Jon Camp e o guitarrista Mick Parsons. Este último viria a falecer em um acidente tendo sido substituído por Rob Hendry. Essa formação, mais John Tout, viria a realizar o primeiro trabalho da nova fase, a obra-prima “Prologue”, em 1972.

Todas as ideias do projeto inicial são, a partir de Prologue, desenvolvidas com mais profundidade e, digamos, com uma maior visão profissional. Analisemos os fatos:

– Jim McCarty – um dos idealizadores – ainda estava envolvido, “fiscalizando” e colaborando. Sua participação como compositor em “Prologue” comprova isso.

– Michael Dunford, que se tornou a eminência parda da banda, havia sido escolhido pessoalmente por McCarty, para continuar o seu trabalho.

– A forte presença feminina continuou, quando da substituição da magnífica Jane Relf pela maravilhosa Annie Haslam.

– Os elementos eruditos foram mantidos, só que agora buscando um som mais cheio, criando climas de orquestra sinfônica.

Início do sonho: Prologue

A obra prima Prologue
A obra prima Prologue

Embora não demonstrando a capacidade de um Yes, nem a evolução de um Genesis, nem a criatividade de um King Crimson, nem a coragem de um ELP, muito menos a genialidade de um Gentle Giant, o Renaissance cumpriu de maneira exemplar o que se propôs.

Neste terceiro disco a banda mostra sua vocação de criar standards da música popular internacional como podemos conferir nas seis peças que formam a obra. A introdução, “Prologue”, com sua grandiloquência, viria a se tornar o número de abertura dos shows da banda. “Kiev” introduz os neófitos na outra vertente: lindíssimas baladas capaz de emocionar até uma pedra. “Sounds Of The Sea” tem barulho do mar, canto de pássaros e uma agradável melodia introspectiva, que é um convite ao relaxamento e à meditação. “Rajah Kahn”, de 11 minutos, mergulha de maneira intensa nas tradições árabes e hindu, dando um toque místico e mostrando um intenso trabalho de pesquisa. Essa faixa conta com a participação do tecladista do Curved Air, Francis Monkman. “Spare Some Love” e “Bound For Infinity” entram direto naquela lista de standards. A belíssima capa que une surrealismo e futurismo é criação da Hipgnosis, é claro!

Consolidação: Ashes Are Burning

Ashes are Burning, consolidando o sucesso do grupo
Ashes are Burning, consolidando o sucesso do grupo

No ano de 1973, é realizado o disco Ashes Are Burning, que viria a ser a pedra de toque da consolidação do sucesso da banda, principalmente nos EUA, Alemanha e Brasil. Apesar de estar na lista dos supergrupos ingleses, a verdade é que a banda sempre obteve um reconhecimento maior fora do Reino Unido. É que lá eles são considerados apenas mais uma banda folk moderna, enquanto que em outros países eles eram venerados como grupo progressivo.
O quarto disco – onde utilizam uma orquestra e que marca o retorno oficial de Michael Dunford nos violões, no lugar de Rob Hendry – possui pelo menos três verdadeiros baluartes da década de 70: “Can You Understand”, “Carpet Of The Sun” e “Ashes Are Burning”. Completavam o masterpiece, as maravilhosas “Let It Grow”, “On The Frontier” e “The Harbour”. Todas as músicas são de autoria de Michael Dunford e Betty Thatcher, à exceção de “On The Frontier” parceria da poetisa com McCarty.

Esse disco serve para mostrar definitivamente a importância da interpretação de Annie Haslam para as canções do Renaissance. Realmente uma outra obra-prima. Dessa vez temos mais um músico convidado: Andy Powell, do Wishbone Ash, que contribui com belos solos na fantástica faixa título.

Foi com esse maravilhoso disco que tomei conhecimento dessa fantástica banda. Infelizmente, na virada 70/80, ainda nos tempos do vinil, pouca coisa da banda estava disponível, ou seja, apenas cinco Lps!

Desafios – Turn Of The Cards e Scheherazade

O desafio de Turn of the Cards
O desafio de Turn of the Cards

Os anos que se seguiram foram de muitas excursões pela Europa e Estados Unidos, com paradas providenciais para registrar mais duas peças históricas: Turn Of The Cards (1974) e Scheherazade And Other Stories (1975).

O primeiro busca repetir a fórmula de Ashes Are Burning, só que com uma maior sofisticação no tratamento dos temas, muitas sutilezas, buscando criar uma espécie de neoclassicismo progressivo, em uma linguagem ao mesmo tempo bem moderna para os inventivos anos 70, mas com um pé no passado, com maior variações de movimentos em pelo menos três músicas que podemos considerar suítes sinfônicas: “Running Hard”, “Things I Don’t Understand” e “Mother Russia”.

As outras canções, mais curtas, seguem a linha dos belos refrões de ascendência folk: “I Think Of You”, “Black Flame” e “Cold Is Being” (esta baseada em tema de Albinoni).

Algumas informações adicionais a respeito do álbum Turn Of The Cards:
* “Things I Don’t Understand” foi a última contribuição do Jim McCarty para a banda

* “Running Hard” usa uma frase melódica usada antes em “Mr. Pine” do álbum Illusion

* “Mother Russia” usa uma frase melódica do segundo movimento da peça “Concierto de Aranjuez” de Joaquin Rodrigo.

* Esse foi o último álbum do Renaissance que inclui trechos de peças clássicas ja existentes

* No Reino Unido, foi o primeiro lançamento do selo BTM Records (British Talent Managers). Em 1977, depois de 10 discos, incluindo mais dois do Renaissance, o selo foi à falência

* A quem interessar possa, o castelo fotografado na capa do álbum é o Warwick Castle, localizado na cidade de mesmo nome no condado de Warwickshire

Capa do álbum
Um dos melhores momentos da história do Rock Progressivo

O disco seguinte, Scheherazade and Other Stories, traz o Renaissance em um dos melhores momentos da história do Rock Progressivo, utilizando todas as referências das obras anteriores, mas com um maior amadurecimento e uma técnica apuradíssima nas composições, arranjos e execução dos instrumentos. Surpreendentemente, dois novos compositores se associam a Dunford e Thatcher: nada menos que John Tout e Jon Camp. No antigo lado A, 3 músicas na linha renascentista tradiconal: “A Trip To The Fair” com seus típicos riffs de piano clássico, “The Vulture Fly High”, enérgica composição que mostra a boa fase que atravessavam e “Ocean Gypsy”, com belíssimo refrão, que se converteria em um dos maiores sucessos do grupo. Curiosidade: “A Trip to the Fair” trata do primeiro encontro entre Annie Haslam e seu marido Roy Wood (The Move, Electric Light Orchestra, Wizzard).

O lado B trazia a mais ambiciosa produção da banda, a faixa “Song Of Scheherazade”, uma Maravilhosa suíte de quase 25 minutos, onde a banda lança-se ao desafio ao fazer uma obra de vasto fôlego. Dividida em 9 movimentos, a obra conta a mesma lenda árabe de “As Mil e Uma Noites”. É a história de uma bela jovem ameaçada de entrar na lista das ex-esposas de um sultão, que tinha por hábito, decapitá-las ao entardecer. Para escapar, Scheherazade contava a cada dia um novo capítulo de interessantes histórias que pareciam não ter fim. O sultão, sempre muito interessado, foi adiando a execução até desistir do intento. Um grande tema para uma grande obra progressiva, realizada com grupo, orquestra e coral. O disco foi recebido com louvores pela crítica e pelos fãs, o que tornou 1975 o melhor ano da banda e que acabou gerando a edição, no ano seguinte, de um álbum duplo contendo os melhores momentos de três dias de lotação esgotada no Carnegie Hall, junto com a New York Philarmonic.

A segunda metade dos anos 70: no topo

O Auge do sucesso
O Auge do sucesso

No trabalho ao vivo Live at Carnegie Hall, o set list foi o seguinte: Prologue (7:30), Ocean Gypsy (7:13), Can You Understand (10:26), Carpet Of The Sun (3:37), Running Hard (9:40), Mother Rússia (10:23), “Scheherazade” (28:48) e “Ashes Are Burning” (22:59). As músicas selecionadas, os arranjos e a performance da banda tornaram esse disco um dos mais belos “ao vivo” da história progressiva.

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Novella, um álbum menos orquestral

Depois de tantos bons trabalhos em sequência, o que viria a seguir não decepcionaria: 1977 marca o lançamento de Novella, bom trabalho que confirma as presenças de Camp e Tout como auxiliares nas composições de Dunford e Thatcher. Tornaram-se clássicos: “Can You Hear Me”, cheio de viradas, com quase 15 minutos e “Midas Man”, além da belíssima “The Sisters”. Na verdade as outras músicas também confirmam o amadurecimento da banda em todos os sentidos, dos arranjos ao avanço da técnica instrumental. O disco soa um pouco menos orquestral, passando a sensação de que o formato de banda eletrificada está mais consolidado, isto apesar de Dunford se utilizar apenas de “acoustic guitar”.

Um detalhe: Novella foi lançado no Reino Unido quase seis meses depois do lançamento americano, isso em virtude, como citei anteriormente, da gravadora britânica BTM ter ido à falência. Com isso, muitos fãs importaram massivamente a edição americana. Além disso, a capa das duas edições são diferentes.

Capa do álbum
O enérgico A Song for All Seasons

No ano seguinte, em 1978, mais uma grande realização, que marca a utilização ostensiva de teclados, guitarra elétrica e orquestra. A Song For All Seasons é um trabalho mais enérgico e mais cheio, com poucos espaços livres para respirar. 8 temas são desenvolvidos de forma memorável, mostrando que a banda estava conseguindo promover pequenas mudanças estruturais em sua fórmula de sucesso, em uma contínua progressão que a poderia eternamente em evidência no cenário internacional. Sabemos que a história não confirmou esta tese, mas estava tudo ali para que isso acontecesse.

Um dos destaques desse disco é a atuação de Jon Camp como compositor, guitarrista e vocalista em algumas faixas. Sua atuação no baixo também é irrepreensível, como se pode verificar em “Opening Out”. Outro destaque é a progressiva e belíssima faixa título. A bela “Back Home Once Again” acabou sendo utilizada como trilha sonora de uma série de TV inglesa chamada The Paper Lads. A faixa “Northern Lights”, lançado em single, chegou ao Top 10 no Reino Unido, sendo o single mais vendido da banda.

Terence Sullivan, Annie Haslam, Jon Camp, John Tout
Terence Sullivan, Annie Haslam, Jon Camp e John Tout

Após este excelente trabalho, a banda se viu diante de uma grande encruzilhada, mas isso fica para a terceira parte…

3 comentários sobre “Renaissance – Uma Sinfonia Progressiva (Parte II)

  1. Recentemente tomei contato com o disco “Renaissance – DeLane Lea Studios 1973”, com versões ao vivo em estúdio das músicas do Lp “Ashes are burning”. A versão de “Ashes…” conta com o auxílio luxuoso de Al Stewart e o solo de Andy Powell é mais longo e pesado. Um bom disco.

  2. Renaissance não é uma de minhas bandas preferidas. No entanto, uma composição deles é capaz de me deixar sem palavras pra ao menos tentar descrever o que sinto ao ouvi-la. Kiev.

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