Bobby BeauSoleil antes e depois do diabo
Por Marco Gaspari
(Matéria originalmente publicada na revista poeiraZine)
Arroz de festa da cena californiana nos anos 60, Bobby BeauSoleil tinha apenas 16 anos quando ganhou a posição de segundo guitarrista na banda de Arthur Lee, The Grass Roots. Sua passagem por esse grupo, que mais tarde viria a se tornar o Love, foi meteórica porque a condição de menor de idade não permitia que ele tocasse ao vivo nos inferninhos da Sunset Strip, em Hollywood.
Aos 18 anos, por volta de 1966, ele reaparece em Haight-Ashbury com uma banda instrumental chamada Orkustra, junto com David LaFlamme, que depois viria a ser o líder do It’s a Beautiful Day (uma música do jazzman Vince Wallace, gravada pelo Orkustra e melhorada pelo It’s a BD, chamada Bombay Calling, foi chupada pelo Deep Purple e ganhou a posteridade com o nome de Child in Time).
Em 1967, tocando com o Orkustra no festival The Invisible Circus, ele impressionou tanto o cineasta underground Kenneth Anger, notório satanista e seguidor de Aleister Crowley, que este imediatamente o convidou a interpretar o papel principal do seu mais novo projeto, o filme Lucifer Rising, uma espécie de continuação da obra do poeta John Milton sobre o mito do anjo caído. BeauSoleil topou na hora, mas com a condição de que ele fizesse a trilha sonora.
Os dois trabalharam durante meses no filme e para fazer a trilha Bobby montou um novo grupo – The Magick Powerhouse of Oz. Com a ajuda de Anger, uma apresentação da nova banda foi marcada no Straight Teather. Mas como as coisas não ocorreram como planejadas e isso acabou servindo de pretexto para uma briga feia entre Bobby e Anger, os dois romperam relações e a trilha do filme não foi realizada.
BeauSoleil passou então a se virar como guitarrista de aluguel e foi assim que deu suporte, junto com Dennis Wilson, dos Beach Boys, a um novo cantor e compositor chamado Charles Manson que na época estava tentando gravar seu primeiro disco.
Aos 20 anos, Bobby já se considerava um revoltado contra o sistema e a figura de Charles só serviu para radicalizar sua posição. Integrante agora da “Família” de Manson, começou a se meter em delitos e transar drogas com bandos de motociclistas barras-pesadas. Numa dessas transações, Bobby acabou assassinando um professor de música e foi condenado à morte pela corte de LA. Mais tarde sua pena foi transformada em prisão perpétua e, na cadeia, mesmo limitado, continuou a lidar com música, criando instrumentos, formando bandas entre os detentos e compondo.
Em 1976, enquanto estava hospedado na prisão estadual de Tracy, na Califórnia, foi procurado novamente por Kenneth Anger. O filme Lúcifer Rising ainda não tinha música e o cineasta estava injuriado com Jimmy Page que, segundo ele, enrolou 3 anos para fazer uma trilha. Page alegou problemas pessoais e de saúde e, anos depois, disse que Anger havia lhe rogado uma maldição (a trilha de Page para o filme, 23 minutos no total, foi lançada em vinil no ano de 1987).
BeauSoleil conseguiu autorização das autoridade penitenciárias e formou a The Freedom Orchestra com músicos presidiários. Em 1979 finalmente a trilha estava pronta, gravada dentro da prisão, e virou um pequeno clássico da psicodelia instrumental, nos moldes dos primeiros trabalhos do Pink Floyd. Hoje está disponível em CD duplo, lançada pela Arcanum Entertainment.
Bobby continuou seu trabalho musical, casou-se em 1981 e continua preso. Aos 67 anos, está cada vez mais perto do seu próximo encontro com o diabo.
Filme Lucifer Rising, de Kenneth Anger, com Bobby Beausoleil
Saudades das matérias do Marco. Ainda mais que eu acordei “from hell” hoje….
Confesso que não lembro dessa matéria no PZ. O Marco continua sendo o Brad Pitt da ASPABORMI. Valeu meu caro!
Fui ouvir…
Estou achando que vão ser necessárias várias audições para eu “entender” o disco…
Hehe… não tem nada pra entender, Fernando. Acho eu. É uma trilha sonora.
Eu sei Marco…eu li a matéria 😛
Eu usei o verbo entender, mas foi um modo de dizer gostar…rs
Este Anger tem um jeitão de capiroto mesmo…por acaso, lembrado por um post no FB, voltei a ouvir a trilha não usada de Page para o filme dele. É chato pra caramba…
Foi bom reler esse texto!
mas ainda não dei os devidos ouvidos a trilha do Lucifer Rising e nem aos trabalhos de Bobby BeauSoleil!
Em tempo: o Marco Gaspari tem uma igrejinha do Coisa Ruim ali pros lados de Osasco…
Estou re-lendo o livro Quando os Gigantes Caminhavam Sobre a Terra, e nele, é dito que Page demorou mais de 3 anos para entregar um material para Anger, por conta das turnês e das gravações do Led (isso foi entre 73 e 76). Quando entregou os pouco mais de vinte minutos, Anger disse que queria mais, mas Page falou que não tinha como colaborar sem ver o filme (Anger apenas contou o que seria o filme, baseado em Crowley, e Page, seguidor do homem, imaginou a trilha até uma determinada parte da história). Dessa forma, a trilha ficou engavetada, e por isso saiu só em 1987. Seria alguma atribuição dos pactos demoníacos que Page fazia em Boleskine House?