DVD: R.E.M. – Tourfilm [1990]
Por Micael Machado
Em 1991 eu tinha 16 anos e só ouvia dois tipos de música: punk rock e o que tocasse nas “rádios rock” do sul do Rio Grande do Sul. E foi através dessas que descobri uma banda chamada R.E.M., através de “Losing My Religion”, enorme sucesso naquele ano (uma época tão distante que até músicas boas podiam ser sucesso nas rádios comerciais…). Eu nunca havia ouvido falar do grupo, e, meses depois, outra faixa deles, “Shiny Happy People”, começou a tocar bastante também, aumentando a minha curiosidade por aquela “nova” banda que parecia ter uma grande qualidade.
Foi então que a saudosa revista Bizz fez uma matéria de capa com o grupo, aproveitando o sucesso pelo qual ele passava, e que, para minha decepção, descobri que a banda já tinha dez anos de carreira, e que Out Of Time, o disco que continha as duas músicas “famosas”, era já o sétimo da banda, sem contar o EP de estreia e duas coletâneas…
Como o “espírito de colecionador” já havia se apossado do meu jovem corpo, ao ler a matéria meu primeiro pensamento foi: “e agora, como faço para conhecer a discografia da banda?” (lembrando que trato de uma era pré-internet, ok?).
Até que, em um domingo à tarde, na extinta Rede Manchete, um programa que semanalmente exibia clipes e os chamados “home vídeos” (ancestrais dos DVDs atuais, lançados em VHS) resolveu dedicar uma edição ao R.E.M.. Misturadas a clipes das “conhecidas” “Losing My Religion” e “Shiny Happy People” (além de outras para mim desconhecidas então), eram exibidas imagens do home vídeo Tourfilm, minha verdadeira porta de entrada ao universo da banda de Athens, Georgia.
Todo filmado hora em câmeras de 35mm, hora em Super 8 (com muitas imagens em preto e branco e outras que, se não têm a qualidade “digital” a que hoje estamos acostumados, funcionam muito bem na tela), Tourfilm foi lançado em 1990, tendo sido gravado em cinco shows durante a tour americana de Green, álbum que antecede Out Of Time e primeiro do grupo pela poderosa Warner, após quase uma década na independente IRS. Contando na formação com Michael Stipe (vocais), Peter Buck (guitarra, violão, mandolin), Mike Mills (baixo, acordeão), Bill Berry (bateria e percussão, baixo em “You Are the Everything”) e a participação de Peter Holsapple (teclados, guitarra, violão), das onze faixas do disco, apenas quatro (“The Wrong Child”, “Orange Crush”, “Hairshirt” e “Untitled”) não fazem parte do track list do VHS (e posterior DVD). As que não vieram de Green formam uma das melhores compilações dos anos de “independência” do R.E.M., que os levou a ser um grande sucesso alternativo nos EUA, ainda que praticamente desconhecidos do resto do mundo.
Lembro exatamente que foi a versão de “Turn You Inside-Out” presente neste vídeo que me fez virar fã do grupo. Ver/ouvir Michael Stipe se esgoelando no refrão da música usando um megafone foi um “baque” para meus ingênuos ouvidos, bem como a pungente versão de “You Are the Everything”, balada quase acústica com o baterista Bill Berry no baixo e o baixista Mike Mills no acordeão (e, para mim, era novidade bandas onde os integrantes trocavam de função dependendo da música). Na época não conseguia entender como uma banda podia fazer canções tão “pesadas” e “nervosas” como “Turn You…” e, ao mesmo tempo, baladas tão “doces” e “suaves” como “…Everything”. Isto foi um dois pontos que mais chamou a minha atenção para o grupo.
Outro foi a presença de palco de Stipe, que em muito lembrava a de Morrissey (e, por consequência, a de Renato Russo, meu ídolo maior à época e outro que foi fortemente influenciado pelo vocalista dos Smiths), com suas dancinhas “ridículas” e suas camisas sociais de mangas longas para fora das calças. Outro ponto de atenção ia para a
dupla Mills e Buck, com linhas de baixo e partes de guitarra que se destacavam dentre o pop “comercial” a que estava acostumado a ouvir então, sem citar a voz de Michael, desde então um dos meus vocalistas favoritos quando o assunto é um rock mais “comercial”, e os belos “backing vocals” de Mike Mills, que, com o tempo, foram perdendo espaço nas canções da banda.
O que eu não sabia então, e só fui descobrir anos depois quando consegui uma cópia do vídeo em DVD, já então fã incondicional da banda, é que o vídeo mostra o R.E.M. em um ponto de virada (o chamado “turning point”), entre um grupo de sucesso local e outro de mega sucesso mundial; entre uma banda primariamente “roqueira” e a outra mais “comercial” que eles se tornariam nos anos seguintes; entre uma banda com letras e preocupações políticas e outra com seus versos mais dedicados às questões do ser humano e seus relacionamentos (ainda que continuasse engajada); e entre uma banda segura e disposta a dar o sangue no palco e outra que já entra em cena com o jogo ganho. Não que a segunda seja ruim, mas este R.E.M. apresentado em Tourfilm é muito mais “inocente” que o mega grupo que surgiria após o sucesso de Out Of Time.
Para quem é fã da banda, os motivos para recomendar o DVD são muitos: começando pela presença de Bill Berry, que se afastou da banda antes do disco Up (após sofrer um AVC durante a turnê anterior, divulgando o álbum Monster), e que não participa dos outros DVDs ao vivo da banda (pelo menos não daqueles que possuo); além disso, o repertório com músicas que dificilmente eles viriam a tocar nos anos posteriores, passando pelas covers usadas como introdução para várias das canções, muitas delas apenas com Michael cantando a capella, além de trechos de “Belong” e “Low” exibidos entre algumas faixas, músicas estas que só teriam suas versões de estúdio registradas no disco seguinte ao Green, o já citado Out Of Time. Além de uma versão improvisada para “Afterhours”, do Velvet Underground, que aparece no final do vídeo, com Stipe inventando uma letra e a banda se perdendo no andamento, tudo entre risadas e brincadeiras que mostram o quanto eles se divertiam no palco, ainda não sendo o grupo “profissional” que o posterior sucesso exigiria.
Após Out Of Time, o R.E.M. tornou-se um grande sucesso mundial, e até veio tocar em Porto Alegre, em um dos melhores shows a que já assisti, mas ao qual talvez não tivesse ido se não fosse pela exibição de Tourfilm na TV em um monótono domingo à tarde.
Obrigado, Rede Manchete!
Set List:
1. Stand”
2. The One I Love
3. These Days
4. Turn You Inside-Out
5. World Leader Pretend
6. Feeling Gravity Pull
7. I Believe
8. I Remember California
9. Get Up
10. It’s the End of the World as We Know It (And I Feel Fine)
11. Pop Song 89
12. Fall on Me
13. You Are the Everything
14. Begin the Begin
15. King of Birds
16. Finest Worksong
17. Perfect Circle
18. After Hours
Fico chateado de ver esta declaração de amor ao R.E.M. ir para o limbo sem nenhum comentário. A impressão que fica é a de que ninguém leu. Bom, eu li e vou repetir o que já disse para o outro irmão Machado: gostei mais do texto do que gosto da banda. Pra mim, o R.E.M. que deveria ter feito sucesso chamava-se The Long Ryders, que sempre me pareceu mais interessante. Mas enfim, o assunto aqui é a banda do Michael Stipe, de quem tive um CD só de covers, com um som medonho, mas que era o que eu ouvia deles e gostava. Losing my religion também é legal, mas música que cansou de tocar nas rádios não vale, a gente não sabe se está mascando o chiclé com a boca ou com os ouvidos. De toda forma, o R.E.M. tem uma virtude para mim indiscutível: o Micael ama de paixão.
Obrigado pelo apoio, Marco! Realmente, sou muito fã da banda, mas levei um tempo percorrendo sua discografia até chegar nesse ponto. Dê mais uma chance aos caras (principalmente à fase da IRS), quem sabe você não curta também?
Ah, nem sabia da existência deste The Long Ryders… Parece que vou ter de ir atrás, não é mesmo?
Pois já postei vídeos deles na CR do facebook, mas lá acontece como aqui: ninguém está nem aí.
Parabéns Micael! Foi por meio desse show que entrei em contato com o REM, em um programa da Band. A fase IRS possui clássicos incontestáveis, como Murmur e Document. Na Warner, além de Out of Time e Automatic For the People, Monster e New Adventures in Hi Fi também são grandes álbuns. Infelizmente a banda acabou quando retomou sua capacidade de fazer grandes músicas, mas deixou um legado inquestionável.Espero que um dia retorne, pois a banda tem credibilidade e ainda muita música boa para mostrar.
Ótimo texto!