BBM – Around the Next Dream [1994]
Por Mairon Machado
As listas de Melhores de Todos os Tempos sempre propiciam boas discussões, muitas vezes fundadas na emoção e no gosto pessoal de determinado consultor, que recusa-se a aceitar ou entender a votação dos colegas e achincalha sem dó nem piedade discos que para ele, são simplesmente a reprodução da bost@ da mosca que circula ao redor da merd@ do cavalo do bandido. Eu mesmo sou um tarado na discussão. Quanta porcaria já rolaram nessas listas? A pior de todas com a enfadonha visão do RPM encabeçando a lista de Melhores de Todos os Tempos de 1985 (UOL Host, devolva nosso post!). Absurdos incomensuráveis, discos nada representativos, Maravilhas Prog abandonadas ao léu, enfim, o fato é que as listas são uma ótima diversão para nós que as escrevemos, e acredito, causa os mesmos transtornos em diversos leitores, mas sempre lembrando que as listas na maioria dos casos (para não dizer 100%) leva em conta simplesmente o gosto pessoal da criatura.
Em virtude da aproximação da lista de Melhores de 1994, venho de antemão me manifestar com esse petardo que DUVI-D-O-DÓ entre nos dez mais. Em um ano tão competitivo, com pelo menos três álbuns clássicos (Slayer – Divine Intervention, The Rolling Stones – Voodoo Lounge, e Pink Floyd – The Division Bell), algumas novidades surgiram no mercado, outras bandas novas consolidaram-se como fortes expoentes de sua geração, mas o mais marcante foi o renascimento de grandes nomes do rock, que perambularam como zumbis pop nos anos 80 e, depois de ter engolido muito cérebro com apenas dois neurônios, fizeram um tratamento de revitalização, saindo das tumbas com força e lançando discos muito bons, porém não tão aclamados assim.
E aqui entra Around the Next Dream, álbum lançado pelo magnífico trio Jack Bruce (baixo, piano, teclados e vocais), Ginger Baker (bateria, percussão) e Gary Moore (guitarra, violões, vocais), ou simplesmente BBM. Na época, a imprensa babou o ovo para o disco, mas os fãs fizeram um estardalhaço muito pequeno em comparação com as dimensões do álbum, que acabou atingindo o nono lugar nas paradas do Reino Unido, mas foi considerado um fracasso na parada americana.
Antes dessa reunião, os três vinham de carreiras solo que não estavam nada bem. Bruce, após sair do Cream por divergências com Baker, perambulou com participações especiais em discos de diversos artistas – Frank Zappa, Robin Trower, John McLaughlin, Jon Anderson, o próprio Gary Moore, entre outros – até enveredar pela World Music. Em 1993, ele havia lançado seu oitavo álbum de estúdio, Somethin’ Else, que passou despercebido do grande público. Mas ainda naquele ano, em um encontro com Baker, a sua situação musical começou a mudar.
Baker foi outro nômade pós-Cream. Logo de cara, participou do super grupo Blind Faith (ao lado de Eric Clapton, Steve Winwood e Rick Grech), e na sequência, levou Steve Winwood para fundar a maravilhosa Ginger Baker’s Airforce, que lançou dois excelentes mas desconhecidos trabalhos homônimos, ambos em 1970. Depois, foi viver na África, mais precisamente na Nigéria, onde apaixonou-se ainda mais pelos sons tribais africanos e lançou uma trinca de discos com o multi-instrumentista Fela Kuti. Depois do projeto Baker Gurvitz Armu, tocou com o Public Image Ltd. de John Lydon e com o Hawkwind, antes de montar o projeto Masters of Reality, que durou um elogiado álbum, Sunrise of the Sufferbus (1992), mas um verdadeiro fracasso, tendo vendido menos de 10 mil cópias em todo o mundo. Mas em 1993, a coisa mudou …
Do trio, Moore é o que estava com sua carreira solo mais consolidada. O guitarrista irlandês já vinha de experiências bem sucedidas no Skid Row e no Thin Lizzy, duas das maiores bandas de sua terra natal, e seus discos vendiam regularmente bem. Em 1985, lançou seu álbum de maior sucesso comercial, Run for Cover, com forte sonoridade AOR, que se para os fãs antigos foi tratado com menosprezo, conquistou toda uma nova geração de seguidores. Porém, no início dos anos 90 Moore resolveu voltar às raízes do blues, lançando os belos álbuns After the War (1989), Still Got the Blues (1990) e After Hours (1992), ótimos discos em sua integridade, mas que não obtiveram sequer a sombra do sucesso de Run for Cover, apesar do single de “Still Got the Blues” ter ficado entre os 100 mais da Billboard. Eis que então chegou o ano de 1993.
Naquele ano, Bruce estava comemorando cinquenta anos de vida, e para celebrar o momento, realizou dois shows especiais na cidade de Colônia, Alemanha, nos dias 02 e 03 de novembro. O espetáculo contou com a presença de diversos artistas convidados, dentre eles Baker e Moore, que como trio, arrasaram com a plateia em versões foderosíssimas de quatro clássicos do Cream: “N. S. U.”, “Sitting on Top of the World”, “Politician” e “Spoonful”. Essas preciosidades foram registradas no álbum duplo Cities of the Heart (1994), contendo toda a apresentação de Colônia e fazendo parte da discografia de Bruce. A apresentação foi tão impactante que catalisou a continuação do trio, e assim nasceu o BBM.
Em pouco tempo, Around the Next Dream já estava pronto, sendo lançado em maio de 1994. O álbum já abre com a pancada “Waiting in the Wings”, chapando o ouvinte e colocando-o diretamente em 1968, mais especificamente nos estúdios de gravação do aclamado Wheels of Fire, com a diferença que empunhando as seis cordas e pisoteando o wah-wah está Gary Moore, e não Eric Clapton. É impossível para qualquer fã do Cream não sentir o aroma e as nuances de “Tales of Brave Ulysses” ou “White Room” nessa faixa, seja pelo vozeirão de Bruce ainda estar intacto, pelo baixo cavalgante de Bruce, ou por que Moore é um guitarrista de mão cheia, e a forma como ele pisoteia o wah-wah sem dó durante o solo é muito similar a Clapton em tais faixas, principalmente pelas intervenções durante as frases de Bruce.
É impossível não ouvir o início do álbum pensando nos saudosos e inquestionáveis álbuns do Cream, e quando “City of Gold” surge nas caixas de som, continuamos viajando pela discografia da banda, partindo para Fresh Cream com as clássicas linhas de “Rollin’ and Tumblin'”, mas o experiente trio não vive só do passado, e faz uma surpreendente balada flower power, “Where in the World”, com os vocais marcantes de Moore acompanhados por violão e sintetizadores aqui, a cargo de Tommy Eyre, além da percussão de Arran Ahmun, nessa que para alguns pode ser a única baixa do LP, mas na verdade, é uma singela peça musical oitentista entre a ótima agressividade sessentista que permeia todo o disco, com destaque para o refrão tendo os vocais divididos entre a dupla Moore e Bruce.
Moore também assume os vocais do gigante blues “Can’t Fool the Blues”, ótimo para ser ouvido regado por um velho uísque quinze anos, e mostrando que Moore além de um guitarrista de mão cheia, é um vocalista excepcional. Por mais que seja irlandês de nascença, sua voz soa como dos velhos africanos negros que influenciam gerações e gerações de cantores até hoje, em uma das melhores performances vocais de sua carreira. Além disso, o solo que é elaborado para essa faixa simplesmente é uma aula de como se construir um solo de blues simples mas recheado de feeling, e certamente aqui você irá se levantar da poltrona para brincar de air guitar.
O clima acalma em outro blues, “High Cost of Loving”, com a marcante presença do órgão e do piano, sem gerar comparações com o Cream, lembrando talvez um pouco da carreira solo de Stevie Ray Vaughan, mas com uma performance irretocável do trio, fechando o lado A.
O lado B abre com “Glory Days”, uma canção muito próxima ao que Moore registrou na sua fase AOR, contando com o trompete de Morris Murphy principalmente em Run for Cover, seguida da melhor canção do disco. Só ela já vale a aquisição do álbum, principalmente pela quantidade de arrepios e lágrimas que ela irá causar em você. Trata-se da emocionante “Why Does Love (Have to Go Wrong)”. Com um início que nos lembra “We’re Going Wrong” (Disraeli Gears, 1967), a canção passeia em sua mente por quase nove minutos que vão da dor agonizante de Bruce implorando a sua amada por uma explicação para os problemas de relacionamento entre ambos, até o solo de Moore, onde as portas do paraíso abrem-se para receber a majestosta virada que o guitarrista faz na canção. Que momento fantástico, em uma pegada fulminante que fecha os três últimos minutos da canção e simplesmente o coloca de queixo caído diante da vitrola, dizendo “Sério que foram seres humanos quem registraram essa belezura?”.
Depois do desbunde feito pelo trio em “Why Does Love (Have to Go Wrong)”, sobra pouco espaço para surpresas, mas elas ainda irão surgir, começando pela leveza da tocante “Naked Flame”, uma ótima ode para o descanso após a intensa orgia musical propiciada na faixa anterior. A voz de Moore enche as caixas de som no boogie de Albert King “I Wonder Why (Are You So Mean to Me?)”, destacando outro belo solo de Moore. Por fim, a balada “Wring Side of Town” encerra o LP com Bruce no baixo acústico e muito sintetizador, em uma dolorida canção de despedida do trio, que saiu em uma turnê de regular sucesso pela Europa e Estados Unidos, mas acabou fechando as atividades no ano seguinte, novamente por conta das divergências entre Baker e Bruce.
Around the Next Dream recebeu um relançamento em CD em 2002, com quatro faixas bônus: “Danger Zone”, “World Keeps on Turning”, 13. “Sitting on Top of the World” (Live) e “I Wonder Why (Are You So Mean to Me?)” (Live). O trio nunca mais se reuniu, virando mais uma pedra no muro de supergrupos que nasceram para o sucesso, mas naufragaram nos oceanos do desconhecimento e do descaso.
Curiosamente, nesse mesmo ano, Eric Clapton abandonou a pieguice explícita dos terríveis August e Journeyman , e finalmente encontrou-se com as raízes no belíssimo From The Cradle, mas isso é papo para outra rodada de ceva.
PS: Duvido também que From the Cradle fique entre os dez mais …
Track list
- Waiting in the Wings
- City of Gold
- Where in the World
- Can’t Fool the Blues
- High Cost of Living
- Glory Days
- Why Does Love (Have Go Wrong)
- Naked Flame
- I Wonder Why (Are You So Mean To Me)
- Wrong Side of Town
Muito bom o BBM, Mairon. Gostei ainda mais agora que reouvi depois de tantos anos. Mas imagino que para o verdadeiro fã do Cream, aquele que queria que esse disco fosse gravado pelos três, o gosto de marmita requentada em banho-maria é inevitável. Só mais uma coisinha: postar discos de 94 às vesperas da próxima lista de melhores é roubar no jogo. Não se deixem intimidar, ó Consultores. Mas já que é assim, gostaria de lembrá-los que escrevi tempos atrás (e o UOL mandou pro beleléu) uma matéria sobre o disco Kaddish, do Towering Inferno, de longe o melhor e mais ousado disco lançado em 93. E não adiantou picas. Nesse ano fraquinho, fraquinho ninguém nem se tocou que havia pérolas que podiam salvar aquela lista de ostras.
Obrigado Marco. Em época de tantos roubos na política, no futebol e na sociedade em geral, fazer a propaganda de um belo disco para os consultores METALEROS desse site não chega a ser tão irrefutável assim. Aquela resenha do Towering Inferno era muito boa, mas o disco não se compara a categoria do escritor.
Quem nasceu pra BBM jamais chegará a TI.
Não considero o disco marmita requenta, mas sim um arroz com feijão muito bem feito, com direito, em algumas faixas, como Why does love, a uma pitada de salsinha e cebolinha para torná-lo ainda mais apetitoso. Parabéns pela resenha Mairon Machado. Em relação a lista de 1994, se houver alguma justiça, Monster, do REM, estará, no mínimo, entre os cinco.
Tomara Antonio, mas sinceramente, acho brabo. Acredito que Division Bell e Divine Intervention brigam pela ponta, seguidos por algum disco de METAL que os consultores adoram bajular, infelizmente
Mairon, eu já aposto em uma banda americana com um vocalista canadense que eu sei que você adora.
Daí sim …
Belo texto, só não concordo com o comentário em relação ao Journeyman (1989) do Eric Clapton, é um excelente disco, e a participação do Robert Cray à época no auge só fez abrilhantá-lo. Mas quanto ao August (1986), do mesmo EC, este sim é terrível mesmo…
Nunca simpatizei com o estilo que confunde elegância com baixos teores de Cray…
Quando esse disco saiu na época, não dei muita bola para ele. Só fui perceber que era um disco muito bom, vários anos depois, ouvindo na casa de um amigo. Mas dai já não se encontrava a edição nacional do mesmo para venda… Se um dia achar essa versão com bônus com certeza o comprarei! Mas para me redimir tenho uma cópia baixada por aqui… rs
Acho que a maior dentre todas as “piadas de mau gosto” ocorridas nas listas de “Melhores de Todos os Tempos” aqui da Consultoria foi a inclusão de Love at First Sting (Scorpions) na lista de 1984. Queria que Defenders of the Faith (Judas Priest) estivesse entre os 10 melhores dessa lista, mas como vocês colocaram no lugar dele um disco todo sem fundamento algum como este da banda alemã, o que me resta fazer é – como diziam Chapolin e Julieu em sua serenata á Romieta – “chorar e chorar, chorar e chorar”.
Tem que ser muito xiita para falar mal do Love At First Sting, um discaço de hard rock clássico!
Não gosto do Scorpions pós Blackout, mas isso mais me parece birra. #sodizendo
Scorpions clássico?
Sem provocação e já provocando, Division Bell é para quem não conhece o Pink Floyd (se bem que tem gente que gosta até do disco das camas…).
Só de pensar que Division Bell pode estar na lista de 1994, eu sinto agonia. Agora, um Broken China em 1996 até que vale.
Clássico. Comprei recentemente o cd com as faixas bônus. Eu amo Power Trios do Rock: Jimi Hendrix Experience e Band Of Gypsys, West Bruce And Laing, Trower Bruce And Husband, Cream, Pappo’s Blues etc.
Puxa, desconhecia essa versão com bônus. Vou atrás. Obrigado Geraldo