Review Exclusivo: Abraxas Fest (Rio de Janeiro, 20 de setembro de 2015)
Por Ronaldo Rodrigues (com colaboração de Guilherme Spir)
A ocasião não poderia ser mais propícia. Ainda que por motivos impróprios, a cidade do Rio de Janeiro vivia seu clima de verão precoce com o eco da palavra rock, devido ao grande evento montado no Circo Medina de Jacarepaguá.
Mas a quentura realmente aconteceria quilômetros dali, na boemia da Lapa. Disputando aos socos e pontapés um espaço aéreo para o som de guitarras distorcidas em meio a batuques e toda a sorte de som, eis que reluzia no Teatro Odisséia um facho de expectativa a um seleto público louco para chacoalhar o corpo e a cabeça.
Tratava-se do Abraxas Fest, o segundo aniversário da iniciativa dos irmãos produtores Felipe Toscano e Rodrigo Toscano, que tanto tem atentado contra o marasmo que acometia o rock no Rio. Caras que deveriam andar com escudos e lanças pelas ruas, tamanha bravura em enfrentar a claudicante estrutura das casas de shows cariocas, um mercado fonográfico completamente desarticulado e um público ainda letárgico e, de certa forma, repulsivo a novos nomes.
Na primeira oportunidade, o Abraxas Fest ferveu a Lapa com um show absolutamente incendiário do trio norte-americano Radio Moscow, junto de outros grupos brasileiros de igual quilate – Quarto Astral, Fuzzly e Barizon. Agora, era a vez de trazer da Alemanha o celebrado trio Kadavar, cuja turnê mundial para lançamento de seu terceiro full album Berlin começaria exatamente aqui no Brasil, através da Abraxas.
O evento, no domingo (20 de setembro de 15), previsto para começar as 19hs tinha como abertura o grupo natalense Son of a Witch. Um engarrafamento monstruoso na ponte Rio-Niterói, por conta de um acidente, me fez perder os primeiros minutos do show, mas já os havia visto em outra ocasião abraxiana, no Saloon 79. O grupo veio pra apresentar o trabalho de seu primeiro álbum, produzido por Gabriel Zander no estúdio Superfuzz, também no Rio, em outra frutuosa parceria da Abraxas.
O show do quinteto foi uma descarga de puro veneno sonoro. Sua formação com duas guitarras e a presença do expressivo frontman Nelson (cuja descrição sai sob o codinome de King Lizzard) comandou a massa, fazendo a transição das dezenas para a centena que se achegava ao Teatro Odisséia. O Son of a Witch aposta totalmente em riffs tétricos, com afinações baixas e uma oferta generosa de groove ao peso mastodôntico de suas guitarras. Há pouco espaço no som deles para liberdades guitarrísticas, que de alguma forma tenta ser compensada com alguns interessantes efeitos de guitarra. O grande destaque fica por conta da voz de King Lizzard. Potente e condizente com o estilo, em sua garganta parecia ser possível ouvir a voz de todo o público (ainda que estes não conhecessem as músicas para cantá-las) e seu corpo sacudia como se o sangue de todos passasse também por suas veias. Oferecendo drinks ao público, o Son of a Witch saiu do palco sob muitos aplausos e estendeu um generoso tapete para as próximas atrações, já devidamente calibradas mentalmente.
Formação: King Lizzard (vocal), Psychedelic Monk (guitarra), Gila Monster (guitarra), Bong Monkey (baixo) e Asteroid Mammoth (bateria)
Discografia: Thrones in the Sky (2015)
Também do Rio Grande do Norte, mas dessa vez da tórrida cidade de Mossoró, chegava ao palco a segunda atração, o metálico grupo Monster Coyote. Nessa hora, a atitude sonora do palco ficou mais extrema com o som do trio. A fórmula era de riffs rápidos e pesados e bateria pisoteada com fúria (e com possantes mudanças de padrão rítmico), junto com vocais guturais. Infelizmente, a equalização do som do palco manteve o baixo completamente escamoteado e o som da bateria incomodamente grave (este último inconveniente ocorreu ao longo de todo o festival). O som do grupo gerou fervura no público durante a execução, mas nos momentos de silêncio os aplausos não eram muito efusivos. A pegada fortíssima do grupo obrigou o guitarrista Amilton Jr. a trocar cordas arrebentadas de sua guitarra, o que deve ser uma constante na vida desses caras, mantido esse padrão. Mais para o fim do set, o público já respondia com bem mais vigor aos agitos constantes do baixista e vocalista Kalyl Lamarck.
Formação: Amilton Jr. (guitarra), Daniel Araújo (bateria) e Kalyl Lamarck (baixo e vocal)
Discografia: Stoner to the Boner (2011) (EP), The Howling (2012) e Neckbracker (2015)
Os atrasos iam se acumulando entre as trocas de palco, como é natural nesse tipo de evento. Contudo, o capricho certeiro da discotecagem preparada para o evento ia colocando tudo e todos no lugar. Para anteceder a atração principal, a dupla Muñoz Duo veio ao palco com uma atitude bem rock n’ roll e minimalista. Consistindo de bateria e guitarra, o som que o grupo pratica e apresentou no Teatro Odisséia é um blues-rock catártico. Boas idéias eram freqüentes nas músicas do grupo, contudo sua performance foi bastante prejudicada pelo som local. O fato da bateria já estar soando muito grave gerou uma maçaroca sonora. A ausência de um baixista faz com que o guitarrista Mauro Fontoura use sua guitarra com uma regulagem grave e abuse de um oitavador e de efeitos fuzz. O som ficou pouco inteligível e a galera foi conduzida por puro rave-up. Se no disco do grupo essa abordagem soa bem, ao vivo a dificuldade para sonorizar bem a música da dupla fica patente. Tudo soou exagerado e frenético na performance. O fechamento foi uma versão stoner-rock para Inside Looking Out, dos Animals.
Formação: Mauro Fontoura (guitarra e vocal), Samuel Fontoura (bateria)
Discografia: Nebula (2014)
Então, eis que chegava o momento da subida dos headliners do evento. O público buscava seu lugar próximo ao palco. Sem frescura nenhuma, o próprio grupo montou seu instrumental e regulou o som na frente do palco sem cortina. E sem anúncios ou cortejamento, saíram e voltaram do palco para o início do espetáculo. Três figuras absolutamente vestidas de preto contrastando com suas peles rubras, cabelos e barbas imensamente loiros chegaram ao palco e já dispararam contra a face do público o riff ardido de Lord of the Sky, uma das faixas do recém-lançado novo disco. A garra e a gana de se entregar à distorção transpassava cada gota de suor dos rostos do trio sob o insano calor da noite carioca.
Em seguida, faixas puramente rock como “Come Back Life” foram maciçamente colocando todos para ferver. No início, o som do palco foi patinando até encontrar o melhor trilho para uma música daquele calibre (ainda que a equalização da bateria continuasse aquém do necessário). Se o Kadavar não prima pela originalidade (o rótulo retro-rock é um clichê usado com freqüência para a música que pratica) eles afirmam com a convicção de todas as letras e notas musicais que riffs fortes de guitarra em formato trio eletrificado funcionam muito bem nessa humanidade há pelo menos 40 anos. A partir da quarta música do set a massa já estava entregue ao som, executando quase que uma coreografia de balanço de cabeças, só quebrada um momento ou outro em que a banda sacava alguma música de seu primeiro disco, já relativamente conhecida, que era cantada por alguns mais antenados. A banda toda era um conjunto extremamente coeso, contudo o guitarrista e vocalista Lupus Lindemann sobrava em performance, talento e técnica, tanto tocando quanto cantando. Sua mão direita atacava as cordas com violência nas bases mas era extremamente precisa e calculada durante os solos, parecia uma faca retalhando-nos os ouvidos e servindo-os em fatias. Todos elementos possíveis que se esperariam de algum aventureiro disposto ao resgate do rock jurássico estiveram no set do Kadavar e nada poderia ser mais espantosamente aguardado. Outros destaques do show foram as possantes Old Man, Black Sun, Forgotten Past e Goddess of Dawn. O balanço da noite foi sombriamente positivo.
Formação: Lupus Lindemann (guitarra e vocal), Simon Dragon Bouteloup (baixo), Tiger (bateria)
Discografia: Kadavar (2012), Abra Kadavar (2013), Live in Antwerp (2014) e Berlin (2015).
Não conheço nenhuma das bandas, mas fiquei feliz em ver que duas bandas do Nordeste estavam no hall de nomes do Festival. Nos últimos anos, o eixo Rio-SP tomou conta das novas bandas que esquecemos de voltar nossos ouvidos para estados como Pernambuco, Bahia, Ceará e demais. O nordeste é rico na música nacional, e que bom que os organizadores desse festival – que estão de parabéns aliás – apresentaram essas novas bandas. Vou atrás. Parabéns Ronaldo!
Valeu Mairon! sem dúvidas, no NE tem várias bandas legais e que tem feito a diferença…a citada Quarto Astral é de PE e é fantástica, fez um showzaço aqui no Rio…abraço!
Fui do ES ao RJ pra esse show e valeu muito à pena. Também cheguei atrasado devido ao tal engarrafamento e perdi as duas primeiras bandas, infelizmente. Local bacana, no tamanho ideal, lotado mas sem desconforto. E o Kadavar… magistrais. Que venham mais produções da galera envolvida, e quem sabe um dia chamam o Clutch.
Essa questão do trânsito é complicada, ainda mais em cidades grandes. Lembro que em São Paulo perdi o início do show do Uli por conta do taxista não conseguir sair de um engarrafamento (além de não saber onde ficava o local do show). Complicado …
Essa noite foi realmente incrível.
”parecia uma faca retalhando-nos os ouvidos e servindo-os em fatias.”