Tralhas do Porão: Cargo – Cargo [1972]
Por Ronaldo Rodrigues
Texto adaptado, publicado originalmente no site Collectors Room
Tenho uma certa fixação pela Holanda e por sua capital Amsterdam. Mas não são pelos estereótipos que a capital carrega por suas políticas e práticas liberais e sim, pelos cenários que inspiraram Rembrandt, Renoir e Van Gogh, pela história, pelas bandas e a cena de rock que lá se formou.
A pauta do dia trata-se de um grupo cujo som agrada em cheio quem aprecia a gastação instrumental que polulou o rock nos anos 70. A turma que não economizava dedos na hora de improvisar e abusar de solos de guitarras.
Começaram com o nome de September, em 1970, Amsterdam. O pessoal que integrou o grupo já era bem rodado no cenário musical da cidade, tocando com grupos de rock garagem e psicodélico. A primeira formação do grupo era Jan de Hont (guitarras e vocal), Ador Otting (teclados), Willem de Vries (baixo e vocal) e Frans Smit (bateria).
Esta formação registrou, pela pequena estampa Imperial um compacto com as canções “Little Sister” e “Walk On By”. Conseguiram com essas canções até uma pequena repercussão na Holanda, mas que não se sustentou. O baterista Frans Smit pulou fora para ingressar no Brainbox (grupo do qual fazia partia o guitarrista Jan Akkerman antes de tocar com o Focus), e foi substituido pelo baterista Jerry Göbbel. Em 1971, mais mudanças – sai o tecladista Ador Otting e entra Hessel de Vries, e o irmão de Jan, o também guitarrista Adri de Hont, ingressa no grupo.
Esta formação lançou outro compacto – “Jelly Rose”/”If Mr. Right Comes Along” . Veio o próximo single – “Chocker”/”Lydia Purple” e a formação da banda já era diferente – não contava mais com um tecladista e o baterista Jerry Göbbel cedeu a cadeira para Dennis Whitbred (que tinha tocado anteriormente com os progressivos do Ekseption, de Rick Van der Linden).
1972 foi um ano de novas mudanças. Vendo que os trabalhos anteriores não estavam dando em nada, decidiram mudar o direcionamento musical e o nome, passando a se chamar Cargo. Em meio ao efervescente mercado de rock do período e suas novas tendências, decidiram abandonar os singles e trabalhar em um álbum, com o foco maior no instrumental. Entraram em estúdio e registraram quatro longas e poderosas faixas, combinando um pesado hard rock repleto de grooves e climas.
A imprensa holandesa acolheu bem o trabalho, mas as vendas foram fracas, o que provavelmente motivou o fim do grupo no mesmo ano de 1972. A história deixou-nos essa pepita por legado pra ficar comentando.
Cargo é repleto de andamentos maliciosos e riffados selvagens, com uma bateria e baixo precisamente alinhados. O quente do trabalho são seus preciosos solos de guitarra, que não são algo que beire o surpreendente, mas despertam o interesse por serem explorados ao máximo de amplitude. Em todo o disco, as guitarras conversam em sensatas parcerias, sempre sempre vestidas com garra e musicalidade. Os trechos com vocais são curtos e bem espaçados, sendo uma presença secundária, porém também precisas na trajetória do som. O disco soa como um todo poderoso e original, dando a impressão de que alguém disparou as fitas de rolo e simplesmente deixou a coisa acontecer.
O lançamento em CD deste disco, realizado em 1993 pelo selo Pseudonym (e seus subsequentes relançamentos por este mesmo selo), traz os 3 singles do September, que também são interessantes, mas possuem uma premissa diferente – ali a ideia era soar mais como canção e menos como viagem sonora, com incursões de teclados e vocais capitaneando o som. Há bons momentos, especialmente no single “Chocker/Lydia Purple” que tem sonoridade bem similar às faixas do disco. O vinil original da época é uma raridade grande e custará algo que beira o nível do excêntrico para ser adquirido.
Depois de um artigo sobre o rock sem guitarra, nada como falar de uma banda que baseava seu som em longos e bem articulados solos de guitarra. “Summerfair”, se não é uma obra-prima, não deixa a desejar no que tange a energia e pegada. Posteriormente, tive de ver o trabalho dessa excelente banda quando ainda era chamada September. Seu cover de “Lydia Purple” quase supera o original da banda The Collectors (mais tarde, Chilliwack).
Obrigado pelo comentário, Francisco!
não sabia que Lydia Purple era um cover…música lindíssima nessa versão do Cargo, vou procurar a original. Summerfair é da pesada, totalmente e deliciosamente ’70. Abs!
Pode procurar. A versão original de “Lydia Purple” é diferente, com outro andamento e belos arranjos vocais. Aliás, a banda canadense The Collectors é bem interessante. Se puder, ouça “What love (Suite)”, 19 minutos de momentos ora doces ora agressivos, dentro daquilo que é chamado proto-prog…
Ótimo resgate como sempre, Ronaldo. Mas minha contribuição será voltar no tempo para uma banda em que Jan de Hont e o tecladista Ador Otting tocaram em meados dos anos 60 e que teve lá sua fama também:ZZ & De Maskers. Tanto ela quanto Neerlands Hoop Express (que de Hont formaria depois do Cargo) possuem um elemento de humor
Continuando
…que foi deixado de lado no September e no Cargo. Aqui vai um vídeo muito legal do ZZ… Drácula.
https://www.youtube.com/watch?v=Qu1G2kfdy6A
Amigos, talvez não seja este o espaço adequado. Mas… em se tratando da última postagem do pessoal do site, acho que há mais probabilidade em alguém ver e responder a este comentário. E deixando de enrolação, é o seguinte: sinto falta demais de alguma discussão sobre algumas bandas fenomenais dos anos 70, mas principalmente de duas: WISHBONE ASH e TRAFFIC, e sempre esperei aparecer algo mais consistente por aqui acerca desses dois super conjuntos, por causa das características do que se publica na Consultoria do Rock. Mas até hoje apenas espero, e até pensei em contribuir, em tentar publicar algo, já que sou admirador dos dois grupos e escrevo críticas aqui e ali sobre música. Mas, enfim, fica a sugestão. Sou fã das bandas citadas, e espero que um dia pinte uma discografia comentada das turmas dos Turner e do Winwood! Abraço!
Boa noite, Reno!
Assim como eu senti uma falta danada de mais matérias e de uma discografia comentada do Jethro Tull há um tempo atrás (e junto ao Mairon, botamos a mão na massa para trazê-la), eu concordo plenamente contigo que Wishbone Ash e Traffic merecem sim mais atenção por parte nossa. São tantos os trabalhos bons que surgem nos tempos atuais e tanta coisa fenomenal que existia nos anos 70 que esse site ainda vai longe em termos de conseguirmos cobrir tudo aquilo que gostamos e que queremos ainda escrever. A proposta da Consultoria é como uma coleção de discos: tem milhares de bandas e cantores que queremos, mas precisaríamos de várias vidas para ter tudo o que gostaríamos de escrever e publicar!
E Reno, nós somos abertos a novos colaboradores. Você pode entrar em contato comigo (pode procurar lá André Kaminski no facebook e me adicionar, minha foto sou eu de capacete) ou com qualquer outro membro do site caso queira colaborar com algo e nos enviar alguns textos, ou nos deixar o seu email para contato. Abraços, cara!
Já vi várias vezes esse cd nas lojas especializadas. Vou cebferir. Valeu pela matéria!