Discografias Comentadas: James Gang [Parte 1]

Discografias Comentadas: James Gang [Parte 1]
Joe Walsh
Jim Fox, Dale Peters e Joe Walsh

Por Mairon Machado

Uma das grandes e injustiçadas bandas do hard rock setentista, assim podemos definir o James Gang. Afinal, além, de ter revelado ao mundo nomes como Tommy Bolin, Joe Walsh e Jim Fox, o grupo lançou no mínimo cinco obras-primas em sua curta temporada em ativa (pouco mais de sete anos).

Em duas partes, vamos passear pelos nove álbuns de estúdio da banda, lançados entre 1969 e 1976, um período mágico, onde quase tudo que nascia na música era regado a altíssimas doses de criatividade, inspiração, técnicas arrojadas e belíssimas canções.


61TsUW5ariLYer’ Album [1969]

A estreia do power trio Joe Walsh (guitarras, teclados, vocais, piano), Tom Kriss (baixo, flauta, vocais, vibrafone) e  Jim Fox (bateria, vocais, teclados) é uma pequena amostra do que o grupo iria fazer nos anos seguintes. Descarte “Introduction” e as viagens de “Stone Rap”, as duas vinhetas que abrem cada um dos lados do LP, e prendam-se no que Yer’ Album oferece, canções que dividem-se em pauladas hard do mais alto calibre, faixas mais acessíveis e três fantásticos covers, das quais a esplêndida versão de nove minutos para “Lost Woman” é tão empolgante que até mesmo o pessoal dos Yardbirds (que gravou essa joinha em Roger the Engineer, de 1966) deve ter rendido-se aos solos de Walsh e cia, já que cada um ganhou seus minutos de fama para fazer o que bem entendesse, com Kriss despejando distorção no seu baixo. Aliás, é impressionante o que os garotos fazem em 1969, que além de gravar um álbum de cinquenta minutos, algo incomum para o final da década de 60, ainda mais para um grupo novo, faz o emprego certeiro do órgão hammond em “Fred” e “Take A Look Around”, ambas com lindos solo de Walsh, ou na acústica e emotiva “Collage”, a qual possui um lindo arranjo de cordas, presentes também na curta instrumental “Wrapcity in English”. Os outros dois covers do álbum também merecem destaque, no caso a pesada versão de “Bluebird”, originalmente gravada pelo Buffalo Springfield em Again (1967), e que foi totalmente transformada pela guitarra endiabrada de Walsh, e a mais que detonante “Stop!”, para mim uma das melhores canções da banda, que foi originalmente gravada no fundamental álbum de Al Kooper e Mike Bloomfield, Super Session (1968), e que aqui recebeu uma adaptação de doze minutos com muitos improvisos, os quais caracterizam o James Gang que conquistou milhares de seguidores, com suingue e peso em doses certas, e que também brota no embalo a la “Sly Stone” de “Funk #48”, e na vulgarmente Cream “I Don’t Have the Time”, bela parceria de Fox e Walsh. Foi o primeiro e único álbum a contar com Tom Kriss, que deu lugar para Dale Peters, criando assim a formação mais clássica do trio.


416f2kkeQnLJames Gang Rides Again [1970]

O segundo disco trio, agora com Dale “Bugsley” Peters no baixo, é uma continuação dos trabalhos iniciados em Yer’ Album, com uma variedade de estilos onde predomina embalo e inspiração. Começando pela sequência de “Funk #48″, obviamente intitulada #Funk #49”, com o mesmo embalo da faixa do disco anterior, mas com uma percussão muito mais envolvente, Rides Again é um show de musicalidade para agitar as noitadas com mulheres e farras, rivalizando com o que o Grand Funk Railroad fazia na mesma época. Temos influências country em “There I Go Again”, com a participação do Pedal Steel Guitar de Rusty Young, na instrumental “Asshtonpark” e na belíssima “Garden Gate”, apenas com voz e violão, peso embaladíssimo em “Woman” e predomínio do piano e do Hammond de Walsh na trabalhada “Tend My Garden”, trazendo um arranjo vocal digno dos grandes nomes da soul music. “Thanks” é uma linda faixa levada pelo violão. O grupo deixou o melhor para o encerramento de cada lado. No lado B, a introdução de “Ashes the Rain and I” nos prepara para uma canção que irá te deixar de queixo caído, seja pela interpretação de Walsh ou pelo emocionante arranjo de cordas de Jack Nitzsche, contrastando com os belíssimos dedilhados dos violões de Walsh e Peters. Ao mesmo tempo, uma das melhores canções do grupo, “The Bomber”, encerra o Lado A sendo dividida em duas partes, a pesadíssima “Closet Queen”, com uma performance toda especial de Fox, e “Cast Your Fate To The Wind”, onde Walsh brilha no slide guitar, fazendo uma viagem sonora que deve ter deixado Jimmy Page com um sorriso estampado na face, tamanha a semelhança do timbre da guitarra do loiro com a do guitarrista do Led Zeppelin. Um destaque adicional vai para a contra-capa do álbum, a qual mostra uma das mais famosas imagens do trio, andando de moto pela neve americana. Vale ressaltar que a versão original de “The Bomber” ainda conta com um trecho de “Bolero” de Ravel, a qual foi limada nas edições posteriores por que foi utilizada sem a autorização dos herdeiros do músico francês, tornando as edições iniciais bastante cobiçadas pelos colecionadores. O melhor dos três álbuns de estúdio que Joe Walsh gravou com a banda, e o isco que indico para quem quer conhecer os americanos.

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A clássica imagem do trio com as Harleys na neve: Jim Fox, Dale Peters e Joe Walsh

R-1989262-1300318576.jpegThirds [1971]

Com uma formação consolidada, nasce o terceiro álbum da banda, que não apresenta tanto peso como seus antecessores, concentrando-se em canções com um trabalho mais importante nos vocais e no instrumental, donde “Things I Could Be”, cantada por Fox, ou a lindíssima balada “It’s All the Same” são bons exemplo da evolução musical que o trio obteve mantendo a formação, com a primeira destacando-se pelos arranjos vocais e a segunda enaltecendo os dotes de Walsh ao piano, além de um envolvente arranjo de metais. Outra faixa que mostra grandiosidade nos arranjos vocais é “White Man/Black Man”, divino blues concebido por Peters, com a participação vocal do grupo The Sweet Inspirations, quarteto vocal feminino que também mostrou do que é capaz em álbuns como Blowin’ Your Mind (Van Morrison, 1967) e Electric Ladyland (Jimi Hendrix, 1968), tornando essa facilmente a melhor faixa do disco, o qual, em comparação aos seus antecessores, é bem mais acessível, e por incrível que pareça, ainda mais diversificado. Temos country em “Dreamin’ in the Country”, com os vocais de Peters, jazz na instrumental “Yadig?”, outro grande momento do LP, com o vibrafone de Peters sendo o centro das atenções, e a leve “Live My Life Again”, canção para acender os isqueiros em arenas lotadas. Completa Thirds a melosa “Again”, tendo arranjo de cordas por Walsh, e as pops “Walk Away” e “Midnight Man”, essa última com as vocalizações de Bob Webb e com o vocal principal de Mary Sterpka ao lado de Walsh. No geral, são canções que não condizem com o que o grupo tinha de melhor, que era o peso e o suingue destacando um instrumental forte e com improvisos, e por esses motivos, posso dizer que esse é o mais fraco dos discos da fase Walsh, mesmo tendo sido o primeiro disco do trio a conquistar ouro nos Estados Unidos, levado pelo single de “Walk Away”, que entrou nas cinquenta mais das paradas americanas.

220px-JamesliveNesse mesmo ano saiu o excelente James Gang Live in Concert, um dos grandes discos ao vivo da década de 70, registrando a passagem do grupo no célebre Carneggie Hall de Nova I0rque, onde o grupo detona uma poderosíssima versão de “Stop” – que baixão Peters estoura nas caixas de som -, arrepiam com a linda “Ashes, Tha Rain & I”, ovacionada pelos presentes, mergulha nas profundezas de um bar sujo no interior dos EUA com o blues embriagante de “You’re Gonna Need Me”, a qual em um dia que você pegue despercebido, certamente irá achar que é o Cream quem está rolando na vitrola (o que Walsh toca aqui, pqp), e faz viajarmos em toneladas de LSD nos viajantes 19 minutos de “Lost Woman”, estendida em dobro para deleite dos fãs de Yardbirds. O álbum, cujo show completo pode ser encontrado para download facilmente na internet, trazendo mais dez canções, foi o que me apresentou a banda, e marcou a despedida de Joe Walsh, indo formar o Barnstorm ao lado de Joe Vitale (bateria) e Kenny Passarelli (baixo). Para seu lugar, Domenic Troiano é o contratado, e mais uma mudança surge na formação, agora não mais como um trio, mas como um quarteto, tendo como vocalista principal Roy Kenner.

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Jim Fox, Dale Peters, Domenic Troiano e Roy Kenner

straight-shooter-55c3392a3d229Straight Shooter [1972]

Os dois ex-membros do grupo canadense Bush fazem sua estreia no quarto disco dos americanos, marcando também o que os fãs chamam de segunda geração do James Gang. Apesar de uma nova formação, o som da banda não muda muito, continuando uma mescla de gêneros e tendo como principais diferenças a diminuição no peso e o aumento no swing. Para tal, Troiano mostra ser uma bela escolha para substituir Walsh, já que sua mão direita tem ainda mais malemolência do que o guitarrista loiro, e a voz de Kener parece ter saída de algum grande vocalista da Motown, tendo “I’ll Tell You Why”, “My Door Is Open” e “Kick Back Man” como atestados de que esse quarteto era afiadíssimo para o funk, mas por outro lado, também imponente para despejar toneladas de peso em distorções, com “Looking For My Lady” sendo o maior exemplo. Troiano também mostra seus dotes vocais na romântica “Getting Old”, levada pelo seu violão, pelo violino de Sheldon Kurland e pelo arranjo de cordas de Glen Spreen, e que tem uma irmã tão bela quanto, só que com os vocais de Kenner, batizada “Let Me Come Home”. Outra balada, “Get Her Back Again”, tem uma pontuação menor no compto geral do LP, que é fechado pelas influências southern na linha Lynyrd Skynyrd que abrilhantam “Hairy Hypochondriac” e as loucuras dançantes de “Madness”. Alguns torcem o nariz, mas acho Straight Shooter uma ótima virada de página na carreira do James Gang, e coloco-o em um Top 5 dos melhores discos de estúdio que a banda lançou.


James+Gang+Passin+Thru+546883Passin’ Thru [1972]

O último disco da segunda fase do James Gang foi o último com a gravadora ABC Records, sendo mais um álbum versátil. O lado A é o mais sacolejante, com canções tendo muito embalo, onde a mistura da mão sacolejante de Troiano com belos arranjos vocais e muito groove no baixo e na bateria de Peters e Fox se sobressaem na ótima “Up to Yourself”, na qual você terá um panorama interessante do álbum, ou então o funk swingado da delirante “One Way Street” e de “Had Enough”. O lado B já é mais calmo, tendo canções amenas como “Out of Control”, o harpsichord de “William D. Smitty” Smith na baladaça “Things I Want to Say to You”, a qual conta com um bonito arranjo de cordas por Craig Sapphin, que também estão presentes na acústica balada “Drifting Girl”, com a participação de David Briggs ao piano. No mais, a mistura de estilos continua, com o ritmo southern de “Ain’t Seen Nothing Yet”, a leveza country de “Run Run Run”, com a participação de Charlie McCoy na harmônica e Weldon Myrick  no pedal steel guitar, e o grande funk pop de “Everybody Needs a Hero”, destacando o órgão de “Smitty” e um longo trecho instrumental onde o harpsichord duela com a guitarra, nessa que é a melhor canção do disco. Não é um dos melhores álbuns da banda, e dessa primeira fase, passa despercebido entre as grandiosidades que o cercam, no caso Straight Shooter e os dois próximos álbuns, que veremos daqui há quinze dias, quando um novo James Gang irá surgir, já que Troiano voltou para o Canadá, tornando-se membro do The Guess Who, sendo substituído por um jovem e talentoso guitarrista loiro, Tommy Bolin.

37 comentários sobre “Discografias Comentadas: James Gang [Parte 1]

  1. Essa é uma das bandas mais bacanas da historia do hard rock. O Rides Again é de longe meu favorito dos caras. Boa lembrança Mairon.

  2. Muito legal, Mairon. Nessa discogafia só entram os discos oficiais? Lembrei da trilha do Zachariah.

    1. Olá Marco. Esqueci de citar o Zachariah. A trilha conta com James Gang, Country Joe e principalmente Jimmie Haskel. Confesso que nunca ouvi o mesmo, e não me interessei no mesmo para essa discografia por que só tem duas músicas do JG (procede), mas sei que o LP é bem cobiçado pelos colecionadores. Abraços

      1. Pois vá lá no youtube e escreva James Gang Zachariah. A abertura do filme com o JG tocando no deserto é fenomenal.

  3. Quando ouço a JG me ocorre aquela pergunta: que porra, por que é que o rock’n’roll acabou, era tão bom?

  4. Conheço apenas um disco deles que é o Jesse Come Home de 1976. Não vou dar minha opinião aqui porque quero ler a análise do Mairon na segunda parte e ver se bate com a minha.

    1. Pois é, não fizeram sucesso nem eu seu país Natal. Acho que as mudanças de formação influenciaram isso.

  5. Ótima matéria.
    Só agora percebi que cometi uma grande injustiça com o James Gang. Eu só conhecia os 3 primeiros e os 2 com o Tommy Bolin. Nunca tinha escutado o “Straight Shooter”. Que disco maravilhoso!

  6. James Gang, sonzeira das boas! A primeira fase é fantástica, também gosto dos dois gravados com o Tomy Bolin. Não conheço a segunda formação nem o que veio depois da saída do Bolin, mas este texto me motivou a ir atrás.

      1. Depois de ler a matéria ouvi o Straight Shooter. Achei um bom álbum, ainda que inferior aos da formação clássica. A saída de Joe Walsh foi uma grande perda para banda. Há alguma explicação para a sua saída?

        1. Divergências musicas Luiz H. Ao que parece, Walsh queria buscar um som mais southern, o que acabou levando-o para o Eagles anos depois.

  7. “Ashes, the rain and I” é uma maravilha. “The bomber” é uma paulada antológica. James Gang dá de dez a zero em muitas bandas de mais sucesso…
    Tenho esperança de ver análises das discografias de outras bandas que surgiram no começo dos anos 70, como Bang, Boomerang, a alemã Jeronimo, BullAngus e afins…

      1. O Boomerang caberia bem para um “Tralhas do Porão”…não faria sentido escrever a discografia de uma banda que só tem um disco! kkk (mas é um disco que vale por 50)

          1. Mairon, o líder do Boomerang era Mark Stein, vocalista e tecladista da banda Vanilla Fudge. Hard rock de qualidade!

          2. Sou fãzaço de Vanilla Fudge, mas continuo desconhecendo o Boomerang (não consegui parar para procurar e baixar). Mark Stein é um baita tecladista, e acho ele, assim como o Fudge em geral, bastante injustiçado.

  8. Só o som de Hammond que tem em “Tend my garden” já vale a discografia de muita banda por aí. Que coisa linda. Gosto do Thirds e dos discos com o Domenic Troiano, tem ótimas baladas. Walk Away ao vivo vira um porradaça, acho que seguraram a mão no estúdio por conta de produtores e gravadoras, para emplacar nas rádios.
    Acho que o único porém fica com o disco ao vivo, por conta da fraca qualidade de gravação. O som tem muitos chiados. Fosse uma qualidade tal qual o Rockin’ the Filmore, do Humble Pie, ou Live at Filmore do ABB, o James Gang seria ainda mais reverenciado. Ótimo resgate Mairão, concordo com quase tudo que descreveste a respeito.

    1. Eu acho o ao vivo um discaço. Você já ouviu o show inteiro Ronaldo? Obrigado por permitir apresentar essa discografia, já que eu sei que você estava de olho nela tb. Abraços

  9. James Gang seria o Grand Funk injustiçado? A banda do Mark Farner tinha uma proposta muito parecida, mas fez muito mais sucesso que a do Walsh.

    1. Sempre achei que eles eram parecidos no estilo, mas o diferencial do GFR é que o baixão do Mel Schaker era muito distorcido para os padrões do JG, que deixava muitas vezes o lado Southern influenciar, algo que no GFR não encontramos. Concorda?

      1. Tem razão. Não tinha pensando nisso. O lado country do JG é mais forte que o do GFR. De qualquer maneira gosto mais de Grand Funk muito por por causa do batera, o Don Brewer, que faz as vozes também.

          1. Os dois discos da volta, sem o Schacher, sinceramente, não são GFR

        1. Sou mais GFR tb, principalmente pela série fantástica que vai de On Time até We’re an American Band, fora os dois discos renegados de 1976.

  10. Mairon, por incrível que pareça, não consegui achar um link decente para o show na íntegra de “James Gang Live in Concert”, teria como ajudar? Abraços…

    1. Meu velho, eu baixei o CD há alguns anos, mas se eu não achar o link, ripo o CD que tenho. Abraços

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