Discografias Comentadas: Elvenking
Por André Kaminski
Não dá para negar que aquelas primeiras bandas que você conhece lá quando era criança ou adolescente, no meu caso ainda descobrindo o heavy metal após recém adquirir uma internet banda larga, continuam lá no fundo da memória volta e meia ressurgindo. Quando se fala ainda de fantasia medieval no heavy metal, logo já vem na memória de alguns as tradicionais bandas power noventistas que causam repulsa. Esse subgênero fez parte da minha formação musical como ouvinte e nunca tive qualquer vergonha de expôr, elogiar e escrever sobre. Embora com o tempo fosse adquirindo outros gostos e abrangendo outros estilos em minhas playlists, eu jamais deixei de ouvir esse tipo de som. E volta e meia cá estou com mais uma do estilo que é o caso do Elvenking, banda italiana de folk/power metal.
O Elvenking começou tudo em 1997, ideia dos guitarristas Aydan e Jarpen. Depois disso logo recrutam o baixista Sargon e o baterista Anselmi. Após alguns ensaios, Anselmi cai fora e chamam outro baterista que novamente não permanece muito tempo chamado Diego Lucchese.
Sem vocalista, a banda anuncia em um jornal que estão em busca de um que queira cantar em uma banda de heavy metal. Damnagoras, com apenas 17 anos, responde e já no primeiro ensaio é efetivado. Mas Lucchese logo decide sair dizendo que ele não é o cara certo para a banda. A procura de um baterista, Aydan passa a vasculhar os jornais até que encontra um anúncio de uma banda dizendo que estavam em busca de um vocalista. De maneira bizarra, ele liga e a conversa se dá mais ou menos assim:
– Você é vocalista? – pergunta o membro da banda em questão.
– Não, mas eu estou interessado em seu baterista. – responde Aydan sem sequer conhecê-lo.
– Não, ele só pode tocar conosco. Mas venha no próximo sábado em nosso show. – convida o integrante do anúncio do jornal.
Aydan então pega o carro do pai e parte para o show em questão. Lá ele gostou do desempenho do baterista Zender. Então ele foi lá, puxou uma conversa com ele e… bem, o baterista foi “roubado” da banda em questão. Após a saída do baixista Sargon, Gorlan é chamado para substituí-lo e a primeira formação do Elvenking está feita. Lançam uma demo, enviam as gravadoras e a alemã AFM Records os convoca. Contrato assinado, hora de gravar!
Heathenreel [2001]
Apostando no folk metal ao melhor estilo dos pioneiros do Skyclad junto a uma influência das bandas do power metal, o Elvenking inicia sua trajetória com esse ótimo disco que é considerado por muitos fãs como o melhor da banda. Quem não a conhece já logo de cara pode estranhar a voz aguda de Damnagoras. Não, ele não é como Andre Matos e nem canta em falsetto. Seu tom de voz é assim mesmo, quase como o de um garoto. Eu gostei logo de cara justamente por parecer que é um personagem élfico digno de uma obra de Tolkien cantando por aqui, o que para quem gosta desse lado fantasioso só ajuda a entrar no clima. Independente disso, o Elvenking em nenhum momento deixa de lembrar uma banda de heavy metal, com os guitarristas Jarpen e Aydan riffando e solando muito bem e um bem vindo baixo audível, que costumeiramente acaba ficando ofuscado por tantos outros instrumentos nas bandas do estilo. A cantora soprano Pauline Tacey com vocais líricos e o violinista Elyghen volta e meia aparecem como músicos de estúdio em meio as composições. Destaco a bela faixa “The Regality Dance” com belos violinos e uma melodia agradável e alguns guturais de Jarpen, e “Skywards” que é a minha favorita do disco, parecendo que foi gravada diante de uma fogueira de um acampamento de estudantes europeus tocando canções folclóricas.
O álbum foi bem recebido pela mídia especializada e a banda começou a aparecer no cenário europeu. Porém, como disse Aydan em uma entrevista, o fato de serem jovens impulsivos fez com que surgissem certas rusgas entre eles e o vocalista Damna. Este acabou saindo e dando espaço ao novo vocalista Kleid. Elyghen também acabou efetivado como membro permanente.
Wyrd [2004]
Este é um disco que dividiu os fãs. Por um lado, alguns dizem que o novo vocalista é muito melhor do que o estridente Damna e apreciam seus vocais um tanto mais maduros. Por outro, os que amaram o debut dizem que Damna era o que caracterizava o Elvenking e que este é o pior disco deles. Particularmente não acho nem um e nem outro. Apesar de gostar mais do anterior se comparado com Wyrd, este apresenta um foco maior nas guitarras sendo muito mais power do que folk metal. O disco é temático e baseado em um livro desconhecido no Brasil chamado The Way of Wyrd de 1983, do psicólogo britânico Brian Bates que trata sobre a espiritualidade da Inglaterra anglo-saxônica, que de acordo com o próprio autor, exigiu muita pesquisa em uma área ainda surpreendentemente pouco estudada. É um bom disco que, embora não se destaque totalmente aos meus ouvidos, apresenta canções agradáveis e facilmente digeríveis. Gosto principalmente de “Pathfinders” sendo esta com riffs e melodias dignos de um Helloween. Também aprecio a mais famosa faixa do disco “Jigsaw Puzzle”, a única canção aqui que sobreviveu durante muitos anos nas apresentações ao vivo e que as vezes os italianos inventam de tocá-la. Por fim, ainda destaco “Moonchariot” com uma musicalidade bem próxima do Skyclad, banda que também tenho um enorme apreço.
A banda nunca declarou abertamente o que aconteceu, exceto que as sessões de composição de Wyrd foram um tanto quanto tumultuadas internamente e disseram apenas que as coisas não estavam funcionando como deveriam com Kleid nos vocais. Aydan teve que meter o rabinho entre as pernas e chamar Damnagoras de volta – que prontamente aceitou – selando a curta passagem de dois anos liderando os vocais do Elvenking.
Infelizmente, poucos meses depois do retorno do antigo vocalista, um dos principais fundadores do Elvenking deixa a banda. Alegando desinteresse no folk e querendo trabalhar com sonoridades mais modernas, Jarpen sai amigavelmente. Porém, ele ainda continua tocando guitarra em algumas canções e fazendo guturais em vários discos após a sua saída, agora como convidado.
The Winter Wake [2006]
Em termos comerciais, seu maior sucesso. Ainda hoje o disco mais tocado nos shows ao vivo. Não é para menos que logo após o fracasso comercial (e em agradar grande parte dos fãs) que foi Wyrd, os caras voltaram com gana e lançaram um ótimo trabalho. Meu segundo favorito, há um outro disco lançado adiante que me agrada ainda mais. O álbum aqui deixa claro que a sonoridade será um folk metal pesado mas com muita flauta, violino, coro de vozes e violoncelos. A pegada de “Trows Kind” já demonstra que os caras estão com tudo! “The Winter Wake” tem como convidado o surpreendente Schmier, vocalista/baixista do Destruction, duelando com Damna nos vocais. Quem diria que um alemão do thrash oitentista apareceria em um álbum de uma banda folk metal italiana? Realmente ninguém esperava, ainda mais que a canção surpreende por um jeitão meio eletrônico/alternativo logo de cara mas que depois retorna ao tradicional folk do qual a banda é conhecida. “The Wanderer” se tornou a favorita dos fãs e a mais pedida nos shows. É a canção que acaba se tornando um resumo de tudo que a banda representa. Ainda acrescento “On the Morning Dew” com a convidada Laura de Luca fazendo as vozes femininas e “Devil’s Carriage” mais veloz e pesada do álbum como ótimas músicas que com certeza agradariam fãs desse heavy metal mais medieval e fantasioso.
The Scythe [2007]
Há um ano, você acaba de lançar um disco elogiado pela crítica, pelos fãs, os shows aumentaram e tudo se encaminha para um crescimento ainda maior. Daí começa a surgir aquelas ideias escrotas na mente dos compositores da banda de que “vamos surpreender a todos”, “vamos mostrar que sabemos tocar outros estilos” e “vamos mudar radicalmente a sonoridade para sairmos da mesmice”. Aí você faz um disco meio metalcore, meio melodic death metal, meio new metal e acrescenta uns violinos para fingir que ainda é o Elvenking mas “mudado”. Não vou me estender muito, mas The Scythe é muito ruim. Não por ser diferente, mas pela banda não ter qualquer intimidade com o que estão tocando. Não faço ideia do que deu na cabeça dos caras lançarem esse disco logo após The Winter Wake. As faixas são fracas, o baixo parece mal equalizado, não há mais melodias ganchudas e Damna tenta fazer um vocal “agressivo” que não condiz com o que ele faz de melhor. Nenhuma faixa merece comentário aqui. Depois de ver a cagada que fizeram, felizmente, voltaram a se redimir com os fãs um ano depois.
Two Tragedy Poets (…And a Caravan of Weird Figures) [2008]
Ainda na vibe “vamos fazer diferente” mas desta vez acertando o caminho escolhido, o Elvenking lança um disco quase todo acústico com algumas pouquíssimas passagens de guitarra e alguns teclados. Apesar de muitas bandas já terem experimentado essa linha folk rock que a banda adota aqui, o álbum acerta em pegar a influência das faixas mais acústicas dos três primeiros lançamentos e criarem uma obra capaz de agradar pela beleza de várias belas melodias baseadas em violão, violino, piano e gaita irlandesa, mas sem esquecer a velocidade típica do rock que se demonstra em várias composições. As músicas que mais destaco aqui são “From Blood to Stone” uma música com uma estrutura mais pop e com uma roupagem moderna, mas que casa muito bem com o folk de influência celta que a banda adota por aqui. Outra muito boa é The Blackest of my Hearts” com Zender batendo forte na bateria e cadenciando a música que é bastante diferenciada das demais. O único ponto negativo fica com “Heaven is a Place on Earth” cover da cantora americana Belinda Carlisle, um hit famoso nas rádios americanas de 1987. Aqui ficou parecendo uma faixa rejeitada do Bon Jovi em formato folk rock. As revisões acústicas de “The Winter Wake” e “The Wanderer” do álbum de 2006 também ficaram bem legais. No geral, o disco vai muito bem, é de fácil digestão e dá para apreciá-lo sem maiores problemas.
Após esse trabalho, houve mais uma baixa: o violinista Elyghen disse que iria estudar por 6 meses na Irlanda e após este período, retornaria a banda. Depois esses 6 meses viraram 12 meses. E depois 18 meses… bem, Elyghen continua na Irlanda até hoje. Lethien foi chamado em seu lugar. Nesse mesmo período, o guitarrista Rafahel se junta definitivamente à banda após esta ficar algum tempo apenas contando com guitarristas contratados nos shows.
Red Silent Tides [2010]
Este é o meu disco preferido da banda e a principal razão pela qual resolvi escrever esta discografia comentada. Depois de dois álbuns mais experimentais, o Elvenking volta a fazer o heavy metal pelo qual ficou conhecido. Porém, este retorno teve ainda algumas diferenças com relação aos discos antigos. Agora a banda se foca ainda mais nas guitarras e seu instrumental lembra mais o Gotthard do que o Skyclad, com claras influências do hard rock em praticamente todas as faixas. Explica-se pelo fato de ter sido produzido por Dennis Ward, baixista do Pink Cream 69, famoso por tocar e produzir discos do estilo como por exemplo, os alemães do Axxis. Temos energia, solos inspirados, boa velocidade, alguns teclados e peso. De folk mesmo há pouco. É o disco mais direto da banda. O hard rock fica bem claro já na segunda faixa “The Last Hour” em que melodias rockeiras se misturam com teclados típicos do power e os violinos do folk. Outra que vai nessa mesma veia é “Those Days”, sendo ainda mais próxima daquelas bandas sleaze com algo próximo do The Cult nos álbuns mais recentes, uma das músicas mais diferenciadas de toda a discografia do Elvenking. “This Nightmare Will Never End” é uma canção bem hard/heavy moderna, sem um pingo de resquício do antigo folk. Há de se notar uma evolução dos vocais de Damnagoras. Agora estão muito melhores do aquela infantilidade ouvida no primeiro álbum. Sua voz me lembra agora a de Edu Falaschi do Almah, de quem eu gosto bastante. O disco todo te entrega um power/hard rock excelente, impressionante para alguém não esperava ouvir isso dos italianos. Eu gosto muito desse álbum e recomendo a todos que se interessaram em conhecer a banda a começar por ele.
Porém, infelizmente mais dois membros importantes anunciam suas saídas: o baixista Gorlan deixa a banda após 10 anos devido a este querer ter mais tempo com sua esposa e uma vida menos corrida de viagens e turnês. Já o baterista Zender busca seguir outros projetos aos quais não consegui encontrar nenhuma informação por onde anda. Em seus lugares entram o baixista Jakob e o baterista Symohn, lineup que continua até hoje.
Era [2012]
E o Elvenking mudou de novo, mas desta vez a banda foi mais suave. O folk volta a aparecer mais nas canções, mas o foco de agora é uma linha mais do heavy metal tradicional e do metal sinfônico. “I am the Monster” se tornou indispensável no setlist ao vivo com seu peso, uma linha hard rock e um refrão grudento daqueles além da participação do conhecido Jon Oliva (ex-Savatage) nos vocais. O disco é bom em um saldo geral, tendo ainda “We, Animals” e “The Time of Your Life” como exemplo de duas ótimas faixas extraídas aqui, porém, a banda dá uma esfriada nos ânimos com canções como “Midnight Skies, Wind Sighs” e a fraca “Poor Little Baroness” sendo a primeira uma composição que o folk fica completamente deslocado do restante da canção que soa muito mais como um heavy metal tradicional e a segunda como um filler bem genérico. Uma melhor polida nas composições e o descarte de algumas passagens comuns e o disco poderia ser um grande destaque na discografia. Boas ideias tiveram, faltou apenas um tanto mais de esmero.
The Pagan Manifesto [2014]
O último álbum lançado até então demonstra que os italianos Damna e Ayden evoluíram muito como compositores. Já tendo sua base de fãs confortável e não precisando provar mais nada a ninguém, o Elvenking aqui soa mais maduro, naquela fase da banda em que tudo o que precisam é escrever nada mais do que boas composições, sem grandes surpresas ou querendo almejar serem gigantes do metal, mas que faz aquilo faz para manter o seu pão à mesa. Conheço muitos ouvintes que amam ser surpreendidos com novidades e tal e para os fãs dos italianos, eles trouxeram bastante no decorrer dos anos. Mas também admiro banda que sabe o lugar de si própria e que dificilmente atingirá um novo auge, por isso, se mais fãs vieram tanto melhor, porém seus fiéis continuam lá em seus shows. É o sentimento que se tem ao ouvir The Pagan Manifesto. Um folk metal amadurecido é o que se ouve por aqui. A segunda parte do álbum é melhor do que a primeira. As canções que mais gosto são “Towards the Shores” uma balada medievalesca que há tempos a banda não fazia, “Twilight of Magic” é bem a cara do Helloween atual, daquelas canções bem humoradas que os alemães são conhecidos por gravar e “Black Roses for the Wicked One”, uma canção mais sinfônica contando com uma estrutura mais pop e um certo resquício do hard rock de discos anteriores. É um disco feito na medida certa para agradar fãs do tradicional folk metal.
Diante de todas as trocas de membros que a banda sofreu, o núcleo principal formado pelo vocalista Damna e o guitarrista Aydan continua lá firme e forte compondo e levando o Elvenking a tocar em vários festivais pela Europa. Atualmente acabou de voltar após 5 meses de descanso e está ensaiando para tocar no Wacken Open Air e em mais shows a serem anunciados. O Elvenking nunca será uma banda para todos os gostos, mesmo para quem gosta de folk/power metal devido suas constantes mudanças de sonoridades e suas diversas influências registradas em álbuns diferentes, mas creio que os italianos tem cancha para ser uma banda líder de seu subgênero junto aos americanos do Agalloch e os suecos do Falconer. Desejo boa sorte a carreira deles e que venham mais discos.
“Não dá para negar que aquelas primeiras bandas que você conhece lá quando era criança ou adolescente (…) continuam lá no fundo da memória volta e meia ressurgindo.” No meu caso é as bandas de Nu metal, em especial o Limp Bizkit. Ouço hoje em dia só pra sentir nostalgia, mas sei que o som é um porcaria kkk
Normal isso, as vezes também ocorre de não gostar mais de sons do passado. Não é o meu caso, mas sei que é comum para muita gente. Mas as vezes também acontece de voltar a gostar deles. Isso aconteceu comigo com o rock nacional depois de alguns anos quando tinha lá meus 25-26 anos.
No meu caso as memórias afetivas da adolescencia são os 10.000 Maniacs, Cowboys Junkies e REM os quais escuto com grande prazer e tenho orgulho em recomendar. Parabéns André pela matéria e suas indicações, que suscitaram minha curiosidade pela banda.
Obrigado pela consideração, Antonio. Sei que a banda não é lá o seu estilo, mas é bom conhecer coisas diferentes para ver se reforça a opinião que havia antes ou se tem uma nova visão sobre o estilo. Abraços!
Confesso que o considero um grande consultor, sempre com matérias interessantes e com uma análise acurada das discografias e das bandas, o que acrescenta muito em informação para o leitor. Mas como ninguém é perfeito, o único problema é sua pinimba com o Sonic Youth e o Lou Reed, mas como o universo do rock é bastante abrangente e é difícil alguém curtir todas as suas matizes, tenho grande respeito e consideração por ti.
Orra cara, agradeço muito o elogio, ainda mais sabendo do quão raro é receber elogios na internet de pessoas com gostos bem diferentes como nós dois. Quanto ao Sonic Youth, Lour Reed e das bandas alternativas no geral, eu apenas faço mesmo umas brincadeiras e piadas bobas nas listas de Melhores, jamais mesmo com a intenção de incomodar quem ouve esse tipo de sonoridade.
Mas nem se preocupe muito que temos o Alisson por aqui que cobre muito bem por sinal esse tipo de nicho e faz uns textos muito bons sobre. Volta e meia surge matérias dessas bandas por aqui. Abraços, cara!
É sempre divertido notar como os “gostos” variam de pessoa para pessoa: “Midnight Skies, Winter Sighs”pra mim é simplesmente a melhor música já feita pelo Elvenking, de longe.
Sim, eu mesmo confesso que gostei deles mais hard rockers embora a banda seja conhecida pelo folk metal. Apesar disso, minha faixa favorita de todas é da fase folk que é “Trows Kind”.