Kraftwerk – Radio-Activity [1975]
Por Eudes Baima
Radio-Activity is in the Air For You and Me
Até 1974, o Kraftwerk sempre foi Ralf Hütter e Florian Schneider e mais dois integrantes que nem sempre participavam das gravações. Tanto que o 3º álbum da banda se chama simplesmente Ralf &Florian. Mas em 1975, se constituiu o que se poderia chamar de formação clássica que incluía os eletro-percussionistas Wolfgang Flür e Karl Bartos e que se estendeu até 1987.
No dia 5 de Janeiro de 2009, os fãs ficaram chocados com a saída de Florian Schneider do Kraftwerk. Schneider era o penúltimo integrante da formação original da banda, da qual também foi um dos fundadores, onde permaneceu por quase de 40 anos.
Florian não se apresentava com o Kraftwerk desde a turnê nos EUA de abril de 2008, e foi substituído no restante da turnê deste ano por Stefan Pfaffe (antigo colaborador da banda). Da formação original restou apenas Ralf Hütter.
Não está claro se o Kraftwerk ainda existe, embora haja bastante ação nos últimos anos, a maior parte relacionada com exposições e apresentações retrospectivas. Mas, de toda forma, já faz muito tempo, pelo menos desde Eletric Café, de 1986, que a atividade do Kraftwerk gira em torno do lema “roxyano” re-make, re-model, com constantes releituras, remixagens e atualizações dos monólitos da carreira do grupo, como a demarcar o terreno que explorou, mesmo franqueando o caminho às novas gerações.
É com a formação que inclui Flür e Bartos que sai, talvez, o melhor disco de sua história e, de qualquer forma, o mais emblemático da carreira, Radio-Activity (Radio-Aktivität em alemão), totalmente eletrônico, às vezes classificado como progressivo, mas, tirante o gosto pela tecnologia, completamente diferente, em seus temas climáticos, meio “ambient music”, cheios de simplicidade rítmico-melódica, mas terrivelmente perturbador. Mas também próximo do Prog Rock por ser um disco conceitual.
Seu tema: a radioatividade, tema em voga na época por conta tanto da ameaça nuclear, quanto, contraditoriamente das possibilidades como fonte de energia. A banda brinca com a contradição, explorando o trocadilho do título, e desenvolve uma peça que oscila entre a contaminação nuclear e a contaminação musical via ondas de rádio. Faixas como “Geiger Counter” e “Uranium” fazem referência ao perigo da radioatividade, mas “Radio Stars” e “Antenna” abordam o outro lado do trocadilho, a ondas de rádio que chegavam ao auge naquele momento como difusora da cultura rock.
Ademais, nesse disco a eletrônica não tem função ornamental, para sublinhar ou enfeitar as harmonias e melodias. Aqui, a sonoridade eletrônica (se bem que analógica) é ela mesma a música, inclusive em sua face desagradável e ruidosa. Assim, são audíveis os elementos da música concreta de que a banda lança mão.
A audição do disco, principalmente a primeira (e a minha foi no distante e pré-histórico ano de 77), causa uma sensação dúbia de alheamento (“mas é só isso a fera eletrônica alemã?”) e alteração radical dos sentidos pelas qualidades hipnóticas do que se houve, uma música repetitiva como as canções primitivas, mas tocada com sonoridade estranha e surpreendente.
Esse sentimento pode se resumir numa expressão: tristeza glacial! De fato, o que o Kraftwerk constrói, nesse álbum não são canções, nem mesmo canções de um novo tipo, mas paisagens desoladas e gélidas, como reflexo da vida dura daqueles dias de incerteza do final dos anos 70. Sintetizadores suspensos no ar, gotas congeladas prestes a cair e a não cair, melodias destituídas de enfeite, magras, plenas de melancolia.
Uma fã escreveu em algum lugar da internet: “há várias maneiras de perceber esse álbum tão peculiar: numa rápida ouvida é um disco descontraído, porém ao escutá-lo mais atentamente percebe-se algo de triste e opressor”.
“Canções” como a faixa-título, a melancólica “Radioland”, a abandonada e desértica “Antenna” e a (mal) humorada “Ohm Sweet Ohm” são o coração das trevas, misterioso e desconhecido deste universo de pouco mais de meia-hora chamado Radio-activity.
O Kraftwerk gravou pouco, oito álbuns de inéditas, mas sua influência, ao contrário do que se diz, vai muito além da música eletrônica atual. Discos como Animals do Pink Floyd devem alguma coisa a eles, sobretudo nas passagens desoladas de “Dogs”; o Bowie berlinense também; a eletrônica de vanguarda, Cabaret Voltaire, tudo, e assim vai.
Track list
1. Geiger Counter / Geigerzähler
2. Radioactivity / “Radioaktivität
3. Radioland / Radioland
4. Airwaves / Ätherwellen
5. Intermission / Sendepause
6. News / Nachrichten
7. The Voice of Energy / Die Stimme der Energie
8. Antenna / Antenne
9. Radio Stars / Radio Sterne
10. Uranium / Uran
11. Transistor / Transistor
12. Ohm sweet Ohm / Ohm sweet Ohm
Tive contato com o som do Kraftwerk em 1987. Um amigo me apresentou o disco “Electric Cafe”. Achei apenas curioso a princípio, mas, após outras audições, percebi que havia muitas passagens melodiosas. Ou seja: música de verdade! E, como frisado pelo Eudes, uma certa melancolia. Posteriormente, conheci o disco “Man machine” (1978) e aquela que, para mim, é a melhor composição do Kraftwerk: a maravilhosa “Das modell (The model)”. Não sou fã de carteirinha desses alemães, mas tenho um enorme respeito pelo trabalho deles.
Acho que o som desses disco ao contrário de alguns outros da banda, carece de profundidade, brilho e ideias fortes em sua sonoridade, no geral são batida simples e um padrão (no máximo dois) de sintetizadores. Ainda que não considere todo o disco algo dispensável, no geral não me dá vontade de pegá-lo pra ouvir. Vejo aqui um daqueles casos em que um álbum por mais que seja influente, ele necessariamente não é um disco bom.
Na pré-história alguém inventou a roda. Milênios depois inventaram o motor a explosão. Décadas depois um Mercedes Benz trocentos cavalos, bancos de couro, direção xyp realizou o sonho de milhões de motoristas. Todo mundo acha que essa Mercedez é o ponto alto da industria automobilistica. Mas quem é mais importante? O inventor da roda, do motor a explosão ou quem idealizou esse Mercedes? Radio-Activity, pra mim, é o motor à explosão da música eletrônica como a conheceríamos a partir daí. Não é a roda, que já rodava timidamente nas vitrolas antes disso, uma delas apropriadamente chamada de Autobahn.
Fantástico, Marco!
Me hipnotizei a primeira ouvida quando tive contato com o Kraftwerk. Aquela atmosfera robótica pelo qual ficaram conhecidos, algo até meio artificial quanto ao uso dos sons me fizeram imaginar que o pessoal que os ouviu na época deveria estar pensando que estavam já entrando em uma era futurista.
Gosto desse disco justamente porque parecem dizer tanta coisa com poucas notas.
Autobahn e Radio-Activity são, na minha humilde opinião, os melhores trabalhos da banda. Excelente resenha. Parabéns, Eudes!
A propósito, indico o livro “KRAFTWERK PUBLIKATION – A Biografia” de David Buckley. Está com um preço bom na Livraria Cultura: http://www.livrariacultura.com.br/p/kraftwerk-publikation-46041964
Eu ainda tenho um bloqueio sobre o Kraftwerk. Pra mim eles são sinônimos de Autobahn, que é o único que eu ouço e gosto. Alguma coisa do Tour de France tb… Mas basta falar em Kraftwerk que logo vem àminha cabeça “fun fun fun on the autobahn”. Sei que essa é a interpretação errada da letra, mas eu aprendi assim e ficou na cabeça…
Autobahn merece uma resenha.
Faz ai!
Álgume conhece aquele projeto deles chamado Heavy Metal Kids?
O único Heavy Metal Kids que conheço é uma banda inglesa de hard rock/glam rock dos anos 70.
Mas no livro que citei acima fala de um breve período em 1971, a banda como um trio, sem Ralf Hutter, após o lançamento do primeiro disco. É dessa época uma composição deles que apareceu com o nome de Heavy Metal Kids num bootleg gravado para um programa de rádio.
Aqui está o Kraftwerk ao vivo em 1970, como um trio de psicodelia e vanguarda, com solos de flauta e tudo o mais. Uma das músicas é Heavy Metal Kids https://www.youtube.com/watch?v=A9R6bqcBPfc
Que de quebra mostra que o termo Heavy Metal é mais antigo do que supõe a vã filosofia de alguns.
Não tem nada a ver, mas acho que a primeira vez que surgiu o termo heavy metal na música foi na letra de Born To Be Wild (I like smoke and lightnin’.
Heavy metal thunder, Racing in the wind. And the feeling that I’m under)
Provavelmente uma alusão às motocicletas
Foi o primeiro disco que eu ouvi do Kraftwerk (lá pelos idos de 2001 quando um amigo me vendeu um lote com uns 10/12 LPs por 2 reais cada rs) e ainda é o meu favorito.
Prog Eletrônico de primeira, hipnótico e bem à frente do seu tempo, como quase tudo que os alemães fizeram.
No meu antigo New Progshine, lá pelo fim de 2006 eu fiz uma resenha do disco. Ainda dá pra ler ela (se vocês perdoarem os 10 anos entre a data original e os dias de hoje) aqui: http://rateyourmusic.com/release/album/kraftwerk/radio_aktivitat/reviews/9/ (nick: progshine)