Rock Around The Clock 2 – Parte 2

Rock Around The Clock 2 – Parte 2

Foto 1Por Luiz Duboc

(As memórias londrinas de quem estava por lá no comecinho dos anos 70)

Cine Rock apresenta: O Último Concerto Sem Conserto

O 2º clip da história. O 1º que inventou o clip é o cinema irretocável, inesperado e espontâneo, gozado e gozador, solto e falso documentário verdadeiro A Hard Day’s Night, 63, Richard Lester. Help, 65, Lester, historinha comercialoide sem graça filminho babaca uma merda. Valeu a música, óbvio. Yellow Submarine (Nothing Is Real, subtítulo), 68, George Dunning, Heinz Edelmann, designer–Tween, a concepção gráfica genial do cartoon.

Os dois primeiros clips vem com tempo para suas sequências inventarem e moldarem o modelo forma-conteúdo clip: a forma imagens para acompanhar o conteúdo música ao mesmo tempo e na mesma batida a forma música embalando o conteúdo imagens. Com o tempo as sequências encurtam seu tempo até virarem um piscar de olhos.  Somente aqui na pátria, dois anos depois que voltei revendo pela 3a vez a agonia de 4 roqueiros evangelistas (sem nada de evangélicos) que me veio o filme como filme. Let It Be é um filme (e disco) McCartney. Único a trabalhar sério, na esperança de continuarem Beatles, a fim de fazer o documentário, . Ali nos dois estúdios Mãe Maria já aconselhava seu menino Paul, então ele deixava estar — os quatro deixando-se filmar, ensaiando, tocando, discutindo, tocando, gravando; deixaram que as câmeras e aparatos sonoros gravassem todas as palavras e notas no estúdio de gravação. Cortaram 80% do saco cheio do pau quebrando explícito. Mas deixaram todas as notas.

Foto 2

No Rio, quase três anos depois na volta — Lá, na hora: vão se misturar suas notas. Aparece o 2º clip da história. Let It Be, maio 70, Michael Lindsay-Hogg. Filmado primeiro na escuridão do Twickenham Studios ajudando o clima frio e sombrio dos 4, em duas semanas e pouco, 2 a 17 janeiro 69. Harrison mandou a merda o jeito de band-leader didático-agressivo de Paul não foi trabalhar 5 dias puto dentro das calças, voltou dia 22 com Billy Preston (piano do Little Richard), “… ninguém estava contente pra tocar, a presença de outro músico podia amainar a tensão no ar insuportável”. E até o fim do mês, foram tocar e trabalhar em casa, nos Apple Studios; onde subiram no telhado na primeira semana de fevereiro, para se despedir.

A Hard … retrata a imgem da ‘vida real’ como ficção. O submarino dá corpo a esta imagem, desenhando-os miticamente. Let It Be documenta poucos e últimos momentos dos Beatles juntos. Acordados na realidade pra valer. Let It Be não é uma agonia cinematográfica, revela, sim, por enquanto, a maior agonia da música popular. Grande cinema documentário. Eles plasmados lá como era não ser mais beatle, estava várias vezes impresso no celuloide e em suas caras. Falar nisso, la Ono, uma ronin linda e triste, vários closes, calada no cotovelo do John, vários críticos a viram de Lady Macbeth. Não se nota a parte do mal estar geral por ela ali, não foi editada montada. Yoko está linda, só a câmera propositadamente percebe. “It was hell making the film. When it came out a lot of people complained about Yoko looking miserable in it. But even the biggest Beatle fan couldn’t have sat through those six weeks of misery. It was the most miserable session on Earth”. Lennon.

Sem saco era deles. Ressureição fora da tela. Na consciência, gostavam de tocar e fazer música desde Penny Lane, nunca pretenderam fazer revolução, fizeram, e foram mais famosos do que Jesus Cristo. Em 70, esquemas utópicos abandonados, sem ensaiar e tocar juntos dois anos e meio, contudo ensaiaram e tocaram juntos toda uma vida, curta, porém marcou profunda vivência, ainda ganindo. Manifestam-se as idiossincrasias, manchas, interrupções sem licença, sarcasmos e cinismos (Lennon, Harrison), atos de visão musical clara maestrados (McCartney), grosserias, egoísmos, padrões de comportamento longe dos terninhos apertadinhos e histerias coletivas. Mesmo o Buckingham Palace meteu uma colherzinha no chá amargo da separação, “It is really quite a pity”, Her Majesty declared. Porque nunca soube do fato notório daqueles quatro rapazes plebeus que vieram da classe média interiorana antes de Her Highness tocar suavemente os dois ombros de cada um com a espada que foi de algum algarismo romano Richard ou Henry, e eles levantarem como sir antes de seus nomes, os sires deram uma passadinha no banheiro da nobreza para fumar unzinho de haxixe. Se John já assinasse Ono Lennon, Yoko ficaria guardando a porta: uma charge da época mostrando mrs Lennon sentada, a porta entreaberta e de dentro do banheiro saindo fumaça e os olhos dos quatro no meio do fumacê.

Foto 3Exceto os próprios sires ligadões — staf, amigos, a crítica, fãs, políticos, evidente, botavam boca no trombone que era estupidez financeira caprichosa a essa altura de bis, tris, de poli campeonatos ganhos ao vivo e direto e em vendas antecipadas dos álbuns: podiam se dar o luxo de tirar o time? Músicos que a guitarra era seu terceiro braço, que o rock puro da ex-colônia lhes colonizou desde os 15. Rockeiros formados praticando, não dependiam de band-leader, nem mais um do outro, personalidades que aprenderam segurança musical, intelectual, pessoal, ao vivo. Incorporaram posturas sem happy end, opiniões francas relativas um ao outro e de suas imagens públicas, publicadas, comentadas e fofocadas. Cidadãos milionários há menos de uma década sem dar mais bola para isto, teriam sempre o que queriam. E tiraram o time. Todavia, mesmo as imperfeições neuróticas deles, god save the kings! Nesta herança imediata ainda beatle legaram uma trilha sonora nada menor da excelência, nossos ouvidos e olhos todos tratados como convidados de honra, de “Don’t Let Me Down” até “Get Back”.

Houve bem mais saco cheio sem paciência uns com outros, normal numa separação. A versão liberada só revelando um pouco disto, está na cara, deixa ver uma sombra de autocrítica, se sabiam mitificados e se desmitificam. Único pega pra capar literal que o lado comercial da United não censurou nos é dado num vislumbre final de atrito irrevogável, por uma questão de realismo?, no diálogo entre McCartney e Harrison que chega com a raiva bem pronunciada dos dois, nenhum deles quer ser músico pago-para-ensaio do outro. Em uma principal contenda entre eles, de como tem que ser levado tal acorde: Paul: — I Always seem to be annoying you. George: — All right, I’ll play whatever you want me to play, or I won’t play at all if you don’t want me to play.

Cinema simples, sem digressões, mostra o que tem que mostrar sem sacanagem ou truque. Por isto salta a mentira no concerto no telhado da sequência dos guardas educados, não por serem solícitos, mas irreais, se nota a perfeição estudada, nós que viemos de uma hora de cinema real. E os melhores 40 minutos, com vento, de todos os filmes e clips de rock do verdadeiro último concerto de rock’n’roll, que foi num telhado.

Beleza a ideia cinematográfica, estilo let it be, a câmera desvendando os 4 como I’m looking through you, where did you go? I thought I knew you, what did I know. You don’t look different, but you have changed. Beleza fotográfica, balancear todos os desacordos de cores e luzes. Inacreditável lavagens de cor granuladas sobre a tela nas sequências cavernosas no Twickenham, geradas em 16mm: arcos-íris de imagens, indo, voltando, dando a cada um a sua própria aura; branco Lennon, roxo McCartney, laranja mantra Harrison, Ringo vermelho. Naquela estréia, comentei para a baby loura maravilhosa ao lado que os Beatles nesse arco-íris estavam na terra do Surfista Prateado, e mostrei quando George, em amarelo e marrom parece derivar dentro e fora do fundo de ferrugem. “Like a speckled trout!” – Uma truta esmaltada!, riu para mim. “Quite sure”, respondi com sorriso íntimo. “Don’t be a freak!, eu nunca vi truta muito menos salpicada de esmalte cenoura. Mas você tão a fim nessa cara que se eu sacasse qualquer coisa para ilustrar e dissesse que era um hipopótamo abóbora molhadinho, você concordava na hora, achando que a gente iria de manhãzinha pós-estréia comer fish’n chips no zoo londrino vendo nascer do sol inglês…” “…que não nasce, aparece pra vocês envergonhado”. A maravilha loura riu do estrangeiro. Eu ria de sua lição de independência pra manter a moral logo na estréia? E daquela maravilha loura, bichos. Bom, antes que “Two Of Us” acabasse, a maravilha e a outra maravilha meio ruiva deram uma cochichada e pra fazer as pazes ela e a outra baby meio ruiva me passavam um de haxixe, a brasinha também ia e voltava. Igual a câmera de mr Hogg se move dentro e fora, zoom-in zoom-out, parecendo cega mas infalível, com agudeza de um espírito que penetra fingindo uma coincidência natural, pegando tudo com o olho de inseto: fuzz-fuzz num microfone, George leva choque enquanto en passant se vê John entoando ‘Across The Universe” sem dar bola; os dedos do Paul tocando teclas do seu reflexo no corpo feito envidraçado do piano; Heather, enteada de Paul quem a trouxe também para amenizar o clima, correndo pelo estúdio, íntima de casa, na mão pintura de uma flor meio desanimada, desenho do Zak, que ela tirou da parede divisória do nicho onde Ringo toca e ele tinha pendurado a flor murcha do filho; John gorjeando estridente “Two Of Us”, igual único pardal que conheci no Jardim Botânico carioca; o rosto de George, pálido como cera, olhos baixos, e sua guitarra gently weeps. Lá fora, lembro minha surpresa no telhado quando faz-se luz oblíqua em Ringo, entortando o reflexo de sua capa impermeável plástico vermelho como lava derretida, tudo parecendo filmado num set de Mary Poppins.

Foto 4

Lennon puxa seu “D’ont Let Me Down” escrita pra Yoko, num pedido para que segurasse ali a barra com ele,  ela não vai mais sair do seu cotovelo, menos no telhado, até o Dakota. Dois lugares à esquerda, dois casais, elas nos colos deles, oito olhos jovens lacrimejantes à la não British. Pedi um cigarro a ele, ela acendeu e me passou. Ofereci a metade do hash compartido com o surfista prateado, o hipopótamo cenoura e as maravilhas à direita, ela não mas sua amiga do casal ao lado quis, acendi e passei, ficou por lá.

Maxwell’s Silver Hammer diverte num triste divertimento ali, Lindsay-Hogg rindo dando suas porradinhas com martelo. Platéia mais bebendo água do que fumando. O acompanhamento profissional, sem errar ou cruzar o ritmo e saber as letras, começa. A bigorna do Maxwell passa a ser o encosto da frente e qualquer coisa que soasse péim péim acompanhando mr Lindsay.

Que não tem nenhuma volta? “The One After 909” só foi tocada nos Quarry Men, se perdeu escondida no ancestral repertório de palco. Trabalharam com ela 2 dias, ensaiando entre as gravações das outras. Tornou-se o bom rock que escondia via experiência e técnica — os trabalhadores da pedreira não possuíam instrumentos e técnica nem a potência sonora dos Beatles. Então, os besouros-do-ritmo concordaram em levá-la pro telhado e, primeira vez, incluí-la num documento final como Let It Be (e no álbum).

Alguns namoros chegaram-se mais com “Across The Universe”. Como se ouve na tela, puxada por John, a canção vem com estilo mais direto, mais limpo de som, à la George Martin, eles mesmos fazendo os vocais originais no ‘Nothing’s going to change my world’. A versão do álbum é Phil Spector, tirou os vocais e botou uma linda muralha de sons sinfônicos, sua marca registrada. Alguns namoros nunca souberam disso, chegaram-se mais numa outra muralha, de corpos, sem trocar vocais com língua ou sem língua.

“Dig A Pony”, inédita de John, primeira vez que ouvida pelo público foi no telhado. Ali, na hora, sai crua, encorpada pelas guitarras (depois, Spector vai misturar os tapes das gravações as embaixo no estúdio e essa de cima). O autor achava a peça ‘uma pequena obra-prima de lixo’.  George dizia que nem o autor entendia a letra.

Na valsinha do George, “I Me Mine”, um John inibido lembrando qualquer coisa, menos Astaire-Rogers, mas valsou romanticamente com sua Yoko. Dizem que não estava no script, mentira. “John, devia ter pedido a meu avô pra te ensinar a valsar”, o conselho partiu gritado lá de cima e caiu numa risada geral aqui embaixo. Foi-se a aura romântica da sequência. Dançam sem jeito, suas cinturas são duras. E dançam tristemente. A câmera tenta ajudar, fica neles num escuro meio romântico.

A canção-título é dele. McCartney não resiste a tentação de interpretar a si mesmo. Seu rosto toma conta da tela. A antiga histeria gritante, elas também cresceram, vira um histeria muda, elas continuam fãs, gritam com os olhos, sabem as palavras e acompanham o conselho de Mother Mary cantando junto. O rosto delas é verdadeiro, não estão atuando uma paixão. Paul é canastrão, seu olhos piscam mal interpretados, seu rosto interpreta mal, soa a chantagem emocional de um belo profeta vagabundo do antigo testamento. Para elas continua profeta e ele está em todos seus testamentos.

Foto 5

Gatos em cima de um telhado de cimento frio. Pra mim, um documentário, diferente, dentro do outro. Lá em cima voltam a ser Beatles quarenta minutos. Uma verdade musical se vislumbra. É alguma coisa sobre seus personagens reais — a maneira em que a música agora parece ser a única força unificadora para mantê-los juntos. A câmera ao passear por eles para pegá-los em flagrante. Troca de olhares de rockeiros cúmplices Lennon-MCCartney; dois, três sorrisos satisfeitos e perdidos de Harrison; frio ajudando a movimentar os corpos, não estão interpretando falsamente relaxados como no estúdio, estão realmente se mexendo com a febre do palco. Lá embaixo, “D’ont Let Me Down”, “I’ve Got A Feeling”, “One After 909” e “Get Back” tocadas com a obrigação do trabalho. No telhado, tocando essas músicas se descobre que estavam mesmo ensaiando ou de saco estourado. Elas com eles vibram com a obrigação de gostar de fazer delas a música deles. Primeira e última vez destas músicas tocando juntos vira covardia para a saudade. Let It Be.

Acabou a sessão com “Get Back”, todos em pé ritmando com pés e batendo mãos. Luzes acesas todos batendo palmas. Umas dez pessoas saem, nada demais. Os que ficam, ninguém se mexe. Todos obedeceram a música, voltaram a sentar-se. Ninguém sai esperando a outra sessão. O gerente não sacou, sei lá, em 10 minutos começa tudo de novo. Já se escuta sons de uivos lá fora. Essa segunda sessão foi mais ritmada, mais fumada, mais haxixada logo, mais curtida, e quase bailável.

Quem está dentro não se mexe nem sai, quem está fora mesmo se mexendo não entra. É uma lei da física, nem Beatles conseguiriam alterar. Não haverá outra sessão se todos não saírem para os outros poderem entrar”. Pedido de calma e silêncio. “É simples, basta saírem como entraram, nos dando respeito, continuemos civilizados.” A simpatia do gerente trepando no proscênio da tela e a ideia de dizer isto vão se repetir toda a semana da estréia, para poder esvaziar a sala.

Foto 6Durante meses pelas filas, jamais encurtaram, correu boato que Fab 4 ia insistir. Mais realistas do que os reis. Ninguém acreditou se dia seguinte do antológico concerto no telhado, nem o repórter que conseguiu seguí-lo e fisgá-lo, saindo do telhado com Yoko, sure, na rua vizinha entrando em seu Rolls-Royce branco escondido(?) numa garagem a um quarteirão, quando anotou Lennon num comentário definitivo, “Rock is in us, sir, each one now is a band, rock won’t evaporate or dry, perhaps people that hate rock will buried it in some vault, wretched minds, rock will always be ready to re-enact their drama, and they do not know its true intensity”,

Outros números rockeiros que marcaram o último beat

Once upon a time, findando os 50, em Liverpool, John, 18 (9 outubro 40, libra, ar), Ringo, 18 (7 julho 40, câncer, água), Paul, 16 (18 junho 42, gêmeos, ar), George, 15 (25 fevereiro 43, peixes, água) começaram a ser beatles. Terminaram de ser Beatles nesse último trabalho, chamado Get Back; Lennon e Starkey aos 30, McCartney 28 pra 29, 27 pra 28 Harrison. São mais ou menos 10 anos, mais ou menos 10 anos — como Beatles. Deve cansar, entre outras coisas: 5 semanas, 22 músicas novas as poucas que não eram são como se fossem, mais da metade tocadas filmadas durante as gravações no estúdio de som do prédio da Apple, pouco mais 100 horas de música total, para as 40 e tantas, e tantas, horas sentados, takes, re-takes, re-re-takes ensaiando, tocando e gravando de novo de novo, discutindo, porradas secas, sonho acabado acordados sem sono. 4 câmeras plasmando 800 horas de metragem geral reveladas, não editadas; pouco menos de 300 horas de material filmado aproveitável nas latas, daí, tirarem as últimas 96 horas dos Beatles para editar até o final de 69. O último concerto dos 4 evangelistas de rock’n’roll original desde para quem tivesse um radinho de pilha, uma vitrola portátil ou não ou tv preto e branco, não importa a geografia, é história — pegou o Oscar in the 1970 Academy Awards for ‘Best Original Song Score: Let It Be – Music & Lyrics by the Beatles’. Meados maio de 70 sai o álbum na América, os 3.700.000 evaporaram antes de junho, maior recorde de venda, adiantada, durante décadas. United Artists produzindo, o grupo entrou como contratado pela produção, bom cachê. Plus os direitos das músicas, cada um na sua: McCartney, 6 – “Maxwell’s Silver Hammer”, “Two Of Us”, “Oh Darling”, “The Long And Winding Road”, “Let It Be”, “Get Back”; Lennon, 5 – “Don’t Let Me Down”, “One After 909”, “Across The Universe”, “Dig A Pony”, “Dig It”; Harrison, 2 – “For You Blue”, “I Me Mine”; Starkey, 1 – “Octopus Garden”; Lennon-McCartney, 1 – “I’ve Got A Feeling”; Fab 4, 1 – “Suzy Parker”. Completando as 22: Wiliam ‘Smokey’ Robinson – “You’ve Really Got A Hold On Me”; Lloyd Price – “Lawdy Miss Clawdy”; Jerry Leiber, Mike Stoller, Little Richard – Kansas City (L/S) + Hey! Hey! Hey! (LR); Velázquez-Skylar – “Bésame Mucho”; Improvisadas – “Shake Rattle And Roll”, “Jazz Piano Song”. Nesta tessitura musical Let It Be extrapola suas imagens com suas neuroses a olho nu. Mostrando e nos dando sua agonia com 81 minutos.

Foto 7Emoção só existe porque, igual a tudo, acaba um dia

Vem outra que vai continuar emocionando quem seja com toda razão. Let It Be, dudes. Na bela fratura exposta na tela, a música sempre lhes cedem forças nos olhares, poucos, sorrisos de sim, menos que poucos, entre eles. Ambiente pesado, sabem. Contudo, como disse um amigo scholar beatleniano, muito menos interpretaram o prenúncio dos advogados que o triunvirato Ono-Harrison-Starkey iria constituir depois para brigar com advogados dos Eastman, para McCartney. Aqui, agora, estão é de saco absolutamente cheio de tanto trabalhar hard days night’s e conviver um com o outro. Sem frescuras. Como juntos criaram e trabalharam músicas, para nós, que são presente eterno, no filme passa que já não se divertem tocando. Mas o hábito de tocar juntos sem cair na rotina mantém o padrão musical irrepreensível, também passa no filme. Nas 5 músicas com vista para os Burlington Gardens, no telhado da Saville Row, se vê melhor isto: naqueles 40 minutos, a música tocou mais alto neles.

Uma cultura prova que está viva via seu estilo. Surgem variações, que vão virando ‘modas’. A cultura, ali, firme, alimentando suas modas, trocando internamente por outras, roubando coisas comuns às outras culturas, tornando essa miscelânea seu próprio estilo, que chega novo, ainda não experimentado, nem pensado, apareceu neta do som de uma música de negros analfabetos que só sabiam catar algodão. É o que os brancos diziam. Só, escondiam suas sensibilidades nos alambiques de uísque de milho e de música. Para fazer música eterna, triste, corações rompidos, entes carentes. porque deixava todos como eram, blues. Let it be ficou. Ia ser um documentário making of do novo álbum, “Get Back”, foi o making off do último álbum, Let It Be, em todos sentidos (Abbey Road é um segundo capítulo) e do Fab 4, sem volta.

Quem diria, a flauta era do flautista solitário, Platão viu nascer uns tais solistas de flauta que tocavam juntos, não deixaram nada gravado esta banda grega só se apresentava ao vivo em arenas teatrais. Feriu de morte a cultura anterior, o amigo da sabedoria considerou esses músicos e suas músicas decadentes. Milênios, mudou nada: quando dentro da cultura apresentada surge uma pergunta nova (tem que ser nova ou não ia surgir), na prática, fere mortal a outra cultura, seus problemas e suas respostas. Se esta cultura surgida e, inesperada, ainda veio tocando música, praticando uma cultura que não está nem aí praticante politicamente. Contesta feio, alto e protesta e se manifesta e faz barulho, mas permanece numa política da crítica; uma cultura formada na rua, de baixo — quem a criou —, para cima — quem a comprou e assumiu; criadores e compradores uma juventude sem emprego fixo vivendo de um capitalismo funcionando. Câmara dos Lords e dos Comuns não gostam de rock e, sinceramente, certeza de que nunca prestaram atenção. A não ser quando no dia que Her Majesty tocou com a espada real duas vezes cada ombro da classe média baixa de Liverpool sagrando-os cavaleiros do reino. Portam-se antes, durante e depois da cerimônia dignamente. Principalmente antes, autênticos fools of the hill, “He never listen to them, he knows that they’re the fools. The fool of the hill sees the sun going down and the eyes in his head sees the world spinning round”. Desde que este público, sua arte, seus artistas qualquer campo, firmaram esta cultura — começo dos 60, São Francisco, West coast, mais cedo nos USA; final dos 60, Londres, Europa, arredores — seus críticos sociais, financeiros, pesados críticos culturais, no fundo, transformam esta nova cultura em moda, taxam-na o imposto cultural de baixa temporalidade, para ter o significado que vai passar.

Foto 8Cultura e cultores nem aí. Numa primeira vez histórica uma cultura que nunca pensou em algo parecido com sistema político; além de desprezar qualquer poder, sua ideologia é uma ciência da paz, sexo com ou sem amor, mais prático e sem posse, e experiências com drogas que alteram a consciência. Está armado lindo forrobodó.

Super-heróis sem trabalho, de repente não ficaram bilionários por coincidência. Mito, lenda, super o que for: a visão do que não é visível, degrau um da lenda. Contudo, o cara que não é visível pode ser consumido, pode ser ouvido, pode ser tocada sua pele, seus cabelos, suas roupas. A lenda foge, finge de fugitiva ou foge mesmo, o herói popular se consciente do novo universo de sua cultura, sabe sua ‘magia’ irreal, inclusive para as pessoas de sua cultura, ele(s) vê(m) o constrangimento ante a possibilidade de ser visto pelo outro, de ser descoberto. Esse constrangimento do olho e pensamento do outro marca o existencialismo que levamos conosco do meio da 2a Guerra em diante. Mudou nada: as pessoas desde a humanidade existente não vêem com os olhos, com o coração, com a cabeça; elas plasmam e são plasmadas pelo imaginário massivo que convivem e pela argamassa da gente que respiramos.

Repassando o som

Agonia na tela. Ressureição fora da tela. Na consciência, gostavam de tocar e fazer música desde Penny Lane, nunca pretenderam fazer revolução, fizeram, e foram mais famosos do que Jesus Cristo. Não é fazer a revolução e tomar o poder, é o que se tem e se vai fazer a partir da manhã do dia seguinte. (Quemada, 69, Gillo Pontecorvo, Brando, obra-prima, dá phd disto pra gente.) Liberdade nunca existiu sozinha, o peso de sua mãe-irmã-amante responsabilidade que sempre vem junto é o fodão.  Sem papo sociológico onanista pouca gente dos bilhões na época não sabia o que é o yeah-yeah-yeah. Tirando a Yoko, naquela época não tinha a mínima ideia do que era beatles, isso que apaixonou Lennon no ato, subindo aquela escada da intervenção artística de sua exposição, chegando no último degrau e encontrando. Pôrra nenhuma. (O amor é lindo.)

Nossa Educação pela latrina da américa forma e ensina países sem valores éticos, jamais os tiveram, países necessitados, primeiro, de princípios morais-éticos elementares, para daí chegarem aos valores a praticar, virarem países. Cobertos de vergonha pela nossa cumplicidade, somos nós. Em países que tem e onde há valores se pode dar o luxo de haver ideologias que queiram e se apresentem para poder. Então, surge: Mesmo uma ideologia que nunca deu pelotas para o poder, se fez influenciada por elementos, imaginário, significados e significantes, à direita, centro, à esquerda de tudo, inclusive das outras ideologias no mercado. Fizeram música popular para a cultura popular que viviam todos. É a cultura pop. Fab 4 a idealizou e foi consumido. Um pé de página que não vai constar do Curso da Cow Girl. Contudo, botaram em pé uma página! Bilhões sabiam quem eram os Beatles, menos Yoko, John tinha que se apaixonar por ela.

Foto 9Saí do cinema e com meus botões tinha começado As Reinações de Narizinho. Vale tudo no Picapau Amarelo, até me entender com pó de pirlimpimpim, o Sabugosa, também nobre, sabe das coisas. Ou estava vivendo A Invenção de Morel e de Bioy Casares, me acalmaria que a precisão é vaga e que a perseverava me apaixonando sem volta por uma linda forma musical que vai nos tornando invisíveis visíveis, nos desaparecendo para ficarmos presos nos repetindo no espaço sem tempo com a força branda que o amor é nuvem, utopia do real já que o real também é utopia.

As pessoas deles foram mudando, todos mudamos, os arquétipos dos Beatles marcaram, todos nossos arquétipos marcam. Paul, um cara caloroso, muito gentil, educado. John, um cínico, satírico, muito inteligente. Ringo, mais para quieto, engraçado mas quieto. George, sujeito sério, sobriedade e sombra sensível na atitude, e sempre meditativo. São vistos e analisados até hoje neste pano de fundo pano de fundo não mostra as nuances entre quatro caras que começaram como colegas, foram adiante como companheiros, viraram amigos — sempre tocando — como a banda mais famosa do rock’n’roll. O temperamento é aquele de cima, como está plasmado em P&B no histórico A Hard Day’s Night. A personalidade dos espíritos é essa, mais para graves sem agudos, como está plasmada aqui embaixo, hoje daquele momento.

Momentos. Dicilmente esbocei, passei nem perto. Os momentos não alcançaram preciosidade para eles ao vê-los. Cansaço. Para Hindsay-Logg e a gente, sabíamos que não veríamos outros, era jóia do tesouro. O que mantém Let It Be, a imagem do seu espaço na memória? As suaves, luminosas imagens contrastando com eles cansados, não escondendo, na bronca. Um documentário que mostra simplicidade, a que perderam como Beatles.

The Beatles são 10 anos. Trabalharam a saudade dos 60 para quem a viveu junto com eles. Produziram uma ideologia musical. Yeah — impossível saber, sentir, ver, que uma história está agonizando — Yeah Yeah — vivendo essa história, única, sem farsa de repetí-la — Yeah Yeah Yeah! Ficou o grito e todos os ecos com direito de coração e mente. O som do rock que sai neste around the clock, agora, é de uma agonia do rock. Igual o filme — e o álbum. A de 4 liverpuldians que pariram, praticaram, curtiram o significado do rock. Trouxeram o rock-música para o mundo das ideias, se fartaram, ilustraram, criticaram, amaram o cotidiano; Dylan plasmou em sistema. A história social da minha geração e da sua cultura. A mim, music and lyrics deles sempre é elástico, mola, suporte, ponte, estrada, sentido para a imaginação. Fodam-se racionalismos medievais possessivos à direita do centro à esquerda. Não importa o juízo de má ou boa poesia, nem importava naquela hora, importa picas agora. Presente para as más línguas: Waits at the window, wearing a face that she keeps in a jar by the door — Espera na janela, vestindo seu rosto numa jarra junto da porta, Eleanor Rigby, McCartney, surrealismo puro, poesia da boa.

Foto 10I’d like to say thank you on behalf of the group and ourselves and I hope we’ve passed the audition. Paz e Amor.

16 comentários sobre “Rock Around The Clock 2 – Parte 2

  1. Ufa! Se este texto foi escrito para documentar o velório dos Beatles, então acho que li também o inventário completo. Sempre tive um pé atrás com o Let it Be (filme e disco). Está mais para uma frustração, pois ele é a pá de cal em uma banda que marcou tudo nos anos 60 (precisa ter vivido lá pra entender toda a importância). Para mim soou como um anticlímax. Esperava muito, mas muito mais do último item de um espólio tão rico. Mas pelo menos, lá pelas tantas, quatro gatos pingados subiram ao telhado. E lá deram toda a pinta de ainda serem os 4 rapazes de Liverpool. Grande texto (e põe grande nisso)!

    1. Na verdade não havia mais nada que os unisse. Subir no telhado (literalmente) representou o fim da agonia. Porém, o saldo final foi positivo, pois cada um, a sua maneira, lançou grandes obras, deixando um legado que ainda marca gerações.

  2. A história do fim dos Beatles já é por demais conhecida. Até satirizada já foi: “The Rutles”, genial. No entanto, tenho muito o que aplaudir o texto do Luiz Duboc, pela sua força literária e por registrar uma epifania (de acordo com a concepção da obra de Clarice Lispector): ir ao cinema, ver um filme, e ver além de um filme. Ver um tempo. Ver uma geração se esvaindo. Surpreende-me perceber que essas lembranças não esmaeceram: Duboc as registra talvez com as cores da experiência, da busca do tempo perdido proustiano, do que foi e do que poderia ter sido. Um escritor triunfa quando, com as palavras, consegue fazer o leitor sentir a emoção de um momento. O texto me emocionou muito. Parabéns, Duboc! (E antes que eu esqueça: Lennon era chato pra cacete!)

    1. Disse muito, Francisco. O texto do Luiz é tudo isso mesmo. E o melhor beatle sempre foi a Yoko.

  3. Cheguei depois…quase 10 anos. E perdi as controvérsias originais sobre Let It Be. Nunca entendi a má vontade com o disco e as arremetidas contra o gênio louco, Phil Spector.

    1. Dizem que o Paul McCartney odiou o que o Phil acrescentou ao arranjo de “The long and winding road”. Que era para ser mais intimista e tals… Mas, na minha inútil opinião, a música, como foi lançada, é maravilhosa! Acho que rolou uma invejazinha básica…

  4. Surpreende-me a pouca frequência de leitores (a julgar pelo número de comentários) em textos desta qualidade…

  5. Esse texto (e o anterior tb) foi um soco no estômago do qual ainda não me recuperei.
    Parabéns por me nocautear.
    Abraço,

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