Cinco Discos Para Conhecer – Ao vivo no Fillmore (East & West)
As casas de shows do empresário Bill Graham foram um dos maiores e mais lendários templos do rock. Em San Francisco, Califórnia, o Fillmore West surgiu inicialmente no lugar onde funcionava o Carousel Ballroom, que era um grande balão de ensaio para o novo rock americano em meados dos 1960. Depois, mudou-se para um lugar maior, na esquina da Market Street com a Van Ness Avenue. Até hoje ele existe na cidade, em outro endereço, depois de muitos períodos de inatividade, batizado como The Fillmore e administrado pela Live Nation. Em Nova Iorque, o Fillmore East ficava localizado na Second Avenue e foi aberto em 1968. Ambos duraram até o fim de 1971, quando Bill Graham se cansou da indústria musical. Mas nesses poucos anos, o Fillmore deu espaço de vôo para quase todos os mais importantes artistas do rock daquele fértil período – americanos, ingleses e alguns latinos, bem como veteranos do blues e do rock n’ roll. Passaram por ali os nomes que integraram casts e mais casts dos lendários festivais ao ar livre do fim dos anos 60; de seus palcos foram gravados diversos discos (oficiais e bootlegs) e ali também foi espaço de divulgação de toda a cultura psicodélica, seja pela fantástica arte dos cartazes promocionais dos shows ou por shows de luzes e projeções. Por noites a fio, o Fillmore contou com a nata do rock n’ roll e da boa música ao vivo. Nessa relação de discos recomendados, um pequeno passeio pelos palcos da costa leste (por coincidência, a maioria dos escolhidos) e oeste norte-americana. Escolhe-los não foi nada fácil, pois há fartura de ótimas opções.
Allman Brothers Band – Live at Fillmore East [1971]
Basicamente uma síntese de todo o espírito do rock no início dos anos 70, esse clássico tranquilamente belisca o pódio dos melhores discos ao vivo de todos os tempos. Perfeição técnica, interpretação magistral, musicalidade brotante, repertório empolgante. Tudo isso aconteceu numa série de apresentações realizadas entre 12 e 13 de março de 1971, contando ainda com o grande Duane Allman na guitarra (que viria a falecer pouco tempo depois). O Fillmore East testemunhou estes momentos mágicos, capturados de forma extremamente apurada pelo engenheiro de som Tom Dowd. O disco original vinha com 6 pepitas; ao longo das décadas, diversos relançamentos trouxeram a íntegra das apresentações, na qual pode se notar que tudo ali foi sensacional e não apenas o que a banda aproveitou para o lançamento original.
Formação: Greg Allman (órgão, vocal); Berry Oakley (baixo); Jai Johanny Johanson (bateria, percussão); Butch Trucks (bateria); Duane Allman (guitarra); Dickey Betts (guitarra)
- Statesboro Blues
- Done Somebody Wrong
- Stormy Monday
- You Don’t Love Me
- Hot ‘Lanta
- In Memory of Elizabeth Reed
- Whipping Post
Humble Pie – Performance: Rockin’ the Filmore [1971]
Obviamente, a programação dos Fillmores era predominantemente composta por artistas e bandas americanas. Mas os ingleses também tinham muita vez, até porque a reputação positiva das bandas inglesas nos EUA era algo que vinha desde a invasão britânica. Este combo britânico não deixou por menos, e fez valer a coroa da rainha naquele maio de 1971 no palco do Fillmore East. A banda encontrava-se entrosadíssima, cada vez mais pesada e volumosa (para decepção de Peter Frampton, que logo pularia fora do barco), abusando dos agudos de Steve Marriot e de suculentos ataques de guitarras. O Humble Pie aqui veio com tudo e o palco do Fillmore presenciou (em duas noites) a performance explosiva da banda. Outro batuta da produção sonora esteve a cargo da captura do registro – Eddie Kramer. E aí não tinha como dar errado – ótima performance, ótima música, ótimo som. Obrigado por mais essa, Fillmore.
Formação: Stevie Marriot (guitarras, gaita, vocal); Peter Frampton (guitarras, vocal); Greg Ridley (baixo, vocal) e Jerry Shirley (bateria)
- Four Day Creep
- I’m Ready
- Stone Cold Fever
- I Walk on Gilded Splinters
- Rolling Stone
- Hallelujah (I Love Her So)
- I Don’t Need No Doctor
Jimi Hendrix – Band of Gypsys [1970]
Já comentei sobre esse disco aqui na Consultoria do Rock (veja aqui) e sobre Jimi Hendrix é desnecessário ficar gastando latim. O cara simplesmente é. O mais legal aqui é que Band of Gypsys foi gravado no Fillmore East no reveilon de 1969 pra 1970, nas noites de 31 de dezembro e 1 de janeiro. Imagina a festa! Novamente, na mesa de som estava Eddie Kramer. Ou seja, o som é de arrepiar até os cabelos mais obscuros do seu corpo.
Formação: Jimi Hendrix (guitarra, vocal); Billy Cox (baixo); Buddy Miles (bateria, vocal)
- Who Knows
- Machine Gun
- Changes
- Power to Love
- Message of Love
- We Gotta Live Together
Miles Davis – Live At Fillmore East [1969]
Outro cara do qual dispensam-se apresentações e delongas. Quando Miles Davis começou a se aproximar da linguagem do rock, ele passou a frequentar as casas do Fillmore e tocou lá em diferentes ocasiões, com diferentes formações e propostas. Esse conjunto de apresentações (foram 4 ao todo, sequenciais) é especialmente interessante por ter Miles Davis com seu hepteto, tocando com dois teclados (os monstruosos Chick Corea e Keith Jarret) e percussão (a cargo do fantástico Airto Moreira). Nessas 4 noites no Fillmore East, em Nova Iorque, ele tocou abrindo concerto para a cantora folk Laura Nyro, nas sempre ecléticas programações escaladas por Bill Graham. Miles nessa época apostava no formato de longos improvisos, na linha do que havia feito em Bitches Brew. Neste disco encontram-se trechos incompletos de suas 4 apresentações, que na verdade consistiam de apenas 1 única longa e poderosa sessão de música por noite. As apresentações duravam cerca de 40-45 minutos e foram editadas para uma média de 25 minutos. Os melhores momentos encontram-se no lado A do disco 1 (Wednesday Miles) e no lado A do disco 2 (Friday Miles). Quer saber quem foi o mago que esteve liderando a captura do som e a edição? Teo Macero.
Formação: Miles Davis (trompete); Steve Grossman (saxofone); Chick Corea (teclados); Keith Jarrett (teclados); Dave Holland (baixo); Jack DeJohnette (bateria); Airto Moreira (percussão)
- Wednesday Miles
- Thursday Miles
- Friday Miles
- Saturday Miles
Grateful Dead – Live/Dead [1969]
Não poderia deixar de fora desta lista algum dos grupos que o Fillmore ajudou a lançar para o mundo, como um pacote das delícias ensolaradas e psicodélicas da Califórnia. O Grateful Dead era um habituée do Fillmore West, junto com Jefferson Airplane, Quicksilver Messenger Service, Santana e Big Brother and Holding Company. Ainda que Live/Dead, lançado em novembro de 1969, não tenha sido produzido integralmente com material apresentado no Fillmore West, a maior parte de seu material é originário de uma série de 4 apresentações realizadas no lendário palco de San Francisco, que ocorreram em 27 e 28 de fevereiro de 1969 e 2 e 3 de março do mesmo ano. Duas músicas do setlist original foram registradas no Avalon Ballroom. Em 2005 foi lançamento uma caixa chamada Live at Fillmore West 1969 – The Complete Recordings, de tiragem limitada, com (pasmem!) 10 cds, que retrata o Grateful Dead naquelas 4 incríveis apresentações. A qualidade do som emanada do palco é primorosa em todos os aspectos – a banda destila boa parte do melhor de seu repertório; o entrosamento entre os músicos parece até intuitivo e tudo foi captado com uma ótima resolução. Não tem nem como destacar algum ponto destes registros. É sentar-se confortavelmente em algum lugar e se deixar levar, na quintessência dos registros ao vivo desta verdadeira instituição da música norte-americana.
Formação: Jerry Garcia (guitarra, vocal), Bob Weir (guitarra, vocal); Tom Constanten (teclados), Ron “Pigpen” McKernan (teclados, vocal, harmonica, percussão), Phil Lesh (baixo, vocal); Bill Kreutzmann (bateria); Mickey Hart (bateria)
- Dark Star
- St. Stephen (including William Tell Bridge)
- The Eleven
- Turn on Your Love Light
- Death Don’t Have No Mercy
- Feedback
- We Bid You Goodnight
Imagino o esforço mental do Ronaldo Rodrigues para escolher os discos representativos desse tema. São muitas bandas e artistas de alta categoria que se apresentaram nesses palcos. Santana, The Nice, Mott The Hoople, Aretha Franklin, Moody Blues, Quicksilver Messenger Service, Mike Bloomfield, Neil Young and Crazy Horse, Cream, Janis Joplin and The Big Brother Holding Company, King Curtis, Laura Nyro, Jethro Tull… Muita gente boa passou por ali. A presença do disco da Allman Brothers, porém, é necessária, pois representa o ápice dessa banda ainda capitaneada pelo soberbo Duane Allman. Um dos maiores discos ao vivo da história! Parabéns pelo texto!
Ótimas escolhas, mas se fosse colocar entre os cinco, certamente ia colocar a caixa com 3 LPs + compacto + muitos mimos Fillmore The Last Days.
O álbum que reuniu as últimas apresentações nesse tempo da música tem nomes como Quicksilver Messenger Service, It’s a Beautiful Day, New Riders of the Purple Sage, Grateful Dead, Santana, Hot Tuna, entre outros, ou seja, boa parte da nata dos nomes que passeavam pelo palco do Fillmore.
Agora, com certeza, se o ABB não tivesse nessa lista, daí o Ronaldo ia ter muito o que conversar para se explicar, hehehee.
Belo tema meu chapa.
Obrigado pelos comentários, pessoal! não foi nada fácil fazer essas escolhas. Como disse em conversa ao Mairon, eu não conheço essa caixa com 3 discos (apenas o filme dos últimos dias do Fillmore, que também é recomendadíssimo e encontra-se no Youtube). Mas se fosse escolhê-la, já mataria 3 dos 5 discos possíveis! rs
Abraços!
Para quem quiser se aprofundar no tema e ver o quanto é o Fillmore foi representativo pra história do rock, essa lista revela todos os álbuns e bootlegs produzidos naqueles palcos:
https://rateyourmusic.com/list/Joci/fillmore_albums___a_comprehensive_list/
Muito legal, Ronaldo…
Tem um filme riponga de 1968 chamado Psych-out onde um promotor promete à banda onde Jack Nicholson “tocava” guitarra se apresentar em uma casa de shows de São Francisco chamada The Ballroon, que seria o Avalon Ballroom (ou Fillmore West). Dá para ver neste link, a partir dos 1:17:00) a apresentação do Strawberry Alarm Clock e depois a banda do Nicholson nesse que seria o interior do Fillmore West (não aparece nos créditos o lugar exato da locação)… https://www.youtube.com/watch?v=ScPetZKRQQ0
Bela lembrança, Marco! eu já vi esse filme, há alguns anos atrás, mas não lembrava dessa passagem. Mas lembro desse trecho do Strawberry Alarm Clock. Sobre a PZ, essa edição sobre discos e performances ao vivo foi uma das edições mais legais da história da revista.
A poeiraZine fez uma vez uma matéria sobre os melhores discos ao vivo e eu escolhi para resenhar justamente esse Humble Pie.
Muito legal. Parabéns Ronaldo.Acredito que daria para replicar essa matéria com outros grandes palcos do mundo como o de Budokan e o Royal Albert Hall…
Abraços
E o Carnegie Hall tb
Boa ideia, Bueno! poderia ter vários “Cinco Discos” relacionados à estes templos do rock!
Que beleza esta matéria!
Excelente!! Outro registro interessante é o Live at the Fillmore East do Neil Young & Crazy Horse, gravado em fevereiro de 1970 e lançado em 2006.