Hollywood Music Festival
Por Luiz Duboc
Rock Around The Clock 3 – Parte 2
Festival pop, livre acampamento de férias para todas as idades até 30 anos. A única pessoa (bem) mais velha era mr Ginger Baker, almost fifty. 6a, cheguei fim da esquentadinha medíocre, famosos desconhecidos, nem eles se conheciam, som faltando horas-luz de ensaios, ou talento, pra sair música. Black Widow, imitação barata da estupidez musical Black Sabbath, culpados sem apelação por me apresentar ao heavy metal; Golden Oldies, The Flaming Groovies, The Flying Burrito Brothers, Wildmouth (continuavam meia boca) e o infalível chatíssimo Titus Groam: meu fundo musical andando, procurando minha prainha até habitar a dica da Mindy. Se você está no próprio site, a multidão que vai viver pela região do anfiteatro, igual praia lotada sem mar, muito ouriço mesmo, não é minha praia. Depois da fronteira, uns 300m ocupados, num platôzinho mais alto, havia menos bastante gente, espaço entre barracas e sleeps. Abri, estendi meu pequeno elefante, acendi unzinho. Lindos cabelos negros encaracolados enormes, made my day. Era feliz, e sabia.
Hollywood Music Festival, feirão ambiente autêntico getting together, pacífico, nenhuma briga na fazenda dos porcos de mr Ted. Ácido, anfetaminas, hash, livres: pretty flower-girls (mais para flowers-childs) com sacolão nem precisava chamar, se anunciavam, sorrisos irresistíveis das dealers. Penetras paca no palco. (Evidente, sem telões) Piroctecnica nenhuma, jogo de luzes tímido, fumaça se a banda pede; no show-off, os “ajudantes taifeiros” pops arrumam, ligam traquitanas, bandas entram e saem limpando o palco. Som, impecavelmente limpo, belo esporro. Trecos inéditos: as músicas dos grupos gravadas durante seus shows, acabavam, eram soltas nos auto-falantes espalhados, enquanto os “ajudantes taifeiros” preparam a parafernália da próxima, parando só de 5 às 8 da madrugada.
Filmes 8mm, 24 horas, qualidade e som razoáveis, gravados em outros concertos, com as bandas do festival, no Hollywood Music Movie: meu refúgio legal das Radha Krishna Temple, Demon Fuzz, Golden Oldies. Num tendão circense, Poetry Pavillion, leitura de poemas, os poetas optaram pelo rock, nem eles nem ouvintes deram as caras. A poesia ficou por conta do movimento dos casais sem terra dentro dos sleeps, ocuparam o Poetry, cara sozinho no mercy. Discoteca 24 horas lotada, se não aguentavam casais dormem no piso, chapadões, vários sonharam. Algumas boutiques, caríssimas, às moscas. Cerveja decente, mas banheiros davam medo, guys and dolls faziam filas perto da cerca mais longe, grama mais limpa, mais seguro. Poucas vans e caminhonetes grandes garantindo a larica 18 horas com dogs, cheese-hamburguers-tudo competindo com os banheiros, fish’n chips confiável.
O apresentador entre cada banda avisando ‘not to buy or take the acid sold especially by girls, it is not good quality, careful’. 17 bandas: 9, sábado e 8, domingo, 6 boas, pra mim. O resto precisava ser muito inglês para curtir. Esqueci Quintessence, Mike Cooper, Tony Joe White, Trader Horne, para o meu bem. O resto, ia ao cinema. E do resto não era resto. Não vi um polícia. O sistema penitenciário inglês teria acomodação para mais de 50 mil cabeludões de todos os sexos? A polícia contou 35 a 40 mil, confirmando o quesito todos os sexos.
Screaming Lord Sutch and Heavy Friends abre o Hollywood, com Roll Over Beethoven (incrível Chuck Berry). Lord Sutch swingando legal, mexe, improvisando, brincou de we-bop-lu-la-be-my-baby com o público. Heavy Friends entram pesados, não chegavam num acordo qualquer rockeiramente satisfatório, assassinam Great Balls of Fire, confundiram o ritmo alucinante puro rock Jerry Lee Lewis com uma pauleira só, sem ritmo. Lord quis amenizar, acendeu uma fogueira no palco, inflamou e escureceu um pouco o plástico do cacête de 5 andares, mais alto que o palco, ao lado. Susto rápido, ele mandou outro clássico, Don’t You Just Know It tornando som e amigos pouco mais leves. Duas dançarinas lindas rodando rock-dadivosas figurino escasso-dadivoso, e dois pássaros vagabundearam, pinotearam, dançaram pelo palco largo e bem alto, rock melhor que o escutado, mas as duas dançarinas eram melhores.
Imprensa livre, reportagens hipócritas, sociedade careta. A imprensa nem fotografou nem tocou no cacête de 5 andares, nem nos dois peitões, mais de 5m de diâmetro cada um, mamilos vermelhões, murchavam e arfavam do outro lado: falavam “estruturas infláveis gigantes”. Pau de 15m e peitaria mais de 10m larga são coisas para inglês apenas comentar, no club.
Caíram matando o Grateful Dead, pelo rock praieiro deles. Música é apátrida, é boa ou má. Não fossem os negros around the clock pulsando, gerando blues, folk, country, rock puro nos bayou country e celeiros, Beatles & cia. ltdadíssima não gritariam yeah-yeah, a música inglesa continuaria fundo musical para os vaudevilles, imitados dos franceses. Fora Grateful Dead, todas as bandas era a primeira vez que seus acordes encaravam audiência massiva de festival. O Dead, on the road 5 anos, primeira e única vez que tocaram fora da Califórnia. Bom, Jerry Garcia and light friends nem americanos são, mas raízes completamente californianas.
Rock bom entardecendo praia, maresia não chega na serra do condado de Staffordshire, o rock deles são ondas suaves, não param, não estouram ali na beirada da areia. Me & Bobby McGee (Kristofferson-Foster) é delícia de som, Johnny B. Godde, outra de mr Berry gostosíssima (qual não é?). Quem não curte Grateful Dead nunca curtiu uma praia. Ouvidos duros ingleses, Dead não faz rock nervoso, reclamaram com as mãos ao swingarem Uncle John’s Band (Hunter-Garcia). Tio João não saiu das westcoast rádios anos, material genuíno rock, country, folk e blues. Seus concertos são mais longos que discursos do Fidel, sem demagogia e não entediam, 6 a 8 horas os deles, tardes e noites inteiras.
Eles e The Band são as únicas bandas formadas anos que suportam sonoramente Dylan, escolha do próprio. O inglês Mr Clapton é fã. Rocks baladas, marcadas firmes de som constante ao fundo, o swing deles não pára. Big Railroad Blues (Noah Lewis) na falsa moleza, nem palmas. Dead é rock para ser embalado. Garcia olha Bob Weir, ele soltava rajadas da rythym mais enérgicas, os caras ali perto reagiam, mais longe onde eu estava as ondas embalavam legal a todos, as usual. Pra quem é íntimo, mais chegado a mover-se sem desespero. Jerry Garcia deu uma gozada com classe após Casey Jones (Hunter e ele), clássico: “Vamos parar, ‘Pigpen’ McKernan esqueceu as congas no chiqueiro, eles lá gostaram do ensaio”. Eles tocam o tempo sem parar. Sol e brisa da Califórnia, som solto, solar. As músicas do Grateful Dead não acabam, vão acabando, vão …
Fui apresentado a Family quando surgiu, ovação beatlemaníaca junto fez vários fotógrafos escalarem os andaimes do som. Agradeceram quebrarem recordes de venda no box office. Meio babaca um deles tirar o suéter, ficar girando, continuar rodando sobre a cabeça, e cambaleando pelo palco, até agarrar possessivamente o microfone, como se fosse sua lady. Vibravam. Roger Daltrey faz melhor e jogando o microfone, mais pesado. A papagaiada não desmereceu A Song for Me, rock do bom. Numa seção, o violino revela talento num solo, se aproxima do baterista, baquetas de prontidão, entra na dança, dá show. Family unida mandou ver rock unido, música boa.
Piano e guitarras soando simples imitando melodias açucaradas, sem batera, um washboard e uma moringa na percussão, como os skiffle groups dos anos 50 inventavam. De repente, o som simplista da jug band mistura blues bem batido com puro country num crescendo meio de hino arrasando lugar e público. Todo mundo grita, se levanta, não se pára mais de dançar Midnight Special, sucesso absoluto do Mungo Jerry. Suplicam por In The Summertime, quem não conhecia? Até o south-boy. Começo de abril passado, sábado chato, sem promessas, no The Great American fechando, só o tempo de “Sorry, no vacancy”. Sem ordem da rainha acendo um, boots are made for walkin’ e me perder pela cidade à noite, coisa nova, dou de cara com uma Wardour Street, no cartaz do club taciturno 1 libra para ensaio de uma jug-band em hora e pouco, que pôrra uma moringa faz num rock? perdulário, pago pra ver, a seco sem hash a ração diária consumida, umas 500 pessoas conversam, dormem, fumam todas, continuam apáticas no Temple (o pop aluga o club mas não é aceito como sócio, Groucho tem razão), Big Ben toca meia-noite, acendem luzes de merda.
Público frio, o grupo frio, acordes frios, a música esquentando, guitarras, bateria, washboard e a moringa (resistente), jeito novo da original jug band, “por causa da moringa, coisa antiga”, o único cabeludo simpático passa a nota, aumentam o ritmo do seu rock country blues feito em casa londrina. Param de conversar, acordam, seguem a banda, seguem fumando todas, pisando forte, gritando, dançando, ritmando com palmas e mesas, improvisos entram e saem, a moringa e o cara da moringa a mil, ficam nisso mais de 1 hora, “We’re In The Summertime”, o lead guitar dá a metereologia para se mandarem, sob protestos dos 500 ex-apáticos, a moringa intacta. “Outrageous, Mungo Jerry, they indeed tore us apart”, agora é uma milady suada fazendo falso charme para o suor de dois cabeludos, ri para o south-boy, uns 30 caminho do tube.
Under-Lyme gritando por In The Summertime. Os Mungo se olham. Um senhor mal ajambrado, muito magro, cabelo ralo ruivo, mais alto que as 87 pessoas no palco, algo fala a uma delas e sai. Esse mesmo cara pega o microfone e avisa “Tomorrow we’ll have more Mungo Jerry’s In The Summertime”. Os “ajudantes taifeiros” pop batem recorde de pit-stop. Enquanto outros “ajudantes taifeiros”, mais parrudos, indicam para os 150 penetras baixarem. Obedecem mas desobedecem assim que uma força aérea entra na pista. A esquadrilha da fumaça liga motores, entra the commander-in-chief, o tal senhor mal ajambrado, gritavam The White, cigarro na boca, trazendo canhões-metralhadoras-anti-encheção-de-saco-baquetas. Um solo de entrada, Ginger Baker’s Air Force levanta vôo. Não é uma banda, mas uma big-band, 12 pilotos (Stevie Winwood e Chris Wood estão no esquadrão) mais 3 pilotas.
Vem o rock impossível livrar-se da inspiradora rota firme e segura do Cream e Blind Faith. Assim que a primeira rajada de som toca no tarol, pratos e boom-boom do bumbo marcando o ritmo, e até vencer, fácil, todas as batalhas vai continuar, soltando a força motriz, a dúzia massiva de bombardeiros ajudam, aumentando e gerando uma casa de força muito além do barulho, esses caras jamais vão se entender, escapa o pensamento do inocente south-boy. Porém, como ninguém é inocente, assim que atingem altura, rompendo tranquilos a barreira do som, mr Baker e sua Air Force alcançam o céu getting together do rock. Esse comentário é ridículo e tímido: então, a população cabeluda colorida, perto e longe, chega a trinchar lucidamente uma loucura. Uma tremenda loucura nos vários solos de bateria. Mas acontece música, equipamento melodioso recaptura o sentimento Moody Blues do ex-guitarrista em I Just Don’t Want To Go On Without You.
Aplausos da população, não soam mais alto porque as baquetas Baker comandam, não descansam. Com outro solo de bateria Million Dollar Bash incorpora um arranjo novo levando adiante essa festança de mr Dylan, o som de céu limpo que produz o órgão é pra ninguém duvidar que todo aquele, falsamente verdadeiro, esporro é rock do bom. As três bonitas e elegantes pilotas nos vocais são mesmo cantoras de apoio? afinadíssimas bem acima de simples backings. O comandante cospe a guimba, um teco-teco “ajudante-taifeiro” põe outro cigarro aceso em sua boca. Um piloto voa num sax tenor, junto no metal sax de outro, sai uma liga de acrobacias sonoras, You Look Like You Could Use Some Rest, bela ironia. Mr Baker cospe a guimba para rir. Fala o que seja para os dois, alucino que seja “rest?” De longe, parece furioso, opto por frenético. 2 horas e meia, vôo livre a viagem da Ginger Baker’s Air Force.
Sábado ensolarado escureceu, a floresta mandou frio firme. Rock medíocre no palco. Esqueci de perguntar à Mindy como se volta para teu reino à noite de alguma van-comida, nem com bússola. My sleeping-bag for a flashlight. Melhor por salsichas queimadas, prato do dia da noite pelas fogueiras ali perto. No meu reino só sobrara a lata de salsichões. Larica inimiga exigindo ser ouvida. ‘Tentar agarrar algum sono’ com fome nem sonhando. Fato comum: festival e um cara sozinho é um cara sozinho, no big deal, sem cristianismo hipócrita. Quer companhia é falar que não está a fim de ficar solitário, a negociação começa com essa moeda emocional, termina com tem que dar algo em troca.
Cheguei numa das fogueiras com menos salsichas, menos cabeludos, mais miladies, — No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent …* etc. soltei um John Donne re-remendado, duas miladies acharam groovy, exciting, pensaram ser da minha “larva”. Fome-larica maior que literatura metafísica séc 14, fiz cara poeta abandonado, apresentei meus salsichões. Entraram com o pão e mango chutney. Dividiu-se largers. Sobremesa um cigar-joint. O sleep pra perto da barraca das ‘nossas’ miladies. Mas morfeu no sereno. Meus salsichões por uma turma. Valeu, se existisse a gíria. Último dia?, sol claro esquentando? 7am, uns 20 mil insones trouxeram a discoteca pra frente do palco, das 10 em diante o cacetão soltava fumaça pela cabeça, os mamilos aguinha até secarem. Sobrevivência primeiro, dividindo breakfast com as duas futuras leitoras. Ronquei rock uns 3 grupos.
Acordei no exorcismo-amolação-imolação Black Sabbath. Nos primeiros acordes e gritos da sinfônica dark do esporro sem sentido, the man from the south despachou para a turma: — Tivesse mínima chance, mandava os quatro, primeiro, fuck themselves, then back to Birmingham, de onde não deveriam ter saído. Rock? sacrifício na velocidade da anomalia com anfetamina, é isso aí, tive meus 15 de fama, segundos, sucesso o deferimento. A turma dos salsichões-joints-joints-salsichões arremeteu a country promenade até breu por completo, mas eles sabiam voltar sem bússola.
Quase meio século, toma conta melhor da memória do coração proteger a suavidade de uma emoção. O humor gracioso daquele talento 4 anos mais moço que eu, soou mais ou menos, ‘Anyone would appreciate a barley corn’s swig? ‘cause we’re gonna try a fresh alembic one from a 14th folk song’. Os três voltavam para as raízes do seu som original, suave, para a proibida aguardente ancestral subversiva de cevada e milho bem mais forte, porém nunca teve um swing tão maravilhoso: e tome John Barleycorn.
A letra acompanha a subversão do aguardente. Winwood, órgão, Wood, sax alto, Capaldi, nova vida à bateria. Perto da turma salsichão não houve uma fogueira onde não produzissem rápidos abastados cigars-hash. O público aceita rejubilar-se. Extrema alegria unindo mais todos, Medicated Goo. Num momento lá, Winwood pega a lead, Wood vem com uma flauta doce, Crying to Be Heard. A multidão se entrega à voz de Winwood com Pearly Queen. Dançam e gritam por mais. 4o bis, Means To An End é aceito com riso de 50 mil bocas. Os 3 bem jovens traficantes apareceram depois das 10pm. Winwood, 19, Wood, quase 21, Capaldi quase velho, 23 — What a Traffic, man.
Co-protagonizado por um falo 15m e peitões 10m largos, o Hollywood Music Festival permite que fechar um festival não é pouca pica. Simplicidade? Óculos escuros, violão numa das mãos, de braços com um steward, passos firmes dos dois até um banco no meio do palco, ele agradece, o steward pergunta se precisa de mais alguma coisa, ele responde no mesmo microfone, ‘Yes, the music.’ Todo mundo se levanta, aplaude, grita, assobia com força. Único pop star mundial, Don Jose Feliciano, e de terno. Conta de novo que a polícia de imigracão não deixa seu cachorro entrar e canta No Dogs Allowed, sucesso mundial há 2 anos. Sua guitarra a frente, baixo, bateria e um som tão simples embalando todo mundo.
Cotton Fields dedica aos negros, aplaudem. Conversa com todos, diz — Meu violão é espanhol e eu canto rock, devo ser americano-porto-riquenho, riem. Manda I Started A Joke. Todos se levantam nos primeiros acordes de um dos hinos oficiais e cantam juntos Hey Jude. Já que todos de pé, incendeia com Light My Fire, no arranjo e interpretação definitivos. Lá pelo 5o bis, sem demagogia, levanta-se, tateia rápido o microfone, agradece — I can only sing what a feel, you make me feel very good. As palmas são ritmadas, enquanto, óculos escuros, violão numa das mãos, de braços com o steward, passos firmes dos dois, as palmas não param de ritmar.Deixei clarear andando pela borda da Lyme. A moringa do Mungo Jerry, praia com Grateful Dead, rock com blues e folk num Traffic sem congestionar a alma, e don Jose: perdi a virgindade legal. The miladies dos salsichões e seus lords of the pigs me deram carona na kombi até Stoke. Ofereceram ácido, cansado e feliz, o trem bastava para viajar. Contudo, unzinho viagem. 15 minutos depois das estações a gordona não falharia na larica.
É patente, nossas primeiras e mais espontâneas percepções são, frequentemente, as mais valiosas. Ficam andando pela memória do inconsciente esperando serem chamadas. Com sorte, nos escutam, se temos paciência elas dão a volta por cima do consciente e surgem para ajudar-nos a seguir vivos. Mr Orson Welles dizia isto. Coisa óbvia, é assim com todo mundo, ele termina seu pensamento. Estas linhas são a responsabilidade que vocês me rockeiam carinhosamente. Essa cultura nasceu igual a nós. É a única cultura que nasceu já morrendo, a mais curta, como nós somos. As músicas nunca esconderam isto. Todas as outras culturas aguentaram séculos. Essa se aguentou no quarto do final do século 20. Vencedores e vencidos da 2a Guerra, herdeiros dos alexandres, césares, gengis khan, napoleões reduziram o mundo ao medo. Quem ia substituir, como seriam os novos donos do mundo que presidiriam a humanidade? Todos compadres do mesmo vício da indiferença à aprovação, indiferentes ao amor, todos continuarão a nos reduzir ao pó. Estava vendo um novo mundo começar e já soava acabando. O valor das coisas não é medido, entendido, pelo que essas coisas custam, mas pelo custo que você paga para conseguir essas coisas.
Como teria sido o 1o rock tocado? Ah, a seriedade do primeiro rock primeiro para divertir. De quem a voz negra do violão? Como teria sido a primeira fogueira no mundo? Qual teria sido o primeiro som a designar a primeira coisa numa dessas primeiras fogueiras?
Aí que vem um treco estranho. A perspectiva é a amante do tempo. A existência real da geração. Os gregos dizem que aprendem como as palavras de seu tempo haviam mudado, vão mudando seu significado original. E como as ações e opiniões podem se alterar de uma hora para outra, em menos de um minuto. O Renascimento levou seus 400 e tantos anos, a “Cultura Pop” durou 20 anos, muito. Esta é a covardia da mídia ansiosa e dos imaginários coletivos preguiçosos ao supervalorizar para vender, e comprar, reduz a clichês baratos um belo barato, mas não era um clichê. Por incrível que parecesse, era uma atitude.
O sonho acabou, a interpretação dos sonhos é interminável. Na minha, vejo, sinto, um corpo inteiro de indivíduos nascidos e vivendo mais ou menos no mesmo tempo. Na biologia, uns 30 anos entre a espécie (des)humana. Na árvore genealógica da natureza um grau, só um degrau na descendência natural de todos os racionais, irracionais, flores, ervas e plantas. Hearts & minds, um bando cheio de bandas, gente da mesma idade, comprimento dos cabelos, cores das roupas, com ideias, problemas e atitudes semelhantes — mas arquétipos, deram conteúdo à sua forma; os esterótipos começam a ocupar o mercado meados dos 80.
A existência real e sonhada, a desta geração, criticada, aceita, imitada, endeusada, cooptada, comprada, existiu. Existimos. Com todo o direito que todas as épocas, não importa o tamanho, nem a qualidade, têm de ocupar seu espaço, nota, acorde, letra, verso, pauta, página ou pé de página da história. Essa foi minha perda de virgindade da consciência. O tabú, em todos os sentidos ou aparências, é desmistificado, surgem atitudes francas, desassombradas, arriscadas, sérias, levianas, cúmplices e desastrosas.
A gente gosta de rock porque é primitivo, arte primitiva. Toda arte é espelho. Rock não tem embromação. Lá no palco, no estúdio, os melhores não embromam. Mexe com a gente, é a batida, certo, mr Lennon? O rockeiro leva seu som, todo mundo entra. Malcolm X, em seu último discurso (dia seguinte levou mais de dez balas na rua), disse que inventando o rock os negros capacitaram os brancos classe média em diante a sentir prazer com seus corpos de novo e publicamente. Mexe com a gente. Mexeu comigo. Rock era real. A coisa do rock, o bom rock’n’roll, é real. Qualquer realismo nos desassossega, se queira ou não. Se vê autenticidade, igual toda arte verdadeira, o que queiram que seja arte, compadres. Por aí, se é autêntico, geralmente é simples. E se simples, verdadeiro, mais ou menos por aí. Nunca caberá agora: mas que saudades de você Linda Linda! Até Bath, que você não foi.
* Nenhum homem é uma ilha isolada, cheia de si mesmo; cada homem é um pedaço do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.
John Donne Meditações VII.
E o Luiz Duboc fez de novo! Que texto sensacional! Humilhante, mas sensacional!
Acredito que muita gente por aqui não percebeu ainda o privilégio que é poder ler em primeira mão as memórias do Luiz Duboc. Testemunha ocular e auricular de um pedacinho importante da história do rock. Só neste texto têm bandas que eu nem sei o que daria para poder assistir, uma que fosse, nesse ano mágico. E o Luiz trata todas elas sem esnobismo algum, dizendo exatamente o que pensava quando recebeu aquele primeiro impacto. E bota primeiro nisso. Nesse Festival de Hollywood, por exemplo, o Grateful Dead se apresentou pela primeira vez em solo inglês. Outra banda que estava estreando foi o Mungo Jerry. Ninguém jamais tinha ouvido falar. Talvez alguns conhecessem o Ray Dorset, pois ele estava na estrada desde 1957. Mas pouca gente que eu conheço daria ao Mungo Jerry a importância que ele merece. Diriam que era apenas uma jug-band, mas na verdade era uma blues jug-band, daquele mesmo movimento de blues branco que tinha Fleetwood Mac, Cream, Led Zeppelin, Savoy Brown… E fez muito mais sucesso do que a maioria das bandas que fatiaram esse bolo. Se a gente voltar 22 anos, em 1995, ano em que o Shaggy gravou seu cover de In The Summertime, esse single lançado na época do Festival de Hollywood já havia vendido mais de 23 milhões de cópias e participado de mais ou menos uma centena de compilações no mundo todo. O Mungo Jerry emplacou seus dois primeiros singles no topo da parada da Inglaterra e de vários países. Top 10 eles tiveram um monte e só não foram levados devidamente a sério como seus contemporâneos de movimento porque tinham um humor fantástico e cativante em cada uma de suas músicas. Era diversão demais para as tristezas do blues. Isso aí Duboc, Deus te abençoe meu caro.
Preciso me inteirar mais sobre a obra do Mungo Jerry, do qual conheço apenas “In the summertime”, um clássico absoluto dos anos 70. Esse Luiz Duboc é um privilegiado. O cara viu Family, Grateful Dead, Traffic, Ginger Baker’s Air Force, Colosseum, The Flying Burrito Brothers, Black Sabbath, Demon Fuzz… E ainda consegue lembrar de tudo isso… Deus abençoe essa memória!!!
Essas “reportagens” do Luiz Duboc são as melhores coisas que já pintaram por aqui! Queremos mais!!! Parabéns!
E isso porque, com certeza, o Luiz só se lembra de uns 10% do que viu e ouviu…rsrsrs
Já que o Luiz não vem aqui comentar os comentários, vale um esclarecimento: numa das matérias anteriores, o escriba cita um acordo com o Pasquim firmado antes dele viajar: ganharia 250 pratas por festival, concerto, evento; termos foram assinador e informações burocráticas e bancárias foram trocadas. Embora matéria alguma tenha sudo publicada no Pasquim, o Luiz cumpriu o acordo e manteve o costume de anotar em cadernos as informações dos eventos que presenciou. Esses cadernos, segundo consta, ele os mantém até hoje e é daí que tira essa fartura de informações. O cara é do ramo.
Essa matéria é uma puta falta de sacanagem…que privilégio ser sacaneado por ela.
Um primor.
Abraço,