Cinco Discos para Conhecer – Jon Hiseman
O veterano baterista Jon Hiseman ocupa hoje um estranho lugar no panteão do rock. Reverenciado por quem mergulha no rock dos anos 60 e 70, mas completamente esquecido por quem rememora menos que 1 dezena de nomes de bandas dessa época, ele, sem nenhuma dúvida, tem grande mérito no desenvolvimento da bateria no rock. Essa seleção de discos não quer apenas mostrar ao leitor uma obra majestosa no instrumento, mas também a ajudar a desvendar o quanto Jon Hiseman ajudou a posicionar a bateria em um momento de uma febre virtuosística generalizada do rock.
Junto com Ginger Baker, Mitch Mitchell, Keith Moon, Brian Davidson, John Bonham, Carl Palmer, Ian Paice, Bill Bruford e Ainsley Dunbar, foi um dos primeiros “drum-heros” da história do rock, bandleader e compositor, sempre envolvido com músicos de calibre tão alto quanto o seu próprio, em discos igualmente fantásticos. Vamos a eles.
John Mayall & Bluesbreakers – Bare Wires [1968]
O blues sempre foi um estilo de guitarristas. Quase todos os grandes nomes do blues são guitarristas. Uma porção menor de famosos no blues são pianistas. Alguns poucos gaitistas, e outros poucos vocalistas. Uma exceção é Willie Dixon, que era baixista, mas cuja fama maior era a de compositor. Bateristas não entram nesse rol, historicamente. A bateria é, e sempre foi, majoritariamente do jazz. E veja que tamanha petulância – dois bateristas britânicos, branquelas, fazendo uma música importada (podendo ser piamente acusados de forçação de barra), foram uns dos primeiros que começaram a despontar com este instrumento no blues. E disputavam pancada à pancada a ponta desse quinhão. O primeiro deles é o lendário Ginger Baker. E depois, nosso protagonista Jon Hiseman. E os dois passaram pela escola britânica da Graham Bond Organisation. Baker gravou dois discos com ele; Hiseman foi só estrada com o organista grandalhão. Hiseman, depois disso, tocou com outra instituição britânica – os Bluesbreakers de John Mayall (ironicamente, um vocalista branquela pretensamente pianista, gaitista e uma tentativa de guitarrista). Com eles, Hiseman gravou o último álbum de John Mayall sob a alcunha dos Bluesbreakers, Bare Wires, de 1968, numa formação digna de supergrupo. Quer entender mesmo sobre a importância de Hiseman para o desenvolvimento do estilo? Procure se lembrar de quantos discos de blues tem um solo de bateria e quantos tem algo tão bom quanto o que se ouve na suíte que ocupa todo o lado A “Bare Wires – Suite – Meddley“. Alternando blendas de folk e pitadas jazzistas, o disco é totalmente aberto para as possibilidades que viriam a ser exploradas extensivamente na década de 70. Outra curiosidade do disco – é o primeiro disco totalmente autoral de John Mayall.
Formação: John Mayall (vocal, gaita, teclados), Henry Lowther (violino), Mick Taylor (guitarra), Tony Reeves (baixo), Chris Mercer (saxofone), Dick Heckstall-Smith (saxofone), Jon Hiseman (bateria)
- Bare Wires – Suite – Medley
- I’m a Stranger
- No Reply
- Hartley Quits
- Killing Time
- She’s Too Young
- Sandy
- Picture on the Wall
- Jenny
Colosseum – Valentyne’s Suite [1969]
Um disco revolucionário de uma banda revolucionária. Primeiro lançamento do selo Vertigo, o Colosseum era um time de egressos da Graham Bond Organisation e dos Bluesbreakers, junto com os novatos Dave Greenslade (teclados) e James Litherland (guitarra). Jon Hiseman foi o fundador da banda e sua bateria tinha a inscrição “Jon Hiseman’s Colosseum”, tamanho prestígio que ele já desfrutava na época, exercendo naturalmente uma liderança no grupo. A banda foi essencialmente um grupo fusion, pelas suas aventuras portentosas nos territórios do blues, do jazz e do nascente rock pesado, dando espaço e protagonismo para o saxofone de Dick Heckstall-Smith e os teclados de Greenslade, e obviamente, com a bateria em primeiro plano. O lado B do disco contém a suíte que dá nome ao disco, “Valentyne Suite” uma faixa extremamente envolvente e complexa, que merece dignamente ser rotulada como progressiva e de pioneira nessa denominação para o rock. A capa foi feita por Markus Keef, o mesmo artista gráfico responsável pela famosa estreia do Black Sabbath.
Formação: James Litherland (vocal, guitarra), Dave Greenslade (teclados), Tony Reeves (baixo), Dick Heckstall-Smith (saxofone), Jon Hiseman (bateria)
- The Kettle
- Elegy
- Butty’s Blues
- The Machine Demands a Sacrifice
- Valentyne’s Suite
Jack Bruce – Things We Like [1970]
Aqui quem se destaca mais, obviamente, é o baixista Jack Bruce, que só falta fazer chover no disco. Toca baixo acústico e elétrico, as vezes na mesma música, numa frenética abordagem free jazz de seu segundo disco solo, totalmente instrumental. E ainda mais com John McLaughin’ na guitarra e Jon Hiseman na bateria, aí a parada fica pesada. Com amigos desse naipe, quem é que não quer gravar um disco solo? Hiseman não era do tipo que deixava por menos e mostra com quantos paus se faz uma canoa também em matéria de um jazz mais ortodoxo. “Statues” tem um musculoso exercício baterístico de Hiseman e “HCKHH Blues” é a faixa mais interessante do disco. E afinal, o que será Jack Bruce estava comendo na ocasião?
Formação: Jack Bruce (vocal, baixo), John McLaughin’ (guitarra), Dick Heckstall-Smith (saxofone), Jon Hiseman (bateria)
- Over the Cliff
- Statues
- Sam Enchanted Dick (Medley)
- Born to be Blue
- HCCHK Blues
- Ballad for Arthur
- Things We Like
Tempest – Living in Fear [1974]
Aqui a veia rocker de Jon Hiseman aparece com mais intensidade. Aqui ele mostra uma pegada violenta sem deixar de usar cada batida de forma inteligente. Um disco de hard rock bastante empolgante, com o prodigioso Ollie Halsall na guitarra, vocal e piano e Mark Clark (que também tinha passado pelo Colosseum), no baixo e vocal. Em “Funeral Empire” percebe-se como uma bateria bem arranjada pode levar um rock ordinário a um nível superior de poder de fogo. “Paperback Writer” paga tributo aos Beatles em 180 km/h, “Turn Around” é pancadaria gratuita e “Dance to my Tune” flerta com sintetizadores e tem uma pegada progressiva. Um disco que não deve ser preterido, de forma alguma, por quem gosta de rock n’ roll a moda dos 70’s.
Formação: Ollie Halsall (vocal, guitarra), Mark Clark (vocal, baixo), Jon Hiseman (bateria)
- Funeral Empire
- Paperback Writer
- Stargazer
- Dance to my Tune
- Living inf Fear
- Yeah Yeah Yeah
- Waiting for a Miracle
- Turn Around
Colosseum II – War Dance [1977]
Com a ascenção do punk e da disco music, em 1977 estava ficando cada vez mais incomum ouvir-se uma refinada e climática introdução instrumental como a de “War Dance“, faixa título do terceiro e último álbum do Colosseum II. E menos comum ainda ter um som tão empolgante com a bateria tão em destaque, com seu ritmo quebrado e compassos compostos. Novamente capitaneado por Jon Hiseman, esse combo foi formado após o desmonte do Tempest e só levou esse nome por questões mercadológicas, para tentar pegar carona na fama de outrora do Colosseum. Cabe ressaltar que o Colosseum era uma banda bastante cultuada no início dos anos 70, sendo headliner de diversos festivais na Europa (você pode consultar a Poeira Zine n° 64 com a matéria do nosso querido Marco Gaspari, para saber mais sobre o Colosseum). Essa empreitada de Hiseman foi quem deu luz para a projeção de grandes nomes das décadas seguinte – o guitarrista Gary Moore e o tecladista Don Airey. O Colosseum II nesse disco tenta tirar uma lasquinha das tendências da época, lambendo um pouquinho das batidas da disco mas com muito mais cerébro embutido e levadas funky aqui e acolá. Mas os destaques do disco ficam com o boogie certeiro de “Fighting Talk” e a brilhante “Last Exit“, com lindas intersecções entre bateria e guitarra.
Formação: Gary Moore (vocal, guitarra), John Moth (baixo), Don Airey (teclados), Jon Hiseman (bateria)
- War Dance
- Major Keys
- Put it that Way
- Castles
- Fighting Talk
- The Inquisition
- Star Maiden/Mysterioso/Quasar
- Last Exit
Simplesmente excelente! Parabéns pela ótima matéria! Seleção sensacional! Que mais posso dizer? Ah, Valentyne Suite é uma obra prima!
Bah, que pelo resgate. O Hiseman realmente é pouco reconhecido pelos ouvintes. Esses discos citados, com exceção do Tempest, que acho bem meia boca, são todos de alto calibre. Falar vem do Valentyne Suite é chover no molhado, mas quero destacar a qualidade refinada do álbum do Bruce. O que esse time faz em Things We Like é para ouvidos que estão prontos para um choque de talento e criatividade.
Ler esse texto através da escriba sempre precisa do meu amigo Ronaldo é uma das grandes alegrias desse fim de semana. Obrigado meu caro
São textos como esse que me fazem voltar à Consultoria do Rock. Jon Hiseman é, de fato, uma fera das baquetas que ficou esquecida nos meandros dos anos 70. Conhecia o seu trabalho nos grupos Colosseum e Tempest, mas fiquei curioso em relação a esse álbum com Jack Bruce e John McLaughlin. Vou procurar! Sobre o Tempest, gosto da formação com Ollie Halsall (ex-guitarrista de uma excelente banda muito subestimada: Patto!), mas prefiro a do primeiro disco, com Allan Holdsworth, na guitarra e violino. Sobre o Colosseum: os quatro primeiros discos são um portento. “The time machine”, do Lp “Daughter of time”, é o momento em que Hiseman mostra o que sabe fazer com seu instrumento de trabalho. “Time lament”, com os vocais de Chris Farlowe, é e sempre será uma de minhas favoritas. Parabéns ao escriba!!!!
Esqueci de citar uma breve colaboração de Jon Hiseman com a Keef Hartley Band. O medley “Theme song/En route/Theme song – reprise” é bastante recomendável.
Bela lembrança da banda Patto! Possuo os dois primeiros discos e os acho excelentes.
Creio que a banda de Mike Patto, Ollie Halsall, Clive Griffiths e “Admiral” John Halsey só não atingiu o sucesso pleno, porque a concorrência na época era feroz. Mas a banda deixou algumas pérolas: “Hold me back”, “The man”, “You, you point your finger” e “San Antone” são algumas de que gosto muito.
Olá Francisco e demais, obrigado pelos comentários!
Keef Hartley Band merece um texto aqui na CR e está no meu radar!
Gosto da Keef Hartley Band. Principalmente na fase em que Miller Anderson era o guitarrista.
Volta triunfal do Comodoro Zé Leo, que deu uma pausa em seus passeios de iate pelo Guaíra para nos brindar com o excelente texto acima. No meus caso, seus 5 discos para conhecer mesmo! Porque, embora, claro conheça os discos do Colosseum e do Colosseum II, nunca tinha dado bola pro baterista.
Valeu, Zé! Sempre que aportar, apareça por aqui.
Vixi, o texto é do Ronaldo. Por que diabos pensei que era do Zé? Transfiro os elogios automaticamente para o verdadeiro autor. Parabéns, Ronaldo.
Manda um cabograma aí, Zé.
Quando Ginger Baker foi formar o Cream, a Organisation de Graham Bond ficou muito capenga (Jack Bruce havia saído também). Quem poderia assumir o cargo de chef substituto dessa cozinha fantástica? Fácil: Jon Hiseman. Não conheço nada ruim gravado por esse senhor. E gosto tanto que foi meu primeiro texto publicado aqui na CR. Os que vão morrer te saúdam, Ronaldo.