Kansas – Two for the Show [1978]

Kansas – Two for the Show [1978]

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Por Mairon Machado

Discos ao vivo nem sempre são bem vistos pela maioria dos críticos. Hoje em dia, se tornou um objeto ainda mais desprezível para os mesmos, já que o atual mercado musical praticamente faz com que os músicos tenham que ganhar seu pão muito mais com shows do que com álbuns originais, vide, por exemplo, Metallica e Guns N’ Roses, que não lançam nada novo há algum tempo, mas estão sempre fazendo shows. Isso acaba culminando no fato de, com a alta tecnologia que temos, é muito fácil gravar um DVD e um CD ao vivo, lançar no mercado e inflacionar a estante do colecionador com uma dezena de discos contendo praticamente o mesmo set list.

Porém, na década de 70, lançar um disco ao vivo era o sonho de cada banda ao redor do mundo, ainda mais se o mesmo fosse duplo. Diversos são os lançamentos marcantes nesse formato, como … at Fillmore East (The Allman Brothers Band), Made in Japan (Deep Purple), Live Dates (Wishbone Ash), Live Album (Grand Funk), Paris (Supertramp) e Live Killers (Queen), isso só para citar alguns. Esses discos são marcos não só por apresentações fantásticas dos grupos que os lançaram, mas também por que representavam uma coletânea de sucessos que condensavam a carreira da banda em apenas um único álbum, com o diferencial de o fã levar para a vitrola uma versão diferente da de estúdio, mostrando as qualidades de seu artista preferido on the act.

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No sentido horário: Phil Ehart, Rich Williams, Robby Steinhardt, Dave Hope, Kerry Livgren e Steve Walsh

Uma banda que soube usar muito bem desse formato foi o Kansas. Seu primeiro disco ao vivo, Two for the Show, registrou o ápice da carreira da banda, quando excursionando pela América do Norte e Europa para promover o aclamado álbum Point of Know Return, lançado um ano antes, e que marcou época na biografia da banda não somente por conter o super-hino “Dust in the Wind”, mas por causar uma forte guinada no som dos americanos.

Tendo na formação Steve Walsh (vocais, teclados), Robby Steinhardt (vocais, violinos), Kerry Livgren (vocais, guitarras, teclados), Rich Williams (guitarras), Dave Hope (baixo) e Phil Ehart (bateria), o Kansas nasceu como uma das grandes bandas do rock progressivo americano, trazendo influências do country e do blues para o estilo que fizeram do grupo especial para os admiradores do estilo, assim como o foram a primeira formação do Styx, por exemplo. Em 1977, na época do lançamento de Point of Know Return, o sexteto já contava com quatro álbuns em sua discografia, sendo que exatamente o quarto disco, Leftoverture (1976), havia propiciado o sucesso “Carry on My Wayward Son”, com um estilo bastante diferente do rock progressivo que o grupo havia criado, próximo do comercial que os novos americanos do final da década de 70 estavam começando a consumir, e que iria se tornar um grande estouro na década de 80. Ao mesmo tempo, Leftoverture conta com a maior das Maravilhas prog lançadas pelo Kansas, a épica “Magnum Opus”, uma obra-prima de como fazer música intrincada para Steve Howe nenhum colocar defeito.

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Fotos do encarte do LP

Porém, o sucesso de “Carry on My Wayward Son” guinou o grupo para um lado mais comercial, culminando no lançamento de Point of Know Return, um álbum que separou de vez a banda do lado progressivo, despedindo-se desse estilo com duas belas composições apropriadas para tal (as exímias “Hopelessly Human” e “Closet Chronicles”) e ficando os dois pés com força na criação de um novo gênero, hoje conhecido como AOR. Canções como a faixa-título e a já citada “Dust in the Wind” estouraram nas rádios americanas, e então, o grupo saiu para divulgar o álbum com arenas lotadas, fazendo a maior de todas as suas turnês até então, e acabou sendo registrada em Two for the Show.

O álbum abre com “Song for America”, faixa homônima do disco de 1975, com a sua longa introdução que destaca os teclados de Walsh, o qual também exibe-se no moog Genesiano durante o solo central de uma canção muito bem trabalhada, a qual já mostra pequenas pinceladas da genial obra de arte que os americanos construíram. Passamos por mais uma faixa-título, agora a do álbum que estava sendo divulgado na turnê, e que é uma canção bem mais acessível em sua integralidade, com um refrão marcante e o violino de Steinhardt em destaque junto aos vocals de Walsh, que fizeram dessa uma das canções mais conhecidas da banda, e que assim como no álbum de estúdio, vem emendada com “Paradox”, onde a introdução pesada e intrincadíssima com o riff quebrado de violino e guitarra trazem a receita principal das obras do Kansas, que é a velocidade e a perfeição de dois ou mais instrumentos tocando as mesmas notas ao mesmo tempo, gerando uma pequena sinfonia. O ritmo de “Paradox” é comandado pelo violino e pela bateria, e os vocais são divididos entre Walsh e Steinhardt, e quando menos esperamos, o lado A já está no seu final, com a épica “Icarus (Borne on Wings of Steel)”, de Masque (1975), excelente disco onde quando conseguiram casar o progressivo e o pop com incrível destreza e habilidade, e essa fantástica faixa comprova todas essas qualidades, seja na introdução com os teclados sob o tema do violino, seguida pelo momento onde guitarra, teclados e violinos fazem cada um um tema diferenciado, que se unem para construir uma peça central, seja no andamento grudento e com refrão forte entoado por Walsh, além de mostrar também as habilidades de Livgren e Williams nas guitarras.

O lado B abre com o andamento arrastado dos teclados de “Portrait (He Know)”, terceira faixa de Point of Know Return, destilando peso nas guitarras, passa pelo superclássico já citado anteriormente, “Carry on My Wayward Son”, responsável por apresentar o Kansas para muita gente aqui no Brasil, e fecha com a linda “Journey from Mariabronn”, pérola negra do álbum de estreia, com a intrincação geral na introdução, destacando a performance exímia de Ehart, um dos bateristas mais injustiçados que conheço, pois o cara é um animal, sabendo dosar velocidade e peso como poucos, além dos solos arrepiantes de violino, teclados e guitarras. Essa canção também apresenta uma tímida mas relevante presença do xilofone durante o trecho dos solos, mais um diferencial do Kansas. Aliás, poucas bandas nessa época faziam algo tão bem trabalhado e interessante como os americanos, e perto de outras que são associadas ao grupo, como Boston e Journey, estava disparadamente muito acima.

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Kansas ao vivo

O segundo disco começa romântico, trazendo a hiper-mega-ultra-clássica “Dust in the Wind”. Se para muitos ela é a responsável por torcer o nariz, na verdade eu a julgo uma canção certeira para aquecer os corações, com uma letra igualmente bela, além do solo de violino ser marcante para as gerações que o escutam. Mostre para sua mãe, ou até para sua vó, que certamente ela irá se lembrar dessa canção, a qual em Two for the Show, é acompanhada por um solo de violão clássico executado por Rich, e um magistral solo ao piano por Walsh, que nos conduz para mais uma faixa romântica, “Lonely Wind”, destacando a voz de Steinhardt. A sacarose acaba, e o grupo despeja potência e velocidade na incrível “Mysteries and Mayhem”, pancadaria generalizada de Masque, com os vocais alternados entre Steinhardt e Walsh, Ehart destruindo na bateria e um show de distorções nas guitarras, agrupada com o breve medley de trechos da suíte “Lamplight Symphony”, uma das canções mais fantásticas do Kansas, registrada em Song for America,  e encerrando o lado C com “The Wall”, para muitos a melhor música do Kansas, o que julgo ser um certo exagero, mas que até entendo, principalmente por que a introdução dessa canção de Leftoverture, e a interpretação de Walsh, são mais que especiais.

O lado D encerra com chave de ouro esse magistral álbum ao vivo. Duas pancadas progressivas para nenhum fã dos gigantes britânicos encontrar defeitos. “Closet Chronicles” surge imponente com o Hammond de Livgren apresentando a melhor canção de Point of Know Return, com uma perfeita alternância nos vocais, um magistral solo de moog e violino conduzido pelos vibrantes xilofones de Walsh, e claro, muita intrincação, que preparam os ouvidos para os desconcertantes doze minutos da Maravilha Prog “Magnum Opus”. Alguns julgam que essa é uma faixa pomposa, muito acima da capacidade musical do sexteto, mas na verdade, ela é a obra que mais atesta como os americanos eram acima da média em seus instrumentos. Tentar descrever o que se passa nessa canção foi uma das tarefas mais árduas de quando eu escrevia o Maravilhas do Mundo Prog, e deixo apenas a dica para que toda a incredulidade ouvida na faixa de estúdio registrada em Leftoverture, se torna mais assustadora ao percebermos que o sexteto simplesmente reproduz fielmente tudo aquilo que seu ouvido captou na versão em estúdio, só que ao vivo, ainda mais com a arrepiante introdução feita por Steinhardt no violino!!! Uma das faixas mais fantásticas que já ouvi, e que me levou a conhecer essa grandiosa banda, a qual, se você não conhece, recomendo começar por Two for the Show, uma quase completa coletânea ao vivo do Kansas.

Digo quase por que após entrar no mundo da banda, você posteriormente irá atrás dos álbuns que foram responsáveis pelos americanos chegarem nessa turnê, e então se vislumbrar com Maravilhas como “Death of Mother Nature Suite”, “Aperçu”, “Incomudro – Hymn To The Atman”, “The Pinnacle”, “Cheyenne Anthem”, etc …

O álbum foi relançado em 2008 no formato CD duplo, trazendo mais dez canções e um livreto caprichado com 24 páginas. Porém, nem todas as canções foram registradas na turnê de Point of Know Return, mas mesmo assim, é uma boa pedida para complementar a coleção. Mas se quiser ficar apenas com filé, busque o vinil de Two for the Show que não irá se arrepender.

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Contra-capa do vinil

Track list

  1. Song for America
  2. Point of Know Return
  3. Paradox
  4. Icarus – Borne on Wings of Steel
  5. Portrait (He Knew)
  6. Carry On My Wayward Son
  7. Journey from Mariabronn
  8. Dust in the Wind
  9. Lonely Wind
  10. Mysteries and Mayhem
  11. The Wall
  12. Closet Chronicles
  13. Magnum Opus

12 comentários sobre “Kansas – Two for the Show [1978]

  1. Dizer que o Kansas é uma banda formidável é redundante entre aqueles que devem ter lido essa publicação. Pelas impressões que tive de suas gravações ao vivo, também já era um grupo extremamente azeitado, calejado por muito palco e que traduzia muito bem para as plateias o que eram seus álbuns. Já vi registros ruins do grupo, mas isso se devia muito mais aos vícios de Steve Walsh, que prejudicavam sua performance, do que à banda como coletivo.

    Mairon, eu tenho que discordar quanto ao lado “romântico” do disco, por ti mencionado. “Dust in the Wind” é uma música muito mais reflexiva do que qualquer outra coisa, sobre a fragilidade da vida e avessa ao apego às coisas materiais. Já “Lonely Wind” me soa mais uma canção de inspiração gospel mesmo, apesar de ser uma obra de Steve Walsh, não de Kerry Livgren, desde o início da carreira mais ligado ao lado espiritual.

    1. Você tem razão quanto as letras, Diogo, mas seja honesto, quanta guriazinha se derrete toda ao ouvir “Dust in the Wind”, sem nem saber o que a letra diz??

      1. Isso é verdade. Coisa bem normal é associarmos determinadas músicas a determinados sentimentos que não têm relação alguma com aquilo que a canção aborda. “Wish You Were Here” é um dos maiores exemplos disso.

        1. Bah, Pink Floyd tem várias consideradas “românticas”, mas que disso não tem nada. “Comfortably Numb”, “On the Turning Away”, “Mother” e por aí vai.

  2. Parabéns pelo ótimo texto, fazendo justiça a um grande disco, hoje meio esquecido. Também adoro a capa, com as velhinhas da limpeza admiradas com o programa do concerto, inspirada em pintura de Norman Rockwell para a capa do Saturday Evening Post nos anos 40. Aliás esse é mais um exemplo de como perdemos com o fim das capas do vinil. As fotos do encarte do álbum são muito boas, e por incrível que pareça o vinil saiu com tudo isso na época – lembro de minha namorada babando para as fotos do Steve Walsh… Também me impressionou a história de um adolescente da minha idade que ficou cego em um acidente ao sair de um concerto do Kansas, contada na contracapa. Um grande disco em todos os sentidos. Vou lá pegar na estante pra ouvir agora!!

    1. Pois é Luiz H. Obrigado por lembrar da coluna, mas é que o tempo para pesquisa está conturbado nos últimos meses. Quem sabe volta em 2017 …

  3. Em minha humilde opinião o Kansas é uma banda formidável e entre todos os seus discos eu destaco duas obras de arte que são elas Journey from Mariabronn e Magnum Opus.

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