Cinco Discos Para Conhecer: Zamrock
Por André Kaminski
O que é mais um desses rótulos musicais que volta e meia surgem na internet? Zamrock? Sim, e de certa forma merece sim um nome a parte. O zamrock nada mais é do que o rock setentista do Zâmbia, um país sem saída para o mar lá no sul da África subsaariana. Do começo dos anos 70 até ali por 76, houve um crescimento espantoso de bandas e grupos de rock ácido-psicodélico influenciados principalmente por Jimi Hendrix, Black Sabbath, Cream, Procol Harum e The Moody Blues neste país. Apesar desse crescimento, infelizmente poucas bandas de fato deixaram discos gravados devido as próprias dificuldades do Zâmbia ser um país pobre e ter recém adquirido sua independência do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Mas se a quantidade não ajuda, a qualidade compensa. E muito.
Todas essas bandas já encerraram suas atividades. O que é triste constatar é que devido a pobreza e dura vida do país, muitos integrantes dessas bandas já faleceram há algum tempo, tendo todas elas um ou dois integrantes vivos para contar a história.
Gostaria de contar um resumo daquilo que ouvi de melhor desse gênero. As informações sobre a cena local deles são bem escassas, mas o que compensa é a diversão e a sonoridade que esses discos apresentam escondidos em suas faixas. Eu sempre gostei muito de procurar bandas e cenas de rock desses lugares pouquíssimo conhecidos do nosso planeta e venho aqui apresentar minha sugestões sobre o rock feito no Zâmbia. Acompanhe-nos!
Chrissy Zebby Tembo & Ngozi Family – My Ancestors [1974]
Chrissy Tembo é o baterista e vocalista da banda Ngozi Family que o acompanha nesse trabalho solo. Apesar de ser um trabalho baseado principalmente naquele rock garageiro, as guitarras também soam muito parecidas com o heavy metal setentista do Sabbath. Destaco as faixas “Trouble Maker” que se encaixaria facilmente no primeiro disco dos pioneiros metálicos britânicos de Birmigham, “Fisherman” e uma notável influência de música regional africana principalmente na percussão e na guitarra base. Muitos consideram este o melhor disco do gênero. Concordo plenamente devido as ótimas composições e um esmero instrumental que você sente na pele os caras curtindo aquilo que tocam. Dê um jeito agora mesmo de ouvir este legítimo diamante africano que você não vai se arrepender.
Lineup: Chrissy Zebby Tembo (vocais, bateria), Paul Ngozi (guitarra) e Tommy Mwale (baixo)
- My Ancestors
- Trouble Maker
- Lonely Night
- Coffin Maker
- Oh Yeh Yeh
- Fisherman
- I’ve Been Losing
- Feeling Good
- Gone Forever
Amanaz – Africa [1975]
Esse é o disco mais conhecido do zamrock fora da África. O Amanaz é mais uma banda do acid rock com muita influência de Hendrix e do Cream em sua sonoridade. Com a guitarra fuzz ardendo sem dó. o Amanaz solta essa pérola do rock africano sendo também o único disco lançado pela banda. Sem teclados e tendo maracas e pandeiro para dar aquele toque local delicioso que todos procuram, as faixas se destacam, sobretudo a instrumental “Amanaz”, “Sunday Morning” e seus belos dedilhados de guitarra de Isaac Mpofu e “Green Apple”, daquele típico rock classudo sessentista. É um disco que demonstra que talento e bom gosto musical existe em todas as partes do mundo.
Lineup: Keith Kabwe (vocais, maracas e pandeiro), Isaac Mpofu (guitarra, vocais), John Kanyepa (guitarra, vocais), Jerry Mausala (baixo, vocais) e Watson Lungu (bateria, vocais)
- Amanaz
- I Am Very Far
- Sunday Morning
- Khala My Friend
- History of Man
- Nsunka Lwedo
- Africa
- Green Apple
- Making the Scene
- Easy Street
- Big Enough
- Kale
The Blackfoot – The Foot Steps [1975]
Funkeado, psicodélico e com uma guitarra cheia de efeito fuzz, o The Blackfoot nos brinda com um disco magnífico que é este The Foot Steps. Com os vocais liderados pelo também guitarrista tanzaniano Ottman Mpondzi que algumas vezes os divide com o baixista Garry Musopa, temos aqui um disco muito original e de ótimas linhas melódicas. Embora a produção não seja lá grande coisa (mais do que esperado), as canções cativam pela espontaneidade de faixas psicodélicas como “The Foot Steps” e “When I Needed You” e nos brinda com aquele delicioso swing africano em canções como “Washinga Here” e “Mwe Bafyashi”, esta última cantada em um idioma local bantu. O teclado dá aquela aura característica dos anos 70. Tirando o fato que as vozes do guitarrista e baixista não se harmonizam bem (a exemplo em “Pumpa Joe” e seus lalalalas), as músicas ainda soam cativantes. Pelo que andei pesquisando, Alfred Yabe é o único integrante ainda vivo da banda e recentemente lançou este álbum em cd.
Lineup: Ottman Mpondzi (vocais, guitarra), Alfred Yabe (guitarra), Garry Musopa (baixo, vocais) e Fortune Makunike (bateria)
- The Foot Steps
- When I Needed You
- Send Me the Flowers
- Washinga Here?
- Mwe Bafyashi
- Jefferson
- Pumpa Joe
- Lonely Highway
- Sounds in My Sleep
- Kanyamawodi
Witch – Introduction [1975]
Também conhecida como “We Intend to Cause Havoc”, o Witch com sua discografia mais longa nos apresenta um primeiro disco ainda mais simples, mas tocado com aquela garra de banda iniciante tentando se estabelecer na cena. As melodias são sempre de poucas e intensas notas, típico de várias bandas do rock sessentista. A instrumental “Home Town” lembra muito os primeiros discos do Sabbath com dois pequenos solos pesados de guitarra que faria Tony Iommi arrepiar o bigode. “Like a Chicken” já tem teclado psicodélico bem característico do zamrock. A banda é uma das poucas com uma discografia mais longa (e todos os seus discos difíceis de se achar) e sobreviveu até a metade dos anos 80 quando o estilo já havia definhado no Zâmbia. Minha admiração a estes africanos por terem continuado até onde dava.
Lineup: Chris Mbewe (vocais, guitarra e violão), John Muma (guitarra, vocais), Gedeon Mulenga (baixo), Boidi Sinkala (bateria) e Emanyeo Chanda (vocais, maracas e cowbells)
- Introduction
- Home Town
- You Better Now
- Feeling High
- Like a Chicken
- See Your Mama
- That’s What I Want
- Try Me
- No Time
Salty Dog – Salty Dog [1976]
O Salty Dog, que também entra em cheio no ácido psicodélico, é uma das poucas que também se enveredou pelo hard rock, fazendo um disco que lembra aquele pessoal do porte do U.F.O. e do Uriah Heep. Porém, sua principal influência é o Procol Harum, o que fica claro pelo nome de batismo da banda. Usando o efeito fuzz em vários momentos (um pouco exagerado por sinal), a banda ainda cria boas composições que são dignas de serem citadas nesta matéria. Minhas preferidas deste álbum são a lindamente folk “Try a Little Harder”, e a ácida “Sunday Morning Sunshine”.
Lineup: Jackie Mumba (vocais, guitarras), Norman Muntemba (baixo, vocais) e Alex Mwilwa (bateria)
- Fast
- Mama
- See The Storm
- Down In My Shoes
- Try A Little Harder
- Tisauke
- Sunshine In My Hair
- Have You Got It
- Doggy Rock
- Lullaby
Já tinha ouvido o Salty Dog, mas os outros, nem em sonhos. De onde você buscou tanta preciosidade, André? Parabéns
Graças a internet, comecei a buscar discos em países e regiões bem esquecidas do nosso cenário musical. Descobri o zamrock esses tempos e quis compartilhar esse achado com vocês.
Mairon, alguns discos citados aqui tem no youtube. Confere os sons por lá!
Vou dar um confere nas férias
Que resgate!!! parabéns, Kaminski!
Esse resgate é merecido, Ronaldo!
Excelente matéria.
Valeu Ulisses!
Vou ouvir um por um, mas não resisto: matéria simplesmente maravilhosa. Parabéns, André!
Obrigado pela consideração, Marcolino! Ouva-os que são bem o teu estilo!
Matéria excelente, nas minhas recentes garimpadas internet a fora também acabei parando na Zambia e descobrindo sobre o rótulo. Conferi uma outra banda e gostei do que ouvi, vale muito a pena correr atrás e conferir o que os caras estavam aprontando naquela época e naquelas circunstancias. Fica a inspiração pra continuar descobrindo coisa boa. Muito boa matéria!
Aproveitando a ocasião fica a provocação de ver a consultoria escrevendo algo sobre o ilustre Fela Kuti e seu afrobeat. Mesmo “não sendo” rock.
Fala xará, que ótimo texto e dicas para começar a curtir o Zam Rock! Conheci este estilo já na internet por volta de 2011/12 e me apaixonei por conta do envolvimento político (a história do Zam Rock se confunde com a própria história do país, que se tornou independente apenas em 1964) e quão surpreendente é ver uma cena roqueira nos anos 70 em um país tão ‘fora do eixo’ assim.
Tanto que lá por 2013 comecei a escrever sobre discos de lá no meu blog (Pérolas do Rock’n’Roll), um dos primeiros em português sobre o assunto, e ainda hoje estou conhecendo relíquias daquele país, além de alguns discos na lista de desejos há tempos para serem postados. Na minha lista trocaria os do Blackfoot e Salty Dog (apesar de ótimos) por “The Wings Of Africa”, do Musi-O-Tunya (que pra mim contém a melhor música já feita no Zam Rock: “Dark Sunrise”) e “Black Power” do The Peace.
Forte abraço!
Olá André!
Infelizmente o zamrock foi um período que passou rápido e deixou poucos registros, ainda mais que são difíceis de se acharem pela internet, mas ainda assim, foi um movimento que muito me interessou da forma que surgiu em um país tão remoto como Zâmbia.
Eu nem de longe conheço muita coisa sobre o movimento que é até bem recente para mim, então, suas sugestões de discos são muito bem vindas e verei se consigo encontrar algo. Agradeço a postagem e bem vindo ao site!
Cara, to ouvindo uma banda americana que tem MUITA INFLUÊNCIA de Zam Rock. Em breve farei resenha, mas inclusive, uma das influências está nesse texto do André!!! Que massa!