War Room: Radiohead – A Moon Shaped Pool [2016]
Por Alisson Caetano [AC].
Participação de Bernardo Brum [BB] e Christiano Almeida [CA].
Dentre lançamentos aguardados pela crítica por consumidores ávidos, certamente o nono disco oficial de estúdio do Radiohead era o mais comentado e aguardado por todos. Mantendo certo mistério a respeito de seu direcionamento musical, Thom Yorke e cia. foram alimentando seus fãs com pistas e frames de seus videoclipes, apenas para atiçar ainda mais a curiosidade dos fãs.
Estes, por outro lado, se dividiam num misto de empolgação e desconfiança, já que The King of Limbs, o disco anterior, não foi completamente compreendido e passou muito longe de receber as costumeiras aclamações críticas que vêm recebendo desde 1997, data de lançamento de sua obra máxima, Ok Computer.
Para saber quais são as impressões gerais quanto a The Moon Shaped Pool, recrutei outros dois entusiastas na obra dos ingleses para que cada um exprimisse suas opiniões simultaneamente à execução do trabalho. Para saber se o resultado final foi positivo, negativo ou neutro, acompanhe os comentários abaixo.
1. Burn the Witch
CA: Essa eu conheci quando saiu o clip. Gostei muito.
Confesso que quando saiu o clipe, me enchi de esperanças que aquela fase conturbada do King of Limbs tivesse passado.
CA: Aliás, é um belo vídeo.
BB: Essa já era figurinha carimbada, né? A composição é de 2000.
AC: Aí eu não sei, gosto da discografia toda deles, mas nunca fui atrás de detalhes mais aprofundados.
BB: Como é bom ouvir esses caras de volta, hein? Thom Yorke e seus agudos impressionantes, Johnny Greenwood é o “guitar hero” que o mundo não reconheceu…
AC: Bom demais. E a interpretação vocal do Yorke aqui é ótima.
CA: Até agora, por conta dessa sobreposição de vários instrumentos, formando uma bela massa sonora, acho que não tem muito a ver com o “King of Limbs”.
2. Daydreaming
CA: Parece que fizeram um disco bem mais “melódico” que os últimos.
o começo dessa música me lembra “Time”, não sei nem por que.
CA: Lembrei do “The Man Who”, do Travis.
AC: Sim, alias, essa acerta em cheio em uma faixa melancólica e com melodias pra agradar geral.
BB: Radiohead é o pai dessa galera toda, né?
CA: LIndo vocal. Com certeza, é o pai. David Sylvian mandou lembranças… rsrsrs
AC: Aliás, é muito interessante como a banda sempre pensa em nuances, e não em estruturas musicais. Isso dá uma liberdade de criação muito própria para a banda.
CA: Gente, isso é muito bom.
BB: As harmonias de teclado são de uma beleza ímpar… As texturas deixam com um fator “replay” enorme. Como se cada vez que você escuta você descobrisse alguma coisa nova.
AC: Já tinha um bom tempo que não ouvia esse disco. Lembro que gostei, mas não tinha registrado na memória muitas impressões.
BB: Engraçado como eles tem esse objetivo de surpreender né? Ninguém esperava um disco desses depois de In Rainbows e King of Limbs…
CA: Bem experimental e com melodias lindas. Coisa rara. Eu não esperava.
3. Decks Dark
BB: Só detalhe: o clipe é do Paul Thomas Anderson, pra quem o Greenwood já fez a trilha de vários filmes.
CA: Acho que já posso dizer que esse disco retoma o OK Computer?
AC: Não seria um absurdo dizer isso não
CA: Belo trabalho de guitarra. Muito bem encaixada.
AC: Os corais bem sutis ao fundo ajudam a criar essa coisa orquestral de maneira ótima.
BB: Retoma a atmosfera do OK Computer ao invés de radicalizar aspectos do OK Computer, como era o caso de Kid A e Amnesiac.
CA: Mudaram o timbre de bateria. Agora está mais orgânico. Os caras foram muito cuidadosos. Thom Yorke mostrando que é gênio.
BB: Na verdade o que temos aqui é uma orquestra de música popular contemporânea, né? O jeito deles de casar do erudito à música pop que deve ser o “progressivo” de hoje em dia.
AC: Você nota quando o guitarrista é bom quando ele sabe exatamente como ser sutil, mas ainda assim se fazer notar com notas milimetricamente posicionadas.
4. Desert Island Disk
CA: Eu já ia fazer essa referência ao progressivo. Mas preferi citar Krautrock.
BB: Sim, o Greenwood mostra nessa faixa como ele não é sobre velocidade, mas na criação, execução, experimentação.
AC: Essa faixa é engraçada, pois ela é majoritariamente eletrônica, mas ela tem um clima folk orgânico enorme.
CA: Viloãozinho meio Folk. Minha tese do Krautrock não é absurda.
violãozinho…
BB: Sim, um ambiente acústico que de algum jeito casa com o eletrônico. Acho que na mão desses caras qualquer música é música.
AC: Não exagera kkk
CA: Eu não gosto dos últimos discos deles. Mas esse…
AC: Tenho minhas ressalvas quanto ao Pablo Honey. Não fosse ele, aí sim eu concordaria.
CA: Achei o In Rainbows chato de doer.
5. Ful Stop
CA: Até agora, essa foi a mais simples.
BB: Queria ver os discos do Thom Yorke… deve ter de Delta Blues a avant-garde eletrônico hahaha. De Robert Johnson a Madlib.
AC: Ele deve ouvir de tudo, a gama de referências para as montagens da banda é enorme. Claro que Aphex Twin e Autechre comem solto, mas isso tem muita propriedade.
CA: Ele deve adorar Hawkwind.
BB: Essa Ful Stop lembra aqueles momentos entre a esquisitice, a melancolia e a pancadaria que a gente encontrava em “Paranoid Android”. Me lembrou, pelo menos.
AC: Aliás, essa faixa lembra muito os momentos ambient do Brian Eno, principalmente o Ambient 2.
CA: O disco começou a ficar pirado demais.
AC: Aí que eu gosto, quando pira o cabeção
CA: Agora entrou uma batera linda demais. Mudou tudo. Comecei a gostar.
BB: o irmão do Johnny, o Colin Greenwood, injetou o ar da graça dele aqui: baixo, sintetizadores, teclados…
AC: E aos poucos a música começa a tomar ares mais caóticos.
BB: O John Paul Jones do Radiohead, hahaha.
CA: Sim, sim. Esse baixo ficou muito legal. Esse guitarrista fez escola. Muita gente tem essas ideias como referência.
BB: Ele conta a história que ouviam muito The Fall, Magazine e Joy Division na escola e eram ignorados pela maioria headbanger que preferia Iron Maiden hahaha. Dá pra ver a influência post-punk comendo solta aqui também.
6. Glass Eyes
CA: Posso dizer que esse disco privilegiou os teclados?
AC: Esse começo é muito maluco, parece que as notas foram tocadas embaixo d’água. São sons muito agradáveis de se ouvir,
CA: Muito bonito isso aqui. Isso é muito David Sylvian.
BB: O Will Hermes da Rolling Stone deu uma definição boa: é uma beleza esquisita. Bonito, mas incerto, assustador, meio onírico, meio pesadelo…
CA: Boa definição.
AC: Exato, por baixo dessas camadas de beleza e contemplação, é como se houvesse incertezas e certo perigo por trás.
7. Identikit
BB: Tem também uma sessão de cordas muito bem pensada e utilizada. Coisa de unir novo e velho, erudito e eletrônico…
AC: Essa música me pegou pelo ritmo gostoso dela. Onde os desavisados podem ouvir as guitarras e o baixo de maneira mais clara.
BB: Philip Selway, o baterista rei dos andamentos esquisitos.
CA: Bateria meio bossa nova lisérgica. Olha esse baixo…. Entrou costurando tudo.
BB: Thom Yorke pra mim é um vocalista muito inteligente. Canta numas harmonias que são a primeira variação a partir da base e que abrem espaço para as invencionices sonoras.
CA: Tecladão meio Vangelis. Essa música começou meio chata. Agora tá linda. Esses arranjos vocais meio fantasmagóricos são muito legais.
BB: Esses caras quando jovens devem ter ouvido muito Television, Wire, Gang of Four, esses caras que metiam um baixo desconstruído na música, descolando da função tradicional, dentro de uma repetição estilística pensada de maneira muito sábia.
8. The Numbers
BB: Começa dissonante, mas depois começa a “casar” na esquisitice típica Radioheadiana.
AC: O começo dela é meio “nada a ver”. Talvez a ideia fosse dar um tom meio free jazz ou coisa parecida, mas não curti tanto.
CA: Olha esse trabalho de baixo com guitarra. Muito bem pensado.
BB: O baixo pulsando, as cordas intervindo, Thom Yorke valorizando o lado intérprete.
AC: Mas com o passar da música, eles começam a incluir essa estranheza de maneira muito natural na faixa.
CA: Primeira vez que usam timbres mais limpos de violão nesse disco.
BB: O teclado deve ser a coisa mais “free” aqui, Alisson. Parece caminhar à própria vontade.
CA: E essas vozes? Femininas?
AC: Realmente, aliás, as orquestrações dão um plus incrível ao resultado final.
Os corais também, só pra acrescentar.
BB: Cara, essa segunda parte da música!
CA: Essa orquestração enriqueceu muito a música.
BB: Esses ataques da orquestra e a banda mantendo a base para os novos instrumentos crescerem… Isso que é música de textura!
9. Present Tense
CA: Esses caras gostam de música brasileira.
AC: É impressão minha ou essa faixa tem um toquezinho de bossa?
BB: Samba de inglês? Hahaha
CA: Guitarra meio Toninho Horta.
BB: Outra música antiga: de 2008.
AC: Total, só que processada.
CA: Essas flutuações são lindas. A gente não sabe pra onde a música vai. Olha a batera meio sambinha e bossa. rsrsrsrs
BB: Acho legal que preserva a identidade do álbum mas esse toque percussivo a mais criou a variação necessária. Os loops de backing vocal dão o detalhe esquisito, haha.
CA: Os caras gostam de música brasileira!
BB: Parece que resolveu cantar em cima de um disco riscado do João Donato.
CA: Eumir Deodato também.
AC: E de maneira quase imperceptível o violão passou de primeiro plano pra segundo plano, a bateria foi tomando conta e agora os corais estão a frente de todo o resto
BB: Caraca, como eles fazem isso de maneira tão natural assim?
CA: Esses caras são foda.
AC: Pois é, você vai se deliciando com a música e esses detalhes quase escapam.
CA: Uma das melhores músicas do disco. E ainda meteram um tambor pra terminar.
10. Tinker Taylor Soldier Sailor Rich Man Poor Man Beggar Man Thief
AC: Ô nome zoado!
BB: Esse nome vem de uma cantiga infantil inglesa, equivalente ao “Uni-duni-tê” daqui.
CA: Sim. O Yardbirds tem uma música com esse mesmo nome.
AC: Foi bom salientar isso, pois essa faixa é meio macabra, passa meio longe de algo infantil.
BB: Sim, o Thom Yorke canta algumas oitavas acima inclusive. O clima meio minimalista, o teclado sempre dando a mesma nota, e a bateria em loop…
AC: As batidas iniciais contínuas pareciam uma espécie de respiração. O casamento com os teclados de tons meio desajustados…
CA: Que viagem!
AC: Eu falo assim pois não entendo de harmonia e teoria musical, pessoal kkkk
BB: Macabro é o adjetivo, principalmente quando a música “desenvolve”, ganha novas camadas de teclado e cordas.
CA: Arranjos de cordas muito bonitos.
AC: Essa deve ser a mais psicodélica de todas, inclusive nota-se na produção desse arranjo de cordas. Todo o resto é meio ríspido e as cordas tem essa produção que remete a algo saído das trilhas sonoras dos anos 60. Não sei como isso é possível, mas parecem duas coisas díspares que se complementam muito bem.
BB: Chamou minha atenção pela inventividade, mesmo o resto do álbum sendo igualmente inventivo.
CA: Meio assustador. Muito bom.
AC: Essa faixa me chamou atenção pela produção, um absurdo de criatividade.
CA: Devem ter demorado bastante pra gravar isso.
BB: Final igualmente esquisito.
11. True Love Waits.
BB: Fico imaginando o produtor pirando às 3h da manhã no estúdio, casando sintetizador, sample, orquestra e banda…
CA: Esse piano também faz referência a bossa nova.
BB: Essa é um clássico do Radiohead! Tocada nos shows desde 1995, onde o Thom Yorke executava a música sozinho no violão ou no piano Rhodes. Engraçado, colocaram 3 músicas de show nesse álbum: essa, Burn The Witch e Present Tense. Casaram com o álbum, mas foi quase um presente para of fãs…
AC: Vou ser polêmico, mas eu colocaria a faixa anterior como encerramento, acho que essa polarização entre uma faixa “pirada” com uma mais “tradicional” não ficou tão bacana.
CA: Não acho essa música tradicional. É bem doida nos arranjos. Olha o que tá rolando em segundo plano…
AC: Comparada a fritação da anterior, nem chega perto.
BB: De repente foi por esse lance que eu falei, Alisson. Fizeram muitas músicas mais contemporâneas e meteram uma com vibe mais antiga, do Radiohead de outras eras.
AC: É, pode ser mesmo, Bernardo. Não que eu tenha achado essa faixa ruim, mas pra encerramento, hmm…
CA: Gostei de terem encerrado assim.
BB: Dá para ouvir um pouco de The Bends aqui, mas já com a atmosfera OK Computer/ Kid A. Balada sombria, com piano dissonante e livre que só tende a deixar tudo mais atmosférico.
CA: Meio contemplativo…
Conclusões
CA: Eu tinha perdido o interesse pelo Radiohead depois que lançaram o “In Rainbows”. Mas esse disco me surpreendeu muito. Acho que acabou de entrar para minha lista dos melhores de 2016.
AC: Eu fiquei meio sem opinião formada quando ouvi esse disco pela primeira vez, pouco depois do lançamento oficial. Com mais propriedade, posso dizer que é um dos trabalhos mais completos e ricos da carreira de Thom Yorke e cia. A produção pode virar referência para futuras bandas, e o nível de texturas alcançados aqui beira o sublime. A cada nova audição, pode-se notar detalhes que passaram batidos anteriormente. Em um ranking aqui, enquadro ele em um 4º lugar, depois do Amnesiac, Kid A e OK Computer.
CA: Pra mim, o melhor disco da banda após o Ok Computer.
BB: Olha, posso dizer que, provavelmente meu favorito do Radiohead desde Kid A. Hail to The Thief não pareceu tão ousado, In Rainbows não encheu tanto meus ouvidos, nem o King of Limbs. Mas aqui… Bem, não sei se foi o resultado de cinco anos dilapidando, mas temos texturas, melodias, experimentalismo, piano, eletrônica, orquestra, alternância de rock, folk, erudito e eletrônico… Dá para dizer que é um disco não só inspirado, mas bem cuidado e bem pensado, com uma experiência calejada de quem anda na vanguarda da música popular desde o OK Computer. Deve ser por isso que alguns discos decepcionam, porque a gente só espera coisa muito acima da média do que a gente normalmente ouve. É o caso de A Moon Shaped Pool, um dos grandes discos do ano, da década e, por que não, do Radiohead?
Esse ano foi um ano ótimo de lançamentos, tanto de artistas antigos quanto dos mais novos. Apesar de o pessoal ter curtido esse álbum em específico, não sei se me animarei a ouvi-lo.
Caramba! Que comentário elaborado e indispensável!