Tuomas Holopainen – The Life and Times of Scrooge [2014]

Tuomas Holopainen – The Life and Times of Scrooge [2014]

Por André Kaminski

Sempre quis escrever um tanto mais sobre este disco, um de meus preferidos da minha coleção. Este disco remete tanto a minha infância (tomada por desenhos da Disney) quanto há uns 6 anos, quando li toda a saga The Life and Times of Scrooge McDuck, traduzido no Brasil como “A Saga do Tio Patinhas”, escrito e desenhado por Don Rosa entre 1993 e 1995 em 12 capítulos (e mais uns extras com o passar dos anos). Antes de falar do álbum, acho importante contextualizar o leitor quanto ao tema principal dele, que é muito mais do que apenas “o disco do Tio Patinhas”.

No início dos anos 90, o já famoso quadrinista Don Rosa, um fã do trabalho de Carl Barks que sempre foi considerado o principal quadrinista dos “patos” da Disney, resolveu pesquisar todo o antigo trabalho do velho ídolo e estabelecer uma linha do tempo e uma história coerente dentro do universo de Scrooge McDuck, Donald e dos trigêmeos. Criando uma árvore genealógica como base de pesquisa, além de tapar alguns buracos deixados por Barks, finalmente Rosa lança uma série de 12 histórias intitulada “The Life and Times of Scrooge McDuck”, contando a história de Scrooge desde quando era um garoto (ou patinho) de 10 anos, até quando reencontra Donald e os trigêmeos aos 80 anos, que foi onde, canonicamente, ocorreu a primeira história criada por Barks lá em 1947 nos gibis. Para se ter uma ideia, até pouco tempo atrás, todas as histórias envolvendo Scrooge e Donald se passam no máximo até a década de 50 com todas as tecnologias da época, estando agora em 1955. De acordo com Don Rosa, Scrooge morreu aos 100 anos em 1967, ano em que Barks deixou de escrever e desenhar quadrinhos. Tudo isso com a benção do velho quadrinista que veio a falecer em 2000 aos 99 anos.

Voltando agora ao disco, Tuomas Holopainen, tecladista e líder do Nightwish, sempre foi um fã da Disney e de Don Rosa. Músicas já gravadas pela banda como “Fantasmic” e “The Wayfarer” são referências diretas de seu fascínio pela própria. Mas o finlandês sempre quis escrever uma espécie de trilha sonora para esta saga e, por razões óbvias, o Nightwish não era lá o melhor lugar para expôr essas ideias. Então em parceria com Don Rosa que fez toda a arte do disco e da capa, ele dá a vida a este disco como um projeto solo sob seu nome The Life and Times of Scrooge, lançado em 2014, criando assim toda uma atmosfera fantasiosa em um disco que para quem é fã do Nightwish, tem tudo para agradar.

Porém engana-se quem acha que é só a banda com letras do Tio Patinhas que há por aqui. A sonoridade é calcada em influências celtas,utilizando o teclado, piano, sintetizadores e orquestra, deixando o lado heavy metal de guitarras, baixo e bateria bem em segundo plano. Uma guitarra surge muito raramente aqui e acolá, soando muito mais como uma trilha sonora do que como um disco de rock. Dos integrantes da banda, apenas Troy Donockley colabora com sua gaita irlandesa. Os vocais ficam por conta de sua namorada (atual esposa) Johanna Kurkela e do vocalista do Sonata Arctica Tony Kakko (em uma única faixa) e Alan Reid é o narrador (fazendo a voz de Scrooge). Johanna Livanainen dá uma força a Kurkela com vocais de apoio.

O disco começa com “Glasgow 1877”, com Scrooge aos 10 anos, refletindo sobre como tudo começou e como foi importante a influência de seu pai na sua busca pela prosperidade. É aquela história de uma família de nobres escoceses que hoje vivem na pobreza mas que possuem muito orgulho de seu passado. A música não poderia começar melhor, os violinos são lindos, os teclados são aconchegantes e a atmosfera das terras altas da Escócia vem à mente. Seguindo com “Into the West” e Scrooge já adolescente entre 13 e 17 anos, segue para os Estados Unidos onde passa pelo Mississipi e depois segue para o Velho Oeste. Como era de se esperar, a influência country se funde na sonoridade celta e um solo de banjo dá o tom da canção. “Duel & Cloudscapes” ocorre quando Scrooge retorna a Escócia para salvar o castelo da família que seria tomado pela falta de pagamento dos impostos britânicos. Neste ambiente, Scrooge se transforma em um cavaleiro medieval e precisa lutar com os vizinhos inimigos que desejam as terras do castelo para criar ovelhas. O som aqui já dá um tom de batalha e conflito como descrito no gibi, assim como uma parte cômica da segunda parte em diante.

“Dreamtime” também instrumental se passa nos difíceis momentos de fracasso de Scrooge na África do Sul e na Austrália, quando este se tornou um minerador. A música também passa uma ideia de dificuldade e reflexão pelo qual o personagem passa nesses momentos, sendo a percussão o destaque por aqui. “Cold Heart of Klondike” é a minha favorita do disco e um dos momentos chave da história de Scrooge: houve no final do século XIX uma corrida do ouro na província de Yukon, no Canadá. Lá é do lado do Alaska, então já se imagina que o mais se vê por lá é o branco da neve. Porém, é nesse lugar inóspito que Scrooge deve tomar uma decisão: se render ao amor verdadeiro de sua única paixão, a patinha Glittering Goldie, ou continuar firme em seu propósito de enriquecer. Quem conhece o personagem sabe bem o que Scrooge optou. E nesse ambiente gélido, uma flauta faz os solos enquanto a orquestra e o coral tocam ao fundo.

Don Rosa e Tuomas Holopainen

“The Last Sled” é onde finalmente Scrooge encontra ouro e inicia sua fortuna. A música fala do esforço e da despedida de Scrooge do Canadá, em que aos 30 anos realiza seu sonho e inicia a construção de seu império pessoal. Dentre todas, é a música mais próxima do Nightwish mesmo, em que a orquestra e os teclados são bem típicos do que Tuomas faria em Endless Forms Most Beautiful, um ano depois. “Goodbye, Papa” é a mais triste das canções pelo motivo que dá para se imaginar pelo título da música: a volta de Scrooge rico a Escócia, o fato de não se sentir mais parte daquele lugar e a despedida dele e de suas irmãs de seu pai. Sem mais spoilers, só posso dizer que é triste. “To Be Rich” se passa no momento em que este se estabelece nos Estados Unidos, na fictícia Duckburg, em que após anos de aventuras e já velho e endurecido pelas dificuldades, briga com sua família que o abandona. Scrooge passaria dos 63 anos até os 80 vivendo na mais completa solidão. “A Lifetime of Adventure” são suas reflexões de tudo o que passou e um resumo de todas as suas aventuras em mais uma canção folk com Kurkela cantando suavemente em sua melhor participação do disco. Por fim, “Go Slowly Now, Sands of Time” demonstra o momento final da saga, em que Scrooge reencontra Donald e conhece os trigêmeos e que se diz animado e feliz que a vida lhe deu uma segunda chance de ter uma família. Esses seus próximos 20 anos seriam todas as séries de gibis lançados até então. Alan Reid é o vocal principal e finaliza docemente a canção.

O disco é na maioria das vezes vagaroso e reflexivo, o que pode espantar aqueles que desejariam mais ação. Mas creio que como projeto paralelo – bem diferente do Nightwish embora a sonoridade faça referências óbvias a banda – funciona muito bem. Para quem nunca gostou da banda, talvez não haja muita coisa aproveitável aqui. Independente disso, dá para se dizer que Tuomas captou bem o tom fantasioso e imaginário deste clássico da Disney que é “The Life and Times of Scrooge McDuck”, série de gibis premiada até o talo e que recomendo a qualquer um ler, gostando ou não desse cd.

Tracklist

  1. Glasgow 1877
  2. Into the West
  3. Duel & Cloudscapes
  4. Dreamtime
  5. Cold Heart of Klondike
  6. The Last Sled
  7. Goodbye, Papa
  8. To Be Rich
  9. A Lifetime of Adventure
  10. Go Slowly Now, Sands of Time

 

6 comentários sobre “Tuomas Holopainen – The Life and Times of Scrooge [2014]

  1. Nunca gostei de Nightwish mas fiquei curioso e interessado em escutar este álbum.

    1. O instrumental é mais lento e atmosférico, focado na orquestra, piano e teclado. Se curtir este clima, talvez aprecie o disco.

  2. Parabéns Andre pela resenha. A contextualização das músicas com a história foi ótima. Confesso que fui a banca procurar a hq. Valeu!

  3. Ouvi o álbum hoje. Apesar de nunca ter lido a HQ, vi que a audição é variada e bastante agradável.

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