The Alan Parsons Project – Turn Of A Friendly Card [1980]
Por Fernando Bueno
Tenho o nome Alan Parsons gravado na memória desde quando me interessei pelo rock progressivo. Entretanto, parece-me que esse nome é muito mais conhecido pelos fãs do que realmente cultuado. Dificilmente vejo seus discos citados nos bate papos sobre música, e bandas com carreiras muito mais curtas ou menos prolíficas aparentam ter mais reconhecimento do que essa formação inglesa. Talvez o fato de que o The Alan Parsons Project não ter sido criado da forma clássica da imensa maioria das bandas – ou seja, no esquema de reunião de amigos, muita ralação, dificuldades e privações e então o reconhecimento – tenha relação com isso.
Para entender isso farei um pequeno resumo de como foi formado o grupo. Alan Parsons e Eric Woolfson trabalhavam na EMI e tinham o famosíssimo estúdio Abbey Road como um ponto de encontro. Parsons já era um engenheiro de som e produtor muito conhecido no meio artístico, principalmente por ter participado do sensacional The Dark Side of The Moon (1973), disco que trouxe diversas inovações no sentido técnico de gravação, é um marco nesse sentido até hoje e rendeu à ele seu primeiro Grammy. Muito se fala de sua participação nesse disco, porém muita gente não sabe que ele trabalhou também em outras obras com importância tão ou, se pensarmos historicamente, mais clássicas como o Abbey Road e Let It Be dos Beatles, além de Wild Life, disco solo de Paul McCartney e vários discos do The Hollies. Já Woolfson era então um advogado que trabalhava representando artistas da gravadora EMI, mas antes disso já tinha sido pianista de estúdio de diversos artistas, compositor e chegou até a trabalhar como produtor de um disco dos Rolling Stones. Parsons chegou até a contratar Woolfson como seu empresário. O grupo formado pelos dois poderia muito bem se chamar The Eric Woolfson Project, mas isso é algo que explico mais pra frente.
Alan Parsons participava de projetos musicais de diversas pessoas mas ele desejava também ter algo próprio, algo que desse também à ele o status de artista e não fosse apenas creditado por um trabalho técnico. Quando conheceu Woolfson este lhe apresentou alguns esboços de composições que havia feito no intuito de musicar algumas obras de Edgar Alan Poe. Começaram a trabalhar juntos e criaram o grupo. O nome da banda foi bastante debatido, mas no fim das contas foi escolhido por uma questão bastante prática; o nome Alan Parsons já era muito conhecido no meio musical, pelo menos muito mais do que o de Eric Woolfson, e poderia ajudar a alavancar o grupo mais rapidamente.
Gravaram quatro discos ainda nos anos 70, Tales of Mistery and Imagination em 1976 (aquele sobre a obra de Edgar Alan Poe), I Robot em 1977, Pyramid em 1978 e Eve em 1979. Todos os álbuns tinham elementos em comum: discos conceituais, faixas instrumentais de abertura e a participação de diversos vocalistas. Como a banda girava em torno dos dois os outros músicos nunca são lembrados. Porém alguns deles participaram da banda em praticamente toda sua história como o Ian Bairnson nas guitarras, Stuart Elliot na bateria e David Paton no baixo. Os patrões do grupo respondiam por quase todo o resto que você ouve: teclados, sintetizadores, pianos, instrumentos de sopro, guitarras adicionais, etc, além, é claro, das composições.
Com um disco lançado por ano em 1980 o grupo foi à França para registrar Turn Of A Friendly Card, muito provavelmente o meu preferido e, por conta disso, o escolhido para receber esse texto. Entretanto poderia aqui estar detalhando o disco seguinte Eye In The Sky (1982), o maior sucesso comercial do grupo ou um dos dois primeiros, todos por quais tenho um carinho especial. O estilo abordado pelo The Alan Parsons Project é basicamente o progressivo, mas com a tendência de rotular cada vez mais os estilos musicais encontramos também os termos progressivo pop, soft rock ou rock sinfônico. No famoso site ProgArchives, por exemplo, eles são classificados como crossover prog. A dupla já disse que o The Dark Side of The Moon influenciou demais o modo de eles pensarem em composições musicais e que todos os momentos pegavam as idéias usadas pelo Pink Floyd para desenvolver seu som.
O tema abordado em Turn OF A Friendly Card são os jogos de azar e como eles acabam se tornando um espelho das tomadas de decisões de nossas vidas. Já musicalmente foram usados alguns recursos melódicos que evocam temas medievais conectando-se a questão visual, pelo das cartas do baralho fazerem alusão à realeza e sua corte, aos padrões sonoros. A abertura de “May Be a Price to Pay” é grandiosa e tem clima de filmes de época. As orquestrações adicionadas só deixam esse clima ainda mais grandioso e, porque não, pomposo. A voz principal foi gravada por Dave Terry, também conhecido por Elmer Gantry, um cantor de soul blues do grupo Velvet Opera. Já “Game People Play”, cantada por Lenny Zakatek, o primeiro single do álbum, tem algumas características de AOR, mas também me lembra alguma coisa do ABBA e tem um clima bem mais pra cima do que a faixa de abertura. As guitarras aparecem um pouco mais nessa faixa em dois curtos solos.
A próxima música, “Time” é a primeira faixa em que um dos dois, no caso Eric, é o vocalista principal (Alan também faz backing vocals nela). Até então ele tinha sido creditado apenas em alguns backing vocals. Ele deve ter tomado gosto e ficado mais a vontade em ser o cantor principal já que nos álbuns seguintes ele acaba aparecendo mais. Digo isso porque ele costumava gravar as vozes da maioria das músicas no processo de criação, mas sempre acabavam chamando outra pessoa para registrar o que entraria no disco. Apesar do nome, a faixa não tem nenhuma ligação com a homônima do Pink Floyd, entretanto sua melodia e cadência me faz lembrar “Us and Them”. Uma faixa bastante emotiva e que provavelmente pode ser considerada uma das melhores do grupo. Na sequência “I Don´t Wanna Go Home”, também interpretada por Lenny Zakatek, apresenta um pouco de groove com um pegada de funk setentista.
Abrindo o lado B a instrumental “The Golden Bug” que se inicia com uma melodia meio western, mas os sintetizadores tomam a música e a levam para uma direção completamente diferente com a adição de uma bela melodia de sax além de corais. Uma curiosidade foi que o saxofone de “The Golden Bug” tinha sido creditado ao ex-King Crimson Mel Collins, porém em edições posteriores isso foi modificado para um vago “músico de estúdio de Paris que não lembramos o nome” e a explicação para isso é que foram usadas tantas gravações e passagens diferentes que eles não sabem quem realmente tocou na versão que entrou no disco.
A longa faixa título é dividida em cinco partes, sendo que a estrutura completa da primeira é repetida na parte final. Com participação em três das cinco partes da suíte de Chris Rainbow, um cantor que chegou a participar do Camel. Uma bela melodia de piano inicia a música que sempre me chamou atenção por ser longa, mas sem a necessidade de firulas musicais. Músicas longas de bandas como o Yes ou o Genesis sempre, ou quase sempre, tiveram trechos em que a técnica apurada dos músicos sempre eram enfatizadas. Aqui esse expediente não foi necessário muito por conta do fato de que ela apesar de ser considerada uma música só é na verdade o conjunto de algumas composições individuais o que a deixa muito mais fácil de se familiarizar com o todo. Eric Woolfson volta a cantar na quarta parte chamada de “Nothing Left to Lose”. Nela se encontra a frase que resume o conceito do disco como um todo é the game never ends when your whole world depends on the turn of a friendly card (o jogo nunca acaba quando seu mundo inteiro depende da virada de uma carta amigável). Na parte final também percebemos melhor o trabalho da Philharmonia Orchestra, conduzida por Andrew Powell, que já tinha trabalhado com o The Alan Parsons Project em outros discos e também de discos de David Gilmour entre outros.
Acredito que Turn Of A Friendly Card possui todas as características que podem identificar o som que a banda tinha intenção de fazer: a junção das progressões musicais com apelo mais pop e abrangente. Pode-se se dizer que o álbum é um resumo de tudo o que a banda fez. Quando foi lançado em 1980 ele atingiu o maior sucesso comercial da carreira do grupo até então e suas vendas só foram suplantadas com o disco posterior, Eye in The Sky de 1982. Para quem não conhece o grupo vale a pena começar por ele e depois ir para os outros álbuns que citei aí no texto.
Track List
01 – May Be a Price to Pay
02 – Games People Play
03 – Time
04 – I Don’t Wanna Go Home
05 – The Gold Bug
06 – The Turn of a Friendly Card
i. The Turn of a Friendly Card (Part One)
ii. Snake Eyes
iii. The Ace of Swords
iv. Nothing Left to Lose
v. The Turn of a Friendly Card (Part Two)
Belo texto Fernando, resgatando uma das mais tradicionais bandas dos anos 80. Gosto dos primeiros discos da banda, e acho que esse é o último álbum decente da dupla. Um pouco “sintetizado” de mais, mas com bons momentos.
Concordo com a questão das orquestrações em “May Be A Price To Pay”, mas acho que o som é muito eletrônico – lembra o Genesis na fase trio com Phil Collins.
Entendo o que você quer dizer com relação ao ABBA em “Game People Play”, mas eu faço um contra ponto, acho essa faixa mais Fleetwood Mac fase Rumours do que ABBA, assim como “I don’t Wanna Go Home”, que mesmo com a batida meio swingada, não pode se dizer que é funk, e que tem no seu início e no seu final os melhores momentos.
“Time” realmente tem um baita climão de “Us and Them”, e para mim é a melhor do disco. O baixão dessa faixa é algo!! O baixão também é o centro das atenções em “The Gold Bug”
A faixa-título é um apanhado de pequenas músicas, onde violão, piano e orquestrações destacam-se na primeira parte. A segunda já tem essa coisa meio Fleetwood, principalmente pela marcação do baixo e as vocalizações (se fossem mulheres, era FM puro), e é a mais fraquinha. A terceira sempre me lembra algo do Genesis na fase Selling England by the Pound com Rick Wakeman. “Nothing Left to Lose” tb tem seu ar de Pink Floyd e a última parte é similar a primeira – até por que tem o mesmo nome.
Complementando, a versão original em vinil, na sua contra-capa, tem as letras das canções dispostas como se fosse uma carta de jogo, ou seja, as do lado A estão no sentido norte/sul, enquanto as do lado B estão no sentido sul/norte, coisa que no CD não deve ter ficado em nada igual.
jamais esperaria que um METALERO que nem o Bueno curtisse esse disco, sinceramente.
Eu sou um fanzão de TAAP e principalmente desse disco há quase 20 anos.
E realmente poderia ter relacionado algumas passagens com o Fleetwood Mac
Rapaz, eu tive essa bolacha em minha coleção! Baita disco! Aqui tem a maravilhosa “Time”, uma das canções mais belas que estes meus velhos ouvidos já ouviram, e a suíte “The turn of a friendly card”. Excelente texto, Fernando!