Testament – The Ritual [1992]
Por Fernando Bueno
Muitos discos são tão identificados com a época de seu lançamento que é impossível dissociar do momento em que foram gravados. O começo dos anos 90 foi estranho para o heavy metal. Muito artistas independentes estavam ganhando reconhecimento e os seus estilos despojados e descompromissados ajudaram a desmistificar a aura de intocáveis de vários artistas. No meio do heavy metal, onde o culto às bandas clássicas é muito grande, isso causou um choque. E eu nem estou falando apenas da música em si. Esse período foi também a época do lançamento de alguns discos icônicos que balançaram as estruturas do rock. Nevermind do Nirvana com quase todas suas faixas sendo veiculadas em todos os lugares e catapultando a banda ao topo do estrelato em poucos meses, os dois Use Your Illusion do Guns and Roses que consolidou a banda como a maior do mundo nesses anos e o álbum preto do Metallica.
Por tudo isso entendo que o timing do lançamento desse disco do Metallica foi perfeito. A mudança do thrash metal para o heavy metal mais tradicional, que irritou os fãs mais antigos, agradou tanto os que estavam pirando no Nirvana, e toda a cena que tinha Seattle como epicentro, quanto os fãs que curtem o rock mais mainstream que tinha o Guns and Roses como principal expoente na época. Toda essa cena abalou as estruturas do thrash metal e muitas bandas tiveram muitas dificuldades de se manter na ativa, porém para o Metallica tudo fluiu como se nada disso tivesse importância.
Dentro de todo esse cenário temos The Ritual do Testament. A banda é marcada pelas incontáveis mudanças de formação que teve ao longo dos anos e esse álbum marcou o fim da formação clássica do grupo que gravou cinco discos seguidos sem nenhuma alteração em seu line up (a saber, Chuck Billy nos vocais, Alex Skolnick e Eric Peterson nas guitarras, Greg Christian no Baixo e Louie Clemente na bateria). Quando disse que as bandas tiveram dificuldades de se manter na ativa uso o Testament como principal exemplo já que a partir dessa época é que as mudanças de formação se intensificaram no grupo. Um dado para quem não acompanha muito a carreira dos americanos: nos dez anos que se seguiram The Ritual, ou seja,quase todos os anos 90, só no posto de baterista o grupo teve sete músicos diferentes sendo que três deles tiveram mais de uma passagem. A curiosidade é que dentre esses bateristas alguns deles foram músicos que já empunharam as baquetas do gigante do estilo Slayer (Dave Lombardo, Paul Bostaph e Jon Dette).
Logo nos primeiros minutos de The Ritual, na primeira vez que o ouvi, corri para o encarte do disco tendo quase a certeza que encontraria o nome de Bob Rock como produtor do disco. Tudo bem, a semelhança nem é tão grande assim, mas, como disse, foi a primeira impressão. Mesmo assim a similaridade com os timbres do álbum recém lançado do Metallica é real, entretanto o responsável não foi Bob, e sim Tony Platt, que já havia trabalhado com Iron Maiden, AC/DC, Manowar, entre outros. “Signs of Chaos” é uma pequena introdução, feita pelo excelente Alex Skolnick, para “Electric Crown” que é um ótimo exemplo do disco como um todo. Um som mais cadenciado com vocais mais comedidos de Chuck Billy. E é justamente nisso que se baseiam as comparações gerais de The Ritual para o disco do Metallica lançado no ano anterior: uma banda tradicional de thrash metal que diminuiu a velocidade de seu som e acabou pendendo mais para o heavy tradicional do que para seu estilo de origem.
“So Many Lies” é marcada por um bom refrão enquanto “Let Go of My World” é, ao lado da faixa título, as preferidas de quem elogia o álbum. Aliás, a própria faixa título, uma balada que se acelera em algumas passagens, já mostra que o disco é bastante diferente que o restante de sua discografia. Seu solo é fantástico!
Eu identifico alguma coisa do grunge em “Deadline” nas intervenções de voz que existem ao longo da faixa. E é praticamente impossível não lembrar da voz de James Hetfield em “Agony”. A parte lírica teve colaboração de Del James, um escritor chegado em história de terror. Um de seus contos ganhou notoriedade quando Axl Rose baseou os clipes de “Don’t Cry”, “November Rain” e “Estranged” em sua história.
Talvez a faixa que mais e destacou de The Ritual foi “Return to Serenity”, outra balada, que tem como destaque o trabalho de guitarra incomum durante as estrofes. Chega a ser espantoso quando percebemos que a banda que gravou “Return to Serenity” é a mesma que gravaria alguns anos depois a paulada quase death metal The Gathering. Aliás, se compararmos apenas esses dois discos (The Ritual e The Gathering) percebemos o quanto Chuck Billy é um vocalista versátil e que pode se adaptar muito bem nos diversos seguimentos dentro do metal.
Depois do lançamento de The Ritual Alex Skolnick e Louie Clement pulam fora do barco. Enquanto o baterista saiu do mundo musical, o guitarrista que estava insatisfeito com, segundo ele, a limitação técnica que a banda tinha, formou outra banda chamada Alex Skolnick Trio que focava no jazz-fusion além de fazer parte por um tempo do Savatage.
Não sei se a intenção do Testament foi tentar seguir os passos do Metallica. Acho que seria uma decisão até natural. Lembrem que o Megadeth também fez o mesmo. Os fãs ficaram um pouco decepcionados inclusive repetindo aquela batida história de que “a banda se vendeu”, mas temos que lembrar que os fãs de metal nem sempre são coerentes em suas análises. O que é certo é que The Ritual é um excelente disco de heavy metal e deve ser ouvido com essa idéia em mente. Talvez isso mude sua opinião.
Track List:
01 – Signs of Chaos
02 – Electric Crown
03 – So Many Lies
04 – Let Go Of My World
05 – The Ritual
06 – Deadline
07 – As the Season Grey
08 – Agony
09 – The Sermon
10 – Return to Serenity
11 – Troubled Dreams
Acho esse disco fantástico. Incrível que esses dias estava lendo uma publicação da Metal Hammer que tem uma série de piores para os melhores e eles colocam esse disco como o pior da carreira do Testament. E o mais louco é que tinha muito fã concordando no comentário. Não sabia que a galera odiava tanto esse disco. Em relação ao Metallica, a influencia deles nos primeiros álbuns é descarada. Já tinha tempos que eles seguiam os passos de James Hetfield e companhia. Onde eles quebram isso de vez é no Demonic.
Achei que a Metal Hammer forçou um pouco nessa hein. Na minha opinião o disco mais fraco do Testament é o Demonic que vc mesmo citou. Acredito que o fato de THe Ritual ter pendido um pouco mais para o tradicional tenha influenciado os mais radicais da revista.
Gosto muito deste disco! Acho que mais do que emular o Metallica foi uma exigência do Skolnick pra banda soar mais melódica. Acho que o resultado não agradou o Eric Patterson e o cara acabou saindo…
Para mim, o disco mais fraco do Testament é “Demonic”, que nem chega a ser ruim de verdade, é na pior das hipóteses regular. “The Ritual” está em um nível muito parecido ao de “Souls of Black” e um pouquinho abaixo de “Practice What You Preach”, em se tratando da formação clássica. Considero as comparações ao Metallica um tanto exageradas, mas foi bom que, depois desse disco, eles se afastaram bastante desse som mais próximo do heavy tradicional e puxaram mais para o extremismo. Além de terem lançados álbuns excelentes, cultivaram uma identidade única sobre a qual não se podem fazer comparações do tipo.