Discografias Comentadas: Almir Sater – Parte 2
Por André Kaminski
Confira a parte 1 clicando aqui.
Continuando a destrinchar os discos do nosso Bob Dylan brasileiro, Almir agora dá uma espaçada em seus lançamentos, preferindo se concentrar mais em fazer shows Brasil afora para que as novas gerações conheçam os seus clássicos (e as velhas possam relembrar seus grandes momentos na música). Ainda assim, belos discos são gravados com várias músicas que poderiam tranquilamente fazer parte de seus setlists. Infelizmente a grande mídia deixa suas músicas de lado para nos entupirem de sertanejo universitário, mas Almir já guardou para sempre o seu lugar no panteão entre os gênios das cordas da música brasileira.
Terra de Sonhos [1994]
Almir resolve voltar mais as suas raízes se focando mais na viola e deixando um pouco de lado a instrumentação moderna e/ou eletrônica. Segundo Almir, seus últimos três discos solos foram todos gravados com equipamento caseiro, somente voltando aos grandes estúdios quando grava os dois álbuns em parceria com Renato Teixeira. O disco como era de se esperar é belíssimo, focado em melodias calmas e uma ambientação de paz interiorana do Centro-Oeste pantaneiro. “É Necessário” seguida logo de “Terra dos Sonhos” demonstram bem essa direção, embora esta última utilize alguns efeitos na voz de Almir e um discreto teclado ao fundo dando uma ambientação folclórica a canção. O baixo também ganha destaque nesta canção. “Vaso Quebrado” lembra muito o estilo das canções de seu primeiro álbum, com aquela aura sertaneja de raiz que tanto faz bem aos ouvidos. “Na Cumbúca” tem uma letra muito ácida e até falando um palavrão como “bando de ladrão filha da puta” Almir soa poético. “Ganso” é uma pequena faixa instrumental de teor country ao qual Almir dedilha as notas com grande habilidade e senso melódico. “Mês de Maio” é outra belíssima balada e ainda posso destacar a delicadeza de “Jesus Menino” em um disco recheado de poesia e lindas passagens melódicas. Bem diferente do animado Rasta Bonito [1989] (“Rasta do Adeus” é a única faixa que lembra o disco anterior), a qualidade dessas canções não nos fizeram sentir falta do jeitão mais superproduzido do álbum mais conhecido de Almir.
Caminhos me Levem [1996]
Neste disco, Almir apresenta algumas de suas influências do blues americano que demostra em várias músicas por aqui. O álbum já inicia fazendo uma pequena homenagem ao escritor Érico Veríssimo e sua obra máxima O Tempo e o Vento, com a canção se chamando “O Vento e o Tempo”. Almir inicia esta canção com um estilo menos caipira e faz uma instrumentação mais característica do folk norte-americano. “Caminhos me Levem” segue na linha mais folk agora com um ritmo mais country. “Brasil Poeira” já soa mais como uma canção raiz tradicional típica de Almir. “Milhões de Estrelas” é uma bela homenagem ao estado do Mato Grosso do Sul. O estado deve ser orgulhoso daquele que eu considero o melhor artista de sua terra. Destaco também a bela versão (embora já meio batida devido as muitas gravações dessa canção) da famosa “Cabecinha no Ombro” de Paulo Borges, música que ele fez em 1958! Gosto também de “Sodade Matadeira” num ritmo que me lembra um velho samba de raiz. A variedade deste disco me faz considerá-lo superior ao Terra de Sonhos [1994] e como curiosidade, este álbum foi lançado na mesma época em que Almir atuava como “Pirilampo” na famosa novela global “O Rei do Gado”.
7 Sinais [2009]
Longos 13 anos separam este álbum do anterior, mas felizmente ele não deixou a década passar sem lançar composições inéditas. Almir já destaca mais neste disco outras influências musicais que tanto aprecia (principalmente norte-americana e andina) em um disco que foge um tanto da linha “balada pantaneira”. Já com uma carreira mais do que consolidada, chegou a hora mesmo de se aventurar por novos caminhos e gravar canções que saem um pouco do ambiente rural que tanto aprecia e misturá-las com suas tradicionais pantaneiras de raiz. Canções como “No Rastro da Lua Cheia” é ao nível de seus maiores clássicos. Aprecio “Maneira Simples” que lembra muito as baladas rockers dos anos 60 norte-americanas. “Planície de Prata” é mais uma doce canção um pouco mais ao estilo MPB da época setentista. Destaco ainda as duas últimas canções que são “Cubanita” demonstrando influências da música latino-americana (em especial o Paraguai) e “Três Toques na Madeira” finaliza em um curto baião dançante. De longe o disco mais variado de Almir, um resumo de todos os estilos que aprecia e que gravou durante as duas décadas anteriores que o fizeram ser reconhecido como um gigante compositor brasileiro.
Novamente, Almir passa 6 anos fazendo shows (com o alto nível de sempre) e tocando Brasil afora. Pouco antes de 7 Sinais, em 2006, também grava sua última novela na Record ao lado do inseparável Sergio Reis, seu parceiro de atuação e de shows. Até que em 2015 ele e outro monstro sagrado da música brasileira Renato Teixeira se unem ao produtor e compositor americano Eric Silver para produzirem um novo disco de inéditas, chamado AR. Como não poderia deixar estas duas pérolas de fora, resolvi incluí-las nesta discografia comentada.
AR [2015]
Mais uma vez, Almir e Renato demonstram seu amor pelo country e pelo folk americano os fundindo com a música sertaneja de raiz e é claro, parindo um disco muito aguardado pelos fãs de ambos. Almir volta aos grandes estúdios e o álbum foi produzido no Brasil e nos Estados Unidos. As vezes com vozes solo, muitas vezes cantando juntos, Almir e Renato esfregam na cara da turma do sertanejo como gravar um disco que soa moderno e de raiz ao mesmo tempo sem apelar para os besteróis que infestaram o estilo nas últimas décadas. “D de Destino” já inicia de forma maravilhosa numa mistura de folk brasileiro e americano. “A Flor que a Gente Assopra” traz mais um dueto em uma música mais raiz brasileira em que Almir e Renato fundem suas vozes em praticamente toda a canção. “Bicho Feio” é um legítimo country americano com as letras citando criaturas do folclore brasileiro em uma canção perfeita para pisotear o chão de terra batida. Meu destaque final ainda vai para “Peixe Frito” que Almir canta e toca viola solo apenas com um discreto teclado aparecendo em conjunto que parece até ter sido feita para tocar para crianças. Este disco recebeu alguns prêmios dentro da música nacional e pelo ótimo desempenho dele tanto em vendas quanto em qualidade, incentivou Sater e Teixeira a continuar a parceria e lançarem mais um disco juntos.
+AR [2018]
Recém lançado em março deste ano, seguindo a mesma tutela produtiva de Eric Silver, Almir e Renato reforçaram as influências rockers dos anos 70 sem soar exatamente como um disco estrangeiro. Algo que soa como um country rock ou um folk rock muitas vezes e claro, com uma dose grande da brasilidade de ambos. Ainda melhor que o anterior, as minhas canções favoritas são “Venha me Ver”, “Quando a Gente Chama”, “Vira Caipira” e “O Mascate”. A primeira se trata de um folk com o baixo bem presente e Almir (primeira voz) e Renato (segunda) cantando juntos uma canção bonita, romântica e reflexiva. A segunda conta com um duelo de vozes de ambos os cantores com as cordas das violas dando o ritmo e uma discreta guitarra ao fundo dando um toque country à canção. A terceira é um animado xote que mistura o caipira do sudeste e centro-oeste com a gaita gaúcha perfeito para uma festa junina e sua letra falando de vários músicos de diferentes partes do nosso Brasil. E a quarta e última que destaco é uma sertaneja bem referente a duplas antigas como Tonico & Tinoco até meio brega (no bom sentido) para o que ambos estão acostumados a fazer, mas que é uma excelente homenagem aos nossos velhos cancioneiros lá da metade do século XX. Grande disco e que essa parceria continue por muitos anos. Só falta mesmo incluir o outro gigante que é o Sergio Reis ao terceiro disco e batizá-lo como “ARS”.
E finalizo aqui a excepcional discografia do nosso Dylan/Cohen dos trópicos. Foi um prazer imenso ouvir e escrever sobre esses discos e avisando que nada mais sou do que um leigo quando se trata de um folk brasileiro como de Sater. Qualquer erro, me avise nos comentários. No mais, valorizem este cantor e compositor brilhante comprando seus discos e indo aos seus shows. Seus ouvidos merecem.
André, primeiro parabéns pela DC. Segundo, tenho um álbum de um artista chamado Carlão, que ao que parece, trabalhou bastante ao lado do Sater. O álbum se chama Liberdade Vadia, e tem um som diferente, bem comercial dos anos 80.
Você tem alguma informação sobre ele? Vi no mercado livre que estão pedindo preços absurdos pelo álbum, o qual julguei com uma qualidade bem mais ou menos (tendendo ao menos)
Abraços
Cara, o que sei do Carlão de Souza é que ele trabalhou bastante ao lado de Sater, compondo com ele algumas músicas, na produção de alguns de seus discos e atuando como músico de apoio dele (e de Renato Teixeira também). Sobre esse disco, não o conheço. A julgar pelas suas contribuições com Almir, deve ser algo de boa qualidade (embora eu não possa dizer se o preço cobrado compensa).
Então André, eu tenho o disco, e considerei muito fraco. Decepcionante mesmo. Ouvi duas vezes e foi mais sem sal que doce de jiló …