Mick Pointer Band – Marillion’s “Script” Revisited [2014]
Por Micael Machado
O começo da década de 1980 não estava sendo fácil para os fãs ingleses de rock progressivo, com alguns dos gigantes do estilo se mantendo afastados da sonoridade tradicional do gênero, como o King Crimson (que se voltou para a new wave naquela que é conhecida como a “trilogia das cores”, lançada entre 1981 e 1984), o Genesis (cada vez mais voltado ao pop em álbuns como Abacab e aquele que leva o nome da banda, lançado em 1983), o Yes (que quase trocou de nome para Cinema, e voltou aos estúdios também em 1983, com o álbum 90125 e um novo guitarrista, Trevor Rabin, além de uma sonoridade bastante diferente daquela que o caracterizou na década anterior) e o ELP (que estava em hiato, e só retornaria em 1986 com Cozy Powell na bateria e uma sonoridade também distante daquilo que faziam antes). Foi neste contexto que surgiu o Marillion, praticando um prog rock totalmente identificado com as origens do estilo na década de 1970, e, não sem toda a razão, muitas vezes acusado de ser um mero pastiche da fase clássica do Genesis. Seu primeiro álbum, Script For A Jesters Tear (também de 1983, vejam a coincidência), acabou se tornando um dos mais importantes do estilo na década, e ajudou a ganhar uma enorme legião de fãs e admiradores para o grupo ao redor do mundo.
O Marillion mudou muito desde então. Logo após a turnê de lançamento, o baterista Mick Pointer foi demitido, sendo substituído primeiro por membros provisórios como Andy Ward e Jonathan Mover, mas depois pelo definitivo Ian Mosley, que ocupa as baquetas até hoje. Anos depois, foi o vocalista Fish quem cedeu seu posto a Steve Hogarth, o que fez com que a banda mudasse de sonoridade, e se afastasse bastante daqueles anos iniciais tão importantes não só para si, mas também para o progressivo de uma forma geral.
Foi por isto que, quando Script For A Jesters Tear completou 25 anos em 2008, nem os membros que então compunham a banda que o lançou, nem o cantor que o registrou, demonstraram muito interesse na data. Coube então ao baterista do disco, o renegado Mick Pointer, reunir um grupo de amigos e fazer uma pequena excursão europeia celebrando o aniversário da obra mais importante de sua carreira (onde, fora do Marillion, obteve algum reconhecimento ao lado do também progressivo Arena, com quem toca desde 1995). Pointer uniu-se a Brian Cummings (vocais, membro do Carpet Crawlers), Nick Barrett (guitarras, membro do Pendragon), Mike Varty (teclados, integrante do Credo) e Ian Salmon (seu colega no Arena, tocando baixo), e o que era para ser algo de curta duração acabou ocorrendo algumas outras vezes através dos anos, como em 16 de março de 2013, quando o grupo interpretou a íntegra da estreia do Marillion (e mais algumas coisinhas) no clube Cultuurpodium Boerderij, na cidade de Zoetermeer, na Holanda. O show foi lançado em CD e vinil (colorido, numa bela coloração roxa escura, pelo menos na versão que possuo) duplos no ano seguinte, sob o nome Marillion’s “Script” Revisited, e certamente cairá no agrado dos fãs do grupo original de Pointer.
O primeiro álbum traz a íntegra de Script …, com as músicas na mesma ordem da versão original (embora alguns fade outs nos mostrem que talvez a execução no show não tenha seguido esta sequência). A preocupação com o respeito aos arranjos e timbres originais é enorme, o público participa bastante ao longo da maioria das faixas (seja cantando em alto e bom tom, seja acompanhando com palmas), e o ponto que seria mais preocupante, que são os vocais, acabam sendo bastante agradáveis, pois Cummings emula Fish de forma muito parecida com a voz do cantor original do Marillion (até mesmo imitando por vezes o forte sotaque escocês do outro músico), embora fique claro não serem os dois a mesma pessoa. A semelhança com as versões já conhecidas e o talento dos músicos na execução das seis músicas do track list original fazem com que o ouvinte tenha momentos de certa nostalgia ao escutar faixas que tanto Fish quanto o Marillion dificilmente interpretam ao vivo hoje em dia, transformando a audição da revisão de Script em algo bastante agradável e satisfatório, especialmente aos apreciadores da obra original.
O segundo disco conta com faixas lançadas apenas em singles durante o período de Pointer com o Marillion (seja antes ou depois do lançamento de Script For A Jesters Tear). Com ordens diferentes nas versões CD e vinil, este último abre com os quase 20 minutos da suíte “Grendel” (que ocupa integralmente o lado “C” da bolachona), inspirada pelo clássico literário Beowulf, e uma das melhores composições da carreira da banda, mostrando que o Marillion de então estava completamente comprometido com as regras e o estilo definidos pelo progressivo da década de 1970. Ainda aparecem a calma “Charting The Single”, a mais voltada ao rock and roll tradicional “Margaret” (que aqui ganha um trechinho da obra “Hall of The Mountain King” em sua execução), a lindíssima “Three Boats Down From The Candy” (uma das minhas favoritas pessoais) e o hino “Market Square Heroes”, outra que levanta a galera e leva a todos a uma celebração de uma fase que ficou no passado, mas não pode nem merce ser esquecida.
Marillion’s “Script” Revisited é um bom álbum e certamente agradará aos fãs da obra original (e daquele período inicial do Marillion). O grande problema é que estes mesmos fãs já possuem praticamente tudo isso, e em versão superior, no CD e no DVD Recital of the Script, lançados em diferentes versões entre 1983 e 2009. Nestes registros, temos a banda original, tocando o disco na época de seu lançamento, com a garra e a jovialidade de um grupo que precisava ainda conquistar seu espaço, e não uma banda cover (embora competente) interpretando canções com trinta anos de vida, já então bem conhecidas e algumas delas elevadas ao status de clássicos. De toda forma, se você encontrar a versão “revisitada” por um preço compatível (como eu, que dei a sorte de adquirir a versão em vinil por meros dez dólares, ou cerca de quarenta reais na data em que escrevo), pode se jogar sem medo, que a alegria é garantida, Caso contrário, pode ficar com o Recital original, e certamente você não terá nenhum prejuízo.
Track List (versão CD):
Disco 1:
1. Script For A Jesters Tear
2. He Knows, You Know
3. The Web
4. Garden Party
5. Chelsea Monday
6. Forgotten Sons
Disco 2:
1. Three Boats Down From The Candy
2. Charting The Single
3. Grendel
4. Market Square Heroes
5. Margaret
Tentei encontrar algo para ouvir e não encontrei. Parece bem difícil de achar. Tem algum link do youtube com algumas faixas desse disco para ouvirmos, Micão?
Infelizmente não, André! Procurei bastante, e os únicos links que encontrei são de um show de 2016, que foi lançado oficialmente em DVD. Deste lançamento que trato no texto, o mais próximo que cheguei foi um link da apple music que tem pequenos samplers das músicas (https://itunes.apple.com/us/album/marillion-script-revisited/828917292), e onde fala que também está disponível no itunes. Como não sou usuário deste, não posso afirmar que seja verdadeiro.
Mas, se você conferir o show de 2016 (https://www.youtube.com/watch?v=w2QrVEzOdwc e também https://www.youtube.com/watch?v=eaM_d2y7SAc), já dá para ter uma ideia do disco, pois as versões não são tão diferentes assim!
Fico pensando se agora, 40 anos depois do lançamento, alguém vai fazer algo especial para comemorar o lançamento do disco. Ainda é o meu favorito da fase Fish – o que não é sinônimo de favorito da banda como um todo, pois sou um dos poucos que acham que o Marillion melhorou com o Hogarth no vocal – e até hoje sustento que, tirando uma ou outra música, o grupo não era um clone do Genesis!! Bela resenha de um disco que parece ser bem raro!
Obrigado, Marcello!
Duvido que façam algo especial pelos 40 anos. A banda faz tempo que parece querer esquecer que houve uma fase antes do Hogarth, e Fish é outro que não parece gostar muito de lembrar dos tempos de Mariilion… sendo assim…
Script também é meu favorito da fase Fish… mas, no caso, também é o da banda, pois não curto muito a fase Hogarth…
Não sei se o disco resenhado aqui é tão raro assim, mas vale a conferida (ainda mais se for tão fã do disco quanto nós dois parecemos ser, hehehe).